domingo, 30 de outubro de 2011

Senado aprova projeto que estabelece competências de entes da Federação na área ambiental

PLC 1/2010 regulamenta o artigo 23 da CF/88.

Os senadores aprovaram, nesta quarta-feira (26), o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 1/10, que regulamenta a competência da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios quanto à proteção, ao uso e à conservação dos recursos naturais. Por ser um projeto de lei complementar, a matéria precisava de quórum qualificado (41 votos favoráveis) e obteve 49 votos a favor, 7 contrários e uma abstenção. Agora segue para sanção presidencial.


Leia na íntegra aqui.



Questões polêmicas em pauta:

1. Enfraquecerá o licenciamento ambiental?

2. Constitucionalidade duvidosa ou não?


4. Retrocesso ambiental?



CNJ fará novo pente-fino na Justiça do Paraná


O Conselho Nacional de Justiça fará uma revisão do pente-fino que detectou 113 falhas no TJ-PR há dois anos. "O Paraná, dentro do critério geral, é um tribunal ruim", disse a corregedora Eliana Calmon.


Dois anos após uma visita que detectou 113 falhas no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai promover uma revisão dessa inspeção. A ideia é aferir in loco se as determinações iniciais, que incluíam a extinção de benefícios e mudanças na estrutura remuneratória do TJ, estão sendo cumpridas. O retorno deve acontecer no fim de novembro.
Os trabalhos serão uma oportunidade de melhorar a imagem do Judiciário paranaense. “O Paraná causou uma maior surpresa porque nós esperávamos, como brasileiros, encontrar um tribunal mais organizado”, diz em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo a corregedora do CNJ e ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana Calmon, referindo-se à inspeção de 2009 no TJ-PR, realizada pelo seu antecessor no cargo, Gilson Dipp.
Famosa pela declaração feita no mês passado de que “há bandidos escondidos atrás da toga”, a ministra elogia os esforços da atual gestão do TJ-PR, mas adianta que uma avaliação realista depende do que será visto pessoalmente pela equipe do conselho.
Na entrevista, Eliana trata ainda de temas nacionais, como a polêmica sobre a diminuição dos poderes de investigação do CNJ, e critica a campanha publicitária promovida pela Associa­­ção dos Magistrados do Paraná (Amapar), que usa o gancho de que os juízes brasileiros estão sendo condenados sem direito a julgamento.
Em 2009, houve a primeira inspeção do CNJ no TJ-PR. Foram detectadas 113 falhas. É um número compatível com a realidade do restante do Judiciário brasileiro?
Nós podemos dizer o seguinte, e isso vem do meu antecessor [Gilson Dipp]: a gestão da Justiça Estadual [de todo o Brasil] é de péssima qualidade. Agora, alguns tribunais são piores que os outros. Nós tivemos alguns tribunais do Norte e Nordeste onde apareceram maiores dificuldades de gestão com a coisa pública. A nossa surpresa foi que encontramos isso em estados que considerávamos bastante adiantados. O Paraná, dentro do critério geral, é um tribunal ruim. Era, na época da inspeção, um tribunal ruim. Um tribunal que apresentava as mazelas de muitos outros, inclusive do tribunal da minha terra [Bahia]. O Paraná causou uma maior surpresa porque nós esperávamos, como brasileiros, encontrar um tribunal mais organizado.


Leia na íntegra aqui.




Relator do Código propõe abatimento de recuperação da vegetação no IR

Medida, que integra pacote de incentivos para reflorestar áreas de proteção ambiental, consta na nova versão da reforma do Código Florestal, prevista para ser votada em comissões no dia 8.


Nova versão da reforma do Código Florestal apresentada ontem no Senado prevê o desconto no Imposto de Renda de gastos com a recomposição de vegetação nativa nas propriedades rurais do País.
A medida faz parte de um pacote de incentivos para recuperar parte dos 870 mil quilômetros quadrados de áreas protegidas, que terá de ser enviado pelo governo ao Congresso no prazo de seis meses.
Os incentivos, como linhas de financiamento especiais e descontos no Imposto Territorial Rural, só valerão para os proprietários rurais que se comprometerem a seguir as regras de proteção do meio ambiente, diz o relatório do senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC). A votação do texto nas comissões de Ciência e Tecnologia e de Agricultura está prevista para 8 de novembro.
O relator argumenta que avançou o máximo possível no acordo em matéria que opõe ambientalistas e ruralistas no Congresso. Silveira destaca que fez um texto “sancionável pela senhora presidente da República”. Dilma Rousseff havia ameaçado vetar o texto aprovado em maio na Câmara, sobretudo pela brecha a novos cortes de vegetação nativa e pelo tamanho da anistia a desmatadores.
O relator prevê ainda que a União e os Estados façam um inventário das florestas existentes em imóveis privados e terras públicas. O inventário não tem prazo para ser concluído. Silveira acredita que funcionará como um “Renavam da madeira”, numa alusão ao cadastro nacional de veículos.
As principais reivindicações apresentadas pelo governo foram atendidas, como a obrigação da autoridade ambiental de embargar a produção em imóveis rurais desmatados ilegalmente. Também está mantida como competência da União fixar as linhas gerais para os Programas de Regularização Ambiental, que os Estados poderão detalhar.
A regra impedirá que Estados estabeleçam seus porcentuais de proteção do meio ambiente, como aconteceu em Santa Catarina quando Silveira era governador do Estado. Na ocasião, as margens de rios tiveram a proteção reduzida de 30 metros para 5 metros.
Passivo. Avaliação com base em cálculo do passivo ambiental acumulado no País sob o Código em vigor aponta que 150 mil km² não precisarão ser recuperados. Isso equivale a cem vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
O relatório libera a recuperação em áreas de reserva legal desmatadas até 4 módulos fiscais, medida que varia de acordo com o município.
As áreas de preservação permanente às margens de rios ocupadas por atividades de agricultura e pecuária não precisarão ser integralmente recuperadas. Em rios de até 10 metros, a recuperação é de metade dos 30 metros de vegetação nativa exigida como regra geral. Em casos de atividade de baixo impacto ambiental, interesse econômico e utilidade pública, a supressão da vegetação é autorizada.
O Estado levou em consideração a área de proteção ambiental desmatada calculada pelo professor da USP Gerd Sparoveck. Ele calcula que a vegetação natural predomine em 63% do território nacional. Outros 25% do País seriam ocupados pela agricultura ou pastagens. Áreas que deveriam ser protegidas e teriam sido desmatadas alcançam 870 mil km², cerca de 10% do território.



 

Do prazo para repetição do indébito tributário - posicionamento definitivo do STF

Foi publicado no último dia 11 de outubro, o inteiro teor do acórdão que, por maioria de votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário da União Federal, autuado junto ao Supremo Tribunal Federal sob o n.º 566.621/RS, julgamento que se iniciou em maio de 2010 e foi encerrado em 04.08.2011.
Desde o julgamento, aguarda-se ansiosamente o inteiro teor da decisão, capaz de permitir a exata interpretação dada à questão pela Corte Suprema.
O Recurso da União foi interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, em sede de argüição de inconstitucionalidade, considerou inconstitucional a 2ª parte do art. 4º, da Lei Complementar n.º 118/2005, na parte em que determina a aplicação retroativa do novo prazo para a repetição/compensação do indébito tributário, fixando em cinco anos, desde o pagamento indevido, o prazo para o contribuinte buscar a repetição de indébito tributário, relativamente a tributos sujeitos a lançamento por homologação.
No entender da Fazenda, tratar-se-ia de regra meramente interpretativa, capaz de viger para fatos ocorridos antes de sua vigência.
Rememorando a questão, tem-se que quando do advento da Lei Complementar n.º 118/2005, estava consolidada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o prazo para a repetição ou compensação de indébito relativo a tributo sujeito a lançamento por homologação era, na prática, de 10 anos. A posição do STJ tinha como fundamento o entendimento de que o prazo de cinco anos a partir da extinção do crédito, estabelecido pelo art. 168, I, do CTN, contava-se do decurso do prazo, também de cinco anos, mas desde o fato gerador, para a homologação do pagamento, previsto no art. 150, § 4º, do CTN, totalizando, assim, dez anos contados do fato gerador. Tal entendimento considerava, ainda, o texto do art. 156, VII, do CTN no sentido de que a extinção do crédito se dá com "o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus § § 1º e 4º."
A Lei Complementar n.º 118/2005 trouxe redução de prazo, de 10 para 5 anos, e ainda impôs sua aplicação retroativa. Desde então, a discussão em torno do tema é ampla e controvertida.
A decisão do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que não se pode considerar a Lei Complementar n.º 118/2005 como interpretativa, mas, sim, lei nova sujeita a todos os regulares condicionamentos, nos seguintes termos:"É certo que a alteração de prazos, indubitavelmente, não ofende direito adquirido, porquanto inexiste direito adquirido a regime jurídico, (...) Isso não quer dizer, contudo, que a redução de prazo possa retroagir para fulminar, de imediato, pretensões que ainda poderiam ser deduzidas no prazo vigente quando da modificação legislativa. Ou seja, não se pode, de modo algum, entender que o legislador pudesse determinar que pretensões já ajuizadas ou por ajuizar estejam submetidas, de imediato, ao prazo reduzido, sem qualquer regra de transição." Destacou a Corte a importância de se respeitar a certeza do direito e a estabilidade das situações jurídicas - princípio da segurança jurídica que deve nortear as relações.
Reconheceu-se, assim, a inconstitucionalidade da aplicação retroativa e imediata da redução de prazo, declarando-se válida a aplicação do prazo de cinco anos às ações ajuizadas após vencida a vacatio legis de 120 dias: "Isso posto, conheço do recurso extraordinário da União, mas, reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da LC 118/05 por violação do princípio da segurança jurídica, nos seus conteúdos de proteção e confiança e de acesso à Justiça, com suporte implícito e expresso nos arts. 1º e 5º, inciso XXXV, e considerando válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacacio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005, nego-lhe provimento."
Enquanto o STJ havia entendido que o novo prazo de 5 anos atingiria apenas os fatos geradores ocorridos a partir da vigência da lei nova (no sentido dos votos dos Ministros Celso de Mello e Luiz Fux), o STF, muito embora tenha mantido o entendimento de que a norma não poderia retroagir, se posicionou no sentido de fazer valer a lei nova e, conseqüentemente, o prazo de cinco anos, para as ações ajuizadas a partir da sua vigência, isto é: 09.06.2005, sendo menos favorável aos contribuintes nesse ponto.
De todo modo, a decisão do Supremo é importantíssima, pois encerra a discussão do tema e tem efeito vinculante, impactando em milhares de ações pendentes nos tribunais brasileiros, transcendendo o caso concreto, nos termos do art. 543-B, § 3º, do CPC.
by Sarah Tockus Gomes Coelho é advogada em Curitiba, pós-graduada em direito tributário pelo Centro Universitário Curitiba e em Direito Corporativo pelo Estação/IBMEC-RJ.


Compensação tributária federal

Recomendo a leitura!!!

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Compensação tributária federal (Parte I) - A declaração de compensação (PERD/COMP)

 
Compensação tributária federal (Parte II) - Princípios da proporcionalidade, do formalismo moderado e da verdade materia

by Flávio Zanetti de Oliveira é advogado do Escritório Augusto Prolik Advogados Associados, Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP.


Fonte: Paraná Online

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Política pública não pode ser decidida por tribunal

O Poder Judiciário precisa refletir sobre seu avanço diante das atribuições dos outros dois Poderes da República. Na implementação de políticas públicas, por exemplo, a Justiça pode até ter uma participação complementar, mas nunca atuar como protagonista em ações típicas dos Poderes Legislativo e Executivo. A opinião é de um dos maiores estudiosos de Direito Constitucional do mundo, o professor da renomada Universidade de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho — ou apenas J. J. Canotilho, como gosta de ser chamado.
O jurista, que tem em seu currículo o fato de ser um dos autores da Constituição de Portugal, é um crítico da ampliação do controle do Poder Judiciário sobre os demais poderes, principalmente na esfera da efetivação de direitos que dependem de políticas públicas, o que se convencionou chamar de ativismo judicial: “Pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural ou social é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado”.
J. J. Canotilho recebeu a revista Consultor Jurídico para uma breve entrevista em São Paulo, por onde passou para participar da entrega do Prêmio Mendes Júnior de Monografias Jurídicas, promovido pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Além fazer observações sobre ativismo, ele também fez ressalvas sobre o mecanismo de Repercussão Geral aplicado pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil.
O professor ainda revelou que há coisas que aproximam bem a Justiça portuguesa da brasileira. Por exemplo, o fato de processos em Portugal poderem percorrer até cinco instâncias para, enfim, chegarem a uma conclusão. O jurista ainda falou sobre as metas do Conselho Nacional de Justiça e considerou questionável a intenção da presidente Dilma Roussef de flexibilizar patentes. “A flexibilização é muito perigosa porque pode significar a quebra de patente”, disse. Para o professor, as empresas têm direito de exploração econômica, por certo período, por ter inventado um produto. É uma garantia constitucional que não deve ser violada a não ser em casos de extremo interesse público.
Aos 68 anos, Canotilho é considerado um dos papas do Direito Constitucional da atualidade, citado com frequência por ministros do Supremo Tribunal Federal. É doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Macau e autor de obras clássicas como Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador e Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

Leia a entrevista

ConJur — Recentemente, o senhor participou de um debate em que se discutiu o ativismo judicial. Qual a sua opinião sobre o assunto?
J. J. Canotilho — Não sou um dos maiores simpatizantes do ativismo judicial. Entendo que a política é feita por cidadãos que questionam, criticam e apontam problemas. Os juízes nunca fizeram revoluções. Eles aprofundaram aplicações de princípios, contribuíram para a estabilidade do Estado de Direito, da ordem democrática, mas nunca promoveram revoluções. E, portanto, pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural, social, e assim por diante, é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado.
ConJur — No Brasil, há uma enxurrada de ações e determinações judiciais para que o Estado forneça remédios para quem não pode comprá-los. Como o Judiciário deve atuar quando o Estado não põe em prática as políticas públicas?
J. J. Canotilho — As políticas públicas não podem ser decididas pelos tribunais, mas pelos órgãos socialmente conformadores da Constituição. Mas é fato que existem medicamentos raros e certa falta de compreensão para situações especificas de alguns doentes. Isso põe em causa a defesa do bem da vida. Os tribunais devem ter legitimação para solucionar um problema desses. É um problema de Justiça e o valor que está a ser invocado é indiscutível: o bem da vida.
ConJur — O senhor afirma que as políticas públicas não devem ser decididas pelo Judiciário. Mas, uma vez que passam a representar uma demanda que a Justiça não tem como deixar de enfrentar, qual a melhor forma de equalizar esta questão?
J. J. Canotilho — O Judiciário precisa enxergar o seu papel nessa questão. Ele pode ter uma participação, mas tem que complementar, e não ser protagonista. Até porque, quando determina a entrega de um medicamento a um cidadão, ele não está resolvendo o problema da saúde. Ele não tem o poder, a incumbência e não é o mais apropriado para a solução das políticas públicas sociais. Os que são responsáveis são os órgãos com responsabilidade política dos serviços de saúde, desde o Legislativo ao Executivo.
ConJur — Qual a sua opinião sobre o mecanismo da Repercussão Geral, criada para filtrar a subida de recursos e para pacificar em todo o Judiciário os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal?
J. J. Canotilho —
É uma das perguntas a que não sei responder. Porque, no fundo, o apelo à Repercussão Geral é, de certo modo, uma urgência de sintonizar as decisões judiciais — que são muitas — com a República e com os cidadãos. Nessa medida, entendo que o Supremo Tribunal Federal está levando em conta uma dimensão interessante. Essa é uma atitude inteligente. Mas uma coisa é convocar a vontade da Repercussão Geral e outra é avocar os argumentos, que é um conceito indeterminado, para justificar um caso concreto. Existe então a possibilidade da jurisprudência ser uma jurisprudência que não aplica o Direito para o caso concreto, mas que repete a retórica e os textos argumentativos de outras sentenças.
ConJur — Qual é a diferença?
J. J. Canotilho —
A diferença é que embora você tenha uma Repercussão Geral, cada caso possui uma particularidade. Por isso, cada juiz deve julgar o caso concreto. O que por vezes se tem percebido é que tanto a Repercussão Geral quanto a disponibilização do processo digitalizado têm contribuído para que juízes apliquem a decisão, a mesma que o tribunal tomou sobre aquele tema, quando na verdade o correto é avocar o entendimento para tomar sua própria decisão.
ConJur — O senhor é contra a informatização dos processos?
J. J. Canotilho —
Não há razão nenhuma para duvidar da bondade da informatização, até porque ela oferece ao cidadão acesso a um ato do tribunal e à possibilidade de saber em que pé está o processo. Eu acho que isso é uma evolução absolutamente incontornável, então não podemos criticá-la. Até porque, relativamente aos juízes que aparecem agora, mais jovens, nenhum pode deixar de saber trabalhar com os instrumentos da informática, com os computadores.
ConJur — Mas, ao falar da Repercussão Geral, o senhor deu a entender que existe algum problema com relação à digitalização do processo...
J. J. Canotilho —
Sim. É a questão de os juízes pensarem em copiar uns aos outros. Ou seja: “Como é jurisprudência constante... Como já decidimos...”. Com a ausência do papel, agora isso é muito mais fácil. E pode haver alguma uniformização da própria estrutura, da própria retórica, o que não é mal, desde que aquilo sirva ao caso concreto que está a ser discutido. Mas isso também parece incontornável. Isso facilita também que os juízes transcrevam um esquema básico e, afinal de contas, não é só um parâmetro, mas é um esquema que eles utilizam todos da mesma maneira. Ou seja, garante-se um nível de uniformização, mas perde-se alguma coisa desta dimensão de que cada processo é um processo, de que cada caso é um caso. E há esta possibilidade da jurisprudência ser uma jurisprudência que não diz o Direito para o caso concreto, mas que repete a retórica e os textos argumentativos de outras sentenças.
ConJur — Mas isso também ocorre em virtude do número grande de processos, não? A propósito, qual a opinião do senhor sobre as metas impostas pelo CNJ?
J. J. Canotilho —
Há mais ou menos uns dois anos, o governo português tinha mandado fazer um estudo sobre o tempo médio de trabalho necessário para proferir uma decisão. Os magistrados logo se revoltaram dizendo que era intrusão do Executivo no Judiciário, porque não há possibilidade de determinar um tempo médio na produção de um juiz. Essa cobrança é natural, afinal, nos tempos de hoje, tudo requer agilidade e eficiência. Mas basta entrar em qualquer tribunal para ver processos com milhares de partes, processos com monstruosa complexidade, que levam meses e até anos para serem decididos. Por mais que se criem soluções como a informatização, ainda é o ser humano que decide. Por exemplo, se determina que o juiz julgue 500 casos por ano. Ele julga 300. Depois se pede 400. E ele julga 300. E quando se pede 200? Ele julga 300. Portanto, as metas nos permitem dizer que é humanamente impossível decidir por ano mais do que tantos processos.
ConJur — Aqui ainda é forte a máxima do “ganha, mas não leva”, porque o pleito da causa e a execução se dão em processos diferentes. Isso também ocorre em Portugal?
J. J. Canotilho —
Em Portugal também funciona assim. Muito dos processos acabaram por ser processos puramente declaratórios. Muitas partes não abdicam de todas as dimensões recursais e vão até o Supremo. Em Portugal, há o risco de termos até cinco instâncias. São três até ao Supremo Tribunal de Justiça, quatro com a Corte Constitucional e cinco ao Tribunal Europeu. Muitas empresas arrastam os processos sem razão de ser. Há processos demasiado formalistas ou garantistas que impedem uma solução dos conflitos.
ConJur — Parece que não existe Defensoria Pública em Portugal. Como isso funciona?
J. J. Canotilho —
Não existe a instituição Defensoria Pública, mas há defensores pagos pelo Ministério da Justiça. Portanto, de uma lista de advogados, indicados pela Ordem dos Advogados, há defensor oficioso que é pago pelo Estado. Isso traz alguns problemas. Muitas vezes, são jovens advogados que não têm experiência, o governo atrasa o pagamento, mas não sei qual é o melhor modelo, até porque não sei como seria se tivéssemos a Defensoria. No Brasil tem, mas não conheço seu trabalho.
ConJur — O senhor falou sobre advogados com pouca experiência, mas como o avalia a nova geração da advocacia?
J. J. Canotilho —
Existe uma questão que precisa ser observada no Brasil, que é a qualidade das universidades, em especial das privadas. A quantidade de universidades que publicam livros, que realmente acrescentam para o mundo do conhecimento é muito pequena. As universidades não podem ser escolas primárias. Vejo muita honestidade e boa vontade na iniciativa do Brasil em democratizar o acesso ao ensino superior, mas isso precisa vir acompanhado de qualidade.
ConJur — Aqui no Brasil se critica o baixo índice de aprovação no Exame da OAB. O senhor acredita que isso é resultado do número de universidades de má qualidade?
J. J. Canotilho —
Não apenas. Qual é o brasileiro que pode se dedicar exclusivamente aos estudos? Poucos. Isso influencia também. Não que eu defenda que as pessoas devam se dedicar integralmente aos estudos, mas é preciso reservar tempo considerável. O mesmo se aplica aos professores. As universidades públicas pagam quase nada para que eles façam orientação de mestrado, doutorado, por isso muitos saem da aula e vão direto para o tribunal advogar. Eles não têm tempo para preparar uma boa aula. Os alunos estão cansados. Não há tempo para o estudo, não há tempo para pesquisa. Trabalhos acadêmicos são grandes plágios.
ConJur — Por falar em plágio, a presidente Dilma Roussef tem falado em flexibilização de patentes. Qual a sua opinião?
J. J. Canotilho —
A flexibilização é muito perigosa porque pode significar a quebra de patente. As empresas têm direito de exploração econômica, por certo período, por ter inventado um produto. É uma garantia constitucional que não deve ser violada a não ser em casos de extremo interesse público, como no caso dos genéricos, e não nos moldes que ocorre no Brasil.
ConJur — Por quê? O que há de errado na política brasileira de medicamentos genéricos?
J. J. Canotilho —
No meu ponto de vista esta é uma questão que o Brasil deveria ter superado. O que é um genérico? Um medicamento com o mesmo princípio ativo que um de mercado. Ou seja, de um que foi desenvolvido pela indústria, com base em anos de pesquisa, muito dinheiro investido e que está protegido por lei por 20 anos. Como um medicamento genérico pode confeccionar uma bula dizendo que em 2% dos casos pode ocorrer tal reação adversa? Ele não fez nenhum teste, como pode afirmar? O genérico é um grande plágio.

Fonte: ConJUR



domingo, 23 de outubro de 2011

Dano moral por infiltração em apartamento

Uma das situações mais desagradáveis, para quem mora em condomínio, é a infiltração de água originada de outro apartamento, ocasionando manchas no teto e nas paredes, bolor nos armários, mau cheiro e até mesmo a impossibilidade de usar algumas partes de seu imóvel.
Infelizmente, em grande parte das vezes, o proprietário da unidade causadora hesita em mandar efetuar o conserto, porque naturalmente vai ter despesa, sujeira, pó etc.
Não raro, sem pesquisar, atribui a causa às áreas comuns do condomínio, como coluna, por exemplo, ou vai adiando a solução.
O problema é que, quanto mais tempo demorar para tomar alguma providência, maior será a sua despesa, pois além de ter que consertar o seu encanamento, ainda terá que deixar o apartamento de baixo no estado anterior ao vazamento, inclusive com pintura nova.
E, logicamente, é inaceitável causar incômodo ao outro morador e ficar de braços cruzados, ignorando o sofrimento, a angústia alheia.
É aconselhável que o morador vítima de vazamentos e infiltrações primeiramente tente resolver o problema de forma amigável. Caso não consiga, deve notificar o proprietário da unidade causadora, dando-lhe prazo para que conserte o vazamento.
E se mesmo assim não obtiver êxito, não há alternativa senão propor ação judicial, para que a parte causadora seja obrigada a mandar executar os consertos, sob pena de multa diária.
A boa notícia é que, além da indenização por dano material, a 9ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação nº 9195915-92.2004.8.26.0000, em que figurou como relator o desembargador dr. Antonio Vilenilson, em acórdão datado de 12 de julho de 2011, confirmou sentença do juiz de Primeira Instância, condenando também em dano moral.
Inicialmente o juiz havia arbitrado a indenização por danos morais em R$ 1.200,00. O Tribunal de Justiça elevou-a para R$ 10.000,00 levando em consideração o caráter pedagógico da indenização, uma vez que o problema se arrastou por vários anos e o autor da ação sofreu limitação do uso de seu apartamento.

A ementa do acórdão é a seguinte:
"Dano moral. Procedente. Infiltração originada do apartamento vizinho. Descaso da proprietária em resolver o problema. Atentando-se para o caráter pedagógico da indenização, acolhe-se recurso para aumentar a indenização".

O Dano moral está previsto na Constituição Brasileira, no capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. O artigo 5º diz que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos term os seguintes:"
"X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Os danos materiais são aqueles avaliáveis em dinheiro. São os prejuízos patrimoniais, mais fáceis de serem quantificados.
Os danos morais, por sua vez, são os que causam sofrimento, abalo moral, constrangimento.
Para o grande jurista Pontes de Miranda, citado no livro "Dano Moral", de José Antonio Remédio, José Fernando Seifarth de Freitas e José Júlio Lozano Júnior (Editora Saraiva, 2000), "nos danos morais a esfera ética da pessoa é que é ofendida; o dano não patrimonial é o que só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio".
E o grande problema é justamente a quantificação desse dano moral. Por essa razão, os valores de condenação em dano moral são bastante distintos.
Assim, o juiz aprecia caso a caso e também, como na decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo acima citada, leva em conta também o aspecto pedagógico, para que o causador do dano moral, aprenda e da próxima vez, se houver, considere melhor o problema.
Daí a razão para, no julgamento citado, a condenação de R$ 1.200,00 ter sido elevada para R$ 10.000,00.
Daphnis Citti de Lauro é advogado, é autor do livro "Condomínio: Conheça Seus Problemas".



quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Luís Roberto Barroso alerta para déficit de dignidade humana

"Temos um déficit de verdadeira dignidade humana em muitas áreas e não daremos verdadeiramente um salto histórico enquanto não formos capazes de saldá-los". A afirmação foi feita hoje (18) pelo renomado constitucionalista Luís Roberto Barroso, jurista que fará a palestra de encerramento da XXI Conferência Nacional dos Advogados, que será promovida pela OAB Nacional de 20 a 24 de novembro em Curitiba (PR). Barroso é advogado, professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre pela Universidade de Yale e pesquisador visitante da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Ao abordar, durante entrevista a este site, os pontos que mais chamarão a atenção em sua palestra, Barroso afirmou que o recente processo democrático brasileiro vem evoluindo nos últimos vinte e cinco anos, tendo sido marcado por eleições periódicas, pela estabilidade institucional e pela garantia das liberdades públicas. O ponto baixo dessa trajetória, segundo ele, é o fato de o país ter um sistema político estigmatizado pelo custo astronômico das campanhas, descaminhos do financiamento eleitoral e pela baixa representatividade.
"O desenvolvimento somente se justifica e se legitima quando se traduz em desenvolvimento humano, contribuindo para elevação existencial e ética das pessoas", afirmou o jurista, para quem o desenvolvimento da democracia passa, necessariamente, pela garantia de condições mínimas de vida e de acesso aos bens de consumo e civilizatório.
Além da conferência magna de Barroso, o evento contará com 20 painéis durante os cinco dias de Conferência, abordando temas diretamente relacionados às preocupações atuais da cidadania brasileira, tais como a segurança pública, a nova realidade da advocacia, a questão ambiental, a diversidade sexual e o contexto da democracia no Brasil e no mundo. As inscrições para a Conferência podem ser feitas acessando o banner da XXI Conferência no site www.oab.org.br, onde está disponibilizada também a programação do evento.
A seguir a íntegra da entrevista concedida pelo jurista Luís Roberto Barroso, na qual abordou os pontos de sua palestra na Conferência da OAB:
P - O tema de sua palestra no encerramento da Conferência será ''Democracia, Desenvolvimento e Dignidade da Pessoa Humana: Uma Agenda para os Próximos Dez Anos''. Como pretende abordá-lo?
R - Ainda estou trabalhando na minha apresentação, mas pretendo dividi-la em duas partes. Na primeira, pretendo fazer uma apreciação de como se encontra o Brasil em relação a cada um desses elementos: democracia, desenvolvimento e dignidade humana. Na segunda, tenho vontade de apresentar dez idéias, com propostas objetivas de encaminhamento, para lidar com alguns dos temas que considero cruciais para o Brasil contemporâneo. A democracia - ou, mais propriamente, o constitucionalismo democrático - é uma fórmula política baseada nos direitos fundamentais e na participação política, bem como uma forma de organização social fundada na cooperação entre pessoas livres e iguais. Nesse ambiente, o povo constitui, não um aglomerado de pessoas sobre um território, mas o conjunto de pessoas ligadas entre si em uma parceria histórica, que se manifesta em valores e projetos comuns, na responsabilidade de uns para com os outros e em compromissos com as gerações futuras.
P - O senhor acredita que o Brasil, e sua democracia, vem evoluindo? Quais são os pontos altos e baixos de nosso recente processo democrático?
R - Nessa matéria, nos últimos vinte e cinco anos, superamos muitos ciclos do atraso e temos uma história de relativo sucesso para contar, marcada por eleições periódicas, pela estabilidade institucional e pela garantia das liberdades públicas. O ponto baixo dessa trajetória é um sistema político estigmatizado pelo custo astronômico das campanhas, descaminhos do financiamento eleitoral e pela baixa representatividade.
P - Para onde o processo democrático brasileiro deve caminhar?
R - O desenvolvimento é um processo complexo e abrangente, que envolve diferentes dimensões. Uma delas é a dimensão econômica, associada à geração de riquezas, tendo como indicadores itens como o PIB, a renda per capita, o nível de endividamento do país e o saldo da balança comercial, dentre outros. Esses indicadores têm sido auspiciosos para o Brasil, mas não podemos desperdiçar a chance e devemos, portanto, fazer escolhas certas em matéria de educação, combate à pobreza, infraestrutura e inovação tecnológica, dentre muitas necessidades nacionais. A dimensão social do desenvolvimento está ligada à distribuição de riquezas e à qualidade geral da vida da população. Também aqui avançamos de maneira significativa, mas continuamos atrasados e com pressa. É preciso assinalar que uma ideia inerente ao conceito contemporâneo de desenvolvimento é que ele seja sustentável, vale dizer, não esgote os recursos necessários à sobrevivência das futuras gerações, nem o meio ambiente em que deverão viver. Por fim, cabe anotar que o desenvolvimento somente se justifica e se legitima quando se traduz em desenvolvimento humano, contribuindo para elevação existencial e ética das pessoas.
P - Esse desenvolvimento humano ao qual o senhor se refere deve estar relacionado a quais valores?
R - A dignidade está associada ao valor intrínseco de cada pessoa humana -sua posição diferenciada no mundo da criação e os direitos que decorrem dessa condição - bem como à sua autonomia, privada e pública. A autonomia privada diz respeito às liberdades essenciais (de expressão, religiosa, de trabalho, liberdade sexual) e a autonomia privada está associada aos direitos políticos, à possibilidade real de participar da condução da coisa pública. Parte essencial da autonomia e, portanto, da dignidade humana, é o chamada mínimo existencial. As pessoas precisam ter asseguradas as condições mínimas de vida e de acesso aos bens de consumo e civilizatório para que possam exercer, na plenitude, sua liberdade de escolhas existenciais relevantes. Temos um déficit de verdadeira dignidade humana em muitas áreas e não daremos verdadeiramente um salto histórico enquanto não formos capazes de saldá-los.

Fonte: OAB

Disponível em: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=22888. Acesso em: 19 out. 2011.

 

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Bioconstituição

Segundo Baracho "bioconstituição" indica o

conjunto de normas (princípios e regras) formal ou materialmente constitucionais, que tem como objeto as ações e omissões do Estado ou de entidades privadas, com base na tutela da vida, na identidade e integridade das pessoas, na saúde do ser humano atual ou futuro, tendo em vista também as suas relações com a Biomedicina.


BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A identidade genética do ser humano. Bioconstituição: bioética e direito. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: RT, v. 32, jul-set. 2000.

Exigências da Fifa violam o CDC

Entidade quer suspensão da proibição da venda casada e da responsabilização por danos causados a torcedores, direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor.

A realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil provocou a primeira bola dividida entre o comitê organizador e os consumidores. A Federação Internacional de Futebol (Fifa), promotora do evento, quer que a Lei da Copa, em discussão no Congresso Nacional, flexibilize alguns direitos garantidos aos cidadãos brasileiros.
Pela proposta defendida pela entidade, artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), como o que proíbe a venda casada ou o que responsabiliza os organizadores por danos causados aos torcedores durante um evento, receberão cartão vermelho. A entidade pleiteia ainda a suspensão da meia-entrada de estudantes e idosos, direito regulamentado por leis estaduais.
As entidades de defesa do consumidor prometem jogar duro e acusam a Fifa de “intromissão nos direitos sociais” dos brasileiros, no que consideram uma violação à soberania nacional.
A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste) aponta que a Lei Geral da Copa prevê que a Fifa será a única responsável pelos “critérios para cancelamento, devolução e reembolso de ingressos, assim como para alocação, realocação, marcação, remarcação e cancelamento de assentos nos locais”.
A lei, entretanto, é omissa e não prevê a responsabilização da Fifa por conta dos prejuízos causados aos consumidores.
O projeto também concede o direito exclusivo de a Fifa decidir se venderá os ingressos de forma avulsa ou conjuntamente com pacotes turísticos ou de hospitalidade, configurando venda casada – vinculação do ingresso à compra de pacotes turísticos, hospedagens em hotéis ou passagens aéreas.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) defende que a Lei da Copa contemple o conceito do torcedor-consumidor. Para o Idec, os interesses dos organizadores da Copa não podem se sobrepor à legislação do país. “A aprovação [nos termos atuais], além de levar a uma norma com significativo potencial de inconstitucionalidade, extrapola a própria lógica de preservação da ética e da boa-fé nas relações de consumo”, avalia o advogado do Idec Guilherme Varella.
O relator da proposta que cria a Lei Geral da Copa, deputado Vicente Cândido (PT-SP), afirma que não há um conflito entre as leis de proteção do consumidor e as regras para a realização da Copa do Mundo no Brasil. “Não vejo nenhum conflito, porque é muito específico o evento”, avalia.
Os órgãos de defesa do consumidor rebatem, alegando que a possível flexibilização de direitos sociais para atender à excepcionalidade da Fifa, além de irem contra direitos assegurados pela Constituição, significam um retrocesso na defesa dos consumidores brasileiros, há mais de 20 anos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor.

Direitos

Idec faz campanha contra lei
O Idec entrou em campo contra a Lei Geral da Copa com a campanha “Copa sem direitos não dá jogo”. A iniciativa busca apoio dos consumidores contra a proposta que tramita no Congresso Nacional com a previsão de suspensão de parcial do Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto do Idoso, do Estatuto do Torcedor e de leis estaduais.
O site da campanha permite ao usuário enviar um e-mail para a presidente da República, Dilma Rousseff, para o presidente da Fifa, Joseph Blatter, para o ministro do Esporte, Orlando Silva, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reivindicando seus direitos e solicitando mudanças no PL.
O Idec defende que, apesar da importância, nem mesmo um evento como a Copa do Mundo justifica o descumprimento de direitos constitucionais, afrontando as leis nacionais vigentes. Segundo Guilherme Varela, advogado do Idec, a Lei Geral cria uma zona legal cinzenta, possibilitando abusos.
O texto permite que a venda de um ingresso, por exemplo, seja vinculada à compra de um pacote de viagem, de uma hospedagem ou qualquer outro produto. O projeto também autoriza a Fifa a impor cláusula penal nos contratos. Isso quer dizer que o consumidor pode ser processado como se tivesse cometido um crime. Para Varela, esse conflito vai causar prejuízos ao consumidor porque qualquer ação judicial não vai terminar a tempo de garantir os direitos das pessoas a um ingresso ou produto da Copa.

Meia-entrada também está ameaçada
O direito à meia-entrada – benefício concedido a estudantes regulamentado por leis estaduais e a pessoas com mais de 60 anos pelo Estatuto do Idoso em eventos culturais e esportivos – também está ameaçado pela proposta da Lei Geral da Copa. Segundo projeções da Fifa, a concessão da meia-entrada na Copa de 2014 implicaria um prejuízo equivalente a R$ 180 milhões (US$ 100 milhões) para a entidade.
“Trata-se de um direito adquirido e não pode ser barrado o desconto para os ingressos das partidas da Copa do Mundo de 2014”, considera a coordenadora institucional da Pro Teste, Maria Inês Dolci.
Na última edição da Copa do Mundo, realizada na África do Sul, em 2010, os ingressos custavam em média US$ 135 (R$ 244). A previsão para 2014 é de ingressos por US$ 140 – com isso, a meia-entrada custaria cerca de R$ 130, no câmbio atual.
O ex-jogador e hoje deputado federal Romário (PSB-RJ) garante que vai apresentar uma emenda ao projeto da Lei Geral da Copa para garantir meia-entrada para idosos e estudantes, além de possível gratuidade para as pessoas com deficiência.
“Colocar o ingresso, hoje, a R$ 150 já seria uma indecência. Com certeza, daqui a três anos, vai aumentar”, avalia.







domingo, 16 de outubro de 2011

Palestra Dr. Luís Roberto Barroso na UERJ sobre o caso Cesare Battisti

Encerramento do Ciclo de Palestras: Atuação Profissional e Garantia de Direitos (realizada no dia 9 de setembro de 2011, no auditório 91).

Aula do Professor Luis Roberto Barroso sobre o caso Cesare Battisti



Judicialização segundo Dr. Barroso

A indicação de ministros para o STF

Palestra Dr. Luís Roberto Barroso sobre a Constituição

Em época de comemoração dos 23 anos da Constituição, bom relembrar
Luis Roberto Barroso em sua palestra proferida em 2008.



Constituinte exclusiva e reforma política ná ótica do Prof. Luís Roberto Barroso

Sete pecados capitais na efetividade da Justiça

O Poder Judiciário encarna a administração da Justiça e dele se exigem decisões rápidas e bem fundamentadas. No objetivo único de aprimoramento desse Poder, que é a base do Estado democrático de Direito, apontam-se aqui sete causas que contribuem para uma menor efetividade da Justiça. E propositadamente, deixa-se de citar nomes, pois a crítica é ao sistema e não a pessoas, construtiva e não destrutiva. Vejamos:

1º — CNJ, jus x gov
Todos os sites do Poder Judiciário continham o órgão de origem, arroba, gov.br (p. ex. www.trf4.gov.br). Um dia tudo mudou, por decisão do CNJ. O gov deveria tornar-se jus. Imagino que alguém tenha dito que o Judiciário é independente e que gov faria supor que era órgão do Poder Executivo. Será? O fato é que daí alterou-se para jus. Só que o Judiciário pertence ao Estado e em todo o mundo ocidental os seus sites e os e-mails dos juízes e servidores, acusam gov ou gob (hispânicos). Só no Brasil um Tribunal usa jus, assemelhando-se mais a uma ONG de pesquisa judiciária do que a um órgão do Judiciário. Esta mudança serviu para alguma coisa? Não, que eu saiba. Deve ter servido só para centenas de servidores, em todo o Brasil, perderem dias de trabalho alterando sites e outros dados.

2º — JEFs x INSS
Os Juizados Especiais Federais, criados para possibilitar acesso mais rápido à Justiça, gratuito e de execução imediata (RPVs), contribuem para a imagem de um Judiciário informal e eficiente. Agora, o JEF substituir um órgão do Executivo (INSS) criado só para isso, parece-me estranho. Gastar-se com duas estruturas (há JEFs com ambulatório, maca, etc.) que fazem o mesmo não passaria pela cabeça do mais medíocre empresário. Muito menos de um administrador judicial alemão. Por isso, surpreendo-me ao ver juízes contando dias de trabalho de um autor (p. ex., tempo de aposentadoria, 60 dias na farmácia X, 2 anos e 15 dias no posto de gasolina Y, etc.). Sempre imaginei que um juiz tivesse algo mais complexo a fazer e por isso mesmo seu status e vencimentos são maiores do que os do técnico do INSS. Não estará aí faltando alguém que estabeleça uma política pública judiciária para fixar as fronteiras entre as atividades de um e de outro?

3º — Férias nos tribunais de segunda instância
A Emenda 45/2004 inovou, extinguindo as férias coletivas nos tribunais (exceto os superiores, no DF). O autor de tão infeliz iniciativa certamente pensava que isto agilizaria o andamento das ações. O que aconteceu é que os desembargadores, que saíam de férias em janeiro e julho, passaram a marcar férias em meses variados. Com isto, convocam-se juízes de primeira instância (desfalcando a Vara), gerando instabilidade na jurisprudência e insegurança jurídica. Em alguns não se convoca juiz e os recursos param até a volta do desembargador em férias. As partes sofrem o dano causado por uma iniciativa cheia de idealismo, mas distante da realidade.

4º — A equipe do novo Presidente
Quando muda a presidência do tribunal, o novo Presidente diz com orgulho “vou levar a minha equipe”. Naquela frase solene fica algo no ar. Uns supõem que a equipe citada é composta de gênios e que tudo vai melhorar dali em diante. Outros, mais maliciosos, interpretarão que a equipe do antecessor tinha algum problema, quem sabe algum servidor desonesto. Na verdade, a tal nova equipe são os que trabalham no gabinete do novo Presidente há anos. Atuando na área jurisdicional, nada entendem de recursos humanos, controle interno ou licitações. Isto fere o princípio da eficiência administrativa. Os cargos de direção na administração de um tribunal devem ser exercidos por quem entende do assunto. Óbvio que esta regra não é absoluta. Se houver 3 ou 4 que não despertem confiança ou que não se alinhem na nova filosofia de trabalho, deverão ser substituídos.

5º — O esvaziamento da primeira instância
Passam os juízes de primeira instância por um processo de diminuição de suas atribuições. É comum afirmar-se que o processo na primeira instância é mero ritual de passagem, já se preparando na inicial o terreno para a futura interposição de recursos ao STJ e ao STF. Sujeitam-se os juízes a Agravo ou Embargos de Declaração a cada decisão que proferem. E alguns ainda se dão ao trabalho de elaborar longas explicações a cada sucessivo e protelatório embargo, tudo em nome da ampla defesa. Em alguns estados as Varas não têm sequer o número mínimo de funcionários, havendo casos em que são requisitados pelo TJ. A perda de poder do juiz significa perda de prestígio, de respeito e consideração. O reflexo é sentido no descumprimento de decisões judiciais, nas petições malcriadas e nas audiências. Um Judiciário desprestigiado representa sério risco para a democracia. Os países desenvolvidos prestigiam seus juízes, em todas as instâncias.

6º — O trânsito em julgado como requisito da execução da pena criminal
O STF, interpretando a Constituição, decidiu que a pena criminal só pode ser executada após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Consequentemente, TJs e TRFs, no âmbito criminal, também se tornaram tribunais de passagem. A interposição de recurso especial (STJ) e extraordinário (STF) garante alguns anos de sobrevida a um condenado. O exemplo clássico foi o caso do jornalista Pimenta Neves, condenado por homicídio com pena executada quase 11 anos depois. Mas não é o pior exemplo. Na maioria dos casos o condenado (de posses e bem defendido, evidentemente) se beneficia da prescrição pela pena aplicada ou, idoso, obtém prisão domiciliar. O fato é muito mais grave do que se imagina e, no dia em que uma dissertação de mestrado apontar o número de processos em tal situação, os Tribunais Superiores cairão em um descrédito que deve, a todo custo, ser evitado.

7º — CNJ e o horário da Justiça
Baseado em uma reclamação contra determinado estado, o CNJ baixou uma Resolução, fixando para todo o país o horário das 9h às 18h. Os ingênuos aplaudiram, certos de que os servidores trabalhariam mais e os processos teriam andamento mais célere. A realidade foi outra, como era previsível. Uma sucessão de problemas, simplesmente porque o país é muito grande e as diferenças de clima, hábitos e cultura são enormes. A mudança suscitou dificuldades familiares (mães servidoras precisam de planejamento para conciliar trabalho e lar), os horários passaram a ser diferenciados e sem controle da chefia, elevou-se o consumo de energia elétrica e, em alguns lugares, as despesas aumentaram significativamente, porque foi preciso contratar mais seguranças e, em outros, simplesmente tudo continuou com antes, ignorando-se o ato administrativo. O STF em boa hora pôs fim à difícil situação, através de liminar.
Os fatos aqui descritos não constituem causa única ou preponderante das dificuldades do sistema judicial brasileiro. Mas, sem dúvida, dão e/ou deram colaboração para o crescente descrédito da Justiça. Mudanças são necessárias e fazem parte de um mundo que se altera rapidamente. Todavia, analisar cada passo relevante, atentar para os aspectos social e econômico das decisões, é o melhor caminho.

by Vladimir Passos de Freitasdesembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.



O contrato social em Sigmund Freud

Um sentimento que ele [Roman Roland] gostaria de chamar de sensação de ‘eternidade’, um sentimento como o de algo sem limites, sem barreiras, ‘oceânico’, por assim dizer (...) Apenas com base nesse sentimento oceânico alguém poderia chamar-se religioso, mesmo recusando toda fé e toda ilusão (...) Não consigo descobrir esse sentimento ‘oceânico’ em mim mesmo. Não é fácil tratar sentimentos cientificamente.Sigmund Freud, O Mal- Estar na Cultura.
O contrato social é poderosíssima construção conceitual e institucional da tradição ocidental. Com diferenças de pormenor, revela a intuição de que abdicamos de nossa liberdade originária, em troca da segurança que a vida em sociedade propiciaria. Substancialmente, para uns, a renúncia se daria em favor de um soberano absoluto; para outros, em prol de um governo democraticamente constituído. Contemporaneamente, no núcleo da teoria do contrato social radica a ideia de que um governo legítimo é o produto artificial de um acordo voluntário acertado em agentes morais detentores de liberdade de escolha[2]. É muita metafísica.
Na visão dos pós-modernos o contrato social é uma grande narrativa, que apenas qualifica construído político que justificaria mecanismos de dominação[3]. Na abordagem feminista o contrato social matizaria dominação masculina; neste sentido, melhor falarmos em contrato sexual[4]. Para Carole Pateman o contratualismo ignora um pacto não escrito, não codificado e místico, que se dá entre os sexos[5]; a soberania, em sentido mais irônico, seria a hipocrisia organizada...[6]
Para Sigmund Freud, o contrato social é fonte de angústias. A renúncia de nossas pulsões teria como resultado direto a constatação de que a sociedade fracassa em proporcionar a felicidade que se espera dela[7]. É esta percepção freudiana que orienta as reflexões vindouras.
Meu argumento é de que Freud desconstrói a idealização do contrato social, denunciando-a como ingênua e como insatisfatória para explicar a condição humana. A compreensão do contrato social em Freud é marcada por um ceticismo superlativo. Freud descortina as tragédias e as possibilidades da cultura[8]; destrói nossa moral, com todos os requintes de ser nosso maior moralista[9]. Pode nos ajudar a compreender que o Estado é menos uma necessidade de que um mito[10].
O contrato social é percepção que conta com linhagem que explicita os fundamentos de nossa compreensão ocidental de mundo. Com estações no animal social de Aristóteles, e com aproximações com o voluntarismo de Agostinho, Cícero, Sêneca, Guilherme de Ockham e Francisco Suarez, o contrato social alcançou em Thomas Hobbes sua grande formulação no contexto do pensamento moderno.
O contrato social foi retomado por Locke, que o vinculou ao liberalismo democrático. A noção foi recepcionada por Rousseau, que a calibrou pela noção de que a associação civil é o ato mais voluntário que há no mundo, porquanto cada pessoa nasce livre e é senhora de si própria. Kant, no Rechtslehre, fecha o círculo conceitual de contrato social da era liberal. John Rawls revigorou a tradição com sua Teoria da Justiça, que Perry Anderson abominou, dizendo-a uma Teoria da Injustiça.
Freud afastou-se dessa tradição. Não se pode negar que o ceticismo do pai da psicanálise em grande parte se deve à depressão econômica de 1929 bem como na ascensão do nazismo na Alemanha. Freud denunciou um conflito do homem com a civilização, opondo liberdade e imaginária igualdade. Ao fim da vida, sua fuga de Viena parece confirmar tanta premonição[11].
É este o grande tema de Das Unbehagen in der Kultur, que alguns traduzem como O Mal-Estar na Civilização, outros como O Mal-Estar na Cultura, e outros (principalmente da tradição norte-americana) como A Civilização e seus Descontentes. A crítica de Freud aos conteúdos simbólicos da vida civilizada (assunto que ele aprofundou em O Futuro de uma Ilusão) é também muito forte em relação a percepções de religião, com o se lê no Mal-Estar:
Quanto às necessidades religiosas, parece-me imperioso derivá-las do desamparo infantil e do anseio de presença paterna que ele desperta, tanto mais que esse sentimento não se prolonga simplesmente a partir da vida infantil, mas é conservado de modo duradouro pelo medo das forças superiores do destino[12].
Fontes de sofrimento
Para Freud, numa abordagem absolutamente pessimista, a vida social é fonte de sofrimento, bem como nossa impotência para com a natureza é também justificativa de sensação recorrente de desamparo:
Já demos resposta ao indicarmos as três fontes donde provém nosso sofrimento: o poder superior da natureza, a fragilidade de nosso próprio corpo e a deficiência das disposições que regulam os relacionamentos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade. Quanto às duas primeiras, nosso juízo não pode hesitar por muito tempo; somos forçados a reconhecer essas fontes de sofrimento e a nos resignarmos com a sua inevitabilidade. Jamais dominaremos a natureza completamente, e nosso organismo, ele próprio uma parte dessa natureza, sempre será uma formação transitória, limitada em sua adaptação e em sua operação. Desse conhecimento não se deriva nenhum efeito paralisante; ao contrário, ele indica a direção de nossa atividade[13].
Quanto à constituição da sociedade, Freud observava que as leis que criamos não se destinam, necessariamente, ao bem comum que retoricamente as justificam:
Em relação à terceira fonte de sofrimento, a social, nos comportamos de outra maneira. De modo algum queremos admiti-la, não conseguimos entender por que as disposições que nós mesmos criamos não deveriam antes representar proteção e benefício para todos nós. Contudo, quando refletimos sobre o quanto fomos malsucedidos justamente na proteção contra essa parcela de sofrimento, desperta a suspeita de que também por trás disso poderia haver uma porção da natureza invencível – neste caso, nossa própria constituição psíquica[14].
Seríamos, assim, os verdugos de nós mesmos. A cultura, para Sigmund Freud, que se contrapõe aos contratualistas, é a razão de nossa infelicidade, e não nossa redenção:
Em vias de nos ocuparmos dessa possibilidade, topamos com uma asserção que é tão espantosa que queremos nos deter nela. Segundo tal asserção, uma grande parte da culpa pela nossa miséria é de nossa chamada cultura; seríamos muito mais felizes se desistíssemos dela e retornássemos às condições primitivas. Eu a chamo de espantosa porque – seja como for que se defina o conceito de cultura – é certo que pertence justamente a essa mesma cultura tudo aquilo com que tentamos nos proteger da ameaça oriunda das fontes de sofrimento[15].
Freud contrariou Rousseau, impugnando a vida simples e as metáforas do bom selvagem:
Como foi que tantos seres humanos chegaram a esse ponto de vista de surpreendente hostilidade à cultura? Penso que um descontentamento profundo e prolongado com o respectivo estado de cultura preparou o solo sobre o qual, em certas ocasiões históricas, surgiu uma condenação. Acredito reconhecer a última e a penúltima dessas ocasiões; não sou erudito o bastante para seguir toda a série delas ao longo da história da espécie humana. Semelhante fator de hostilidade à cultura já deve ter tomado parte na vitória do cristianismo sobre as religiões pagãs. Tal fator, pelo menos, estava muito próximo da depreciação da vida terrena consumada pela doutrina cristã. A penúltima ocasião se apresentou quando o avanço das viagens de descobrimento permitiu o contato com povos e tribos primitivos. A partir de uma observação insuficiente e de uma compreensão equivocada de seus usos e costumes, os europeus julgaram que eles levavam uma vida feliz, simples, com poucas necessidades, algo intangível para os visitantes culturalmente superiores[16].
Desilusão racional
Nossa neurose, segundo Freud, é o resultado direto da insuportabilidade da frustração que a vida em sociedade nos impõe:
Descobriu-se que o ser humano se torna neurótico porque não é capaz de suportar o grau de frustração que a sociedade lhe impõe a serviço dos ideais culturais, e disso se concluiu que suprimir ou reduzir consideravelmente essas exigências significaria um retorno a possibilidade de ser feliz[17].
Muito nítida em o Mal-Estar na Cultura é a desilusão que a racionalidade nos coloca, assunto que será retomado pelos teóricos da Escola de Frankfurt, a exemplo de Horkheimer, Adorno, Walter Benjamin e Erich Fromm (ele mesmo um freudiano). Assim,
Soma-se a isso ainda um fator de desilusão. Ao longo das últimas gerações, os homens fizeram progressos extraordinários nas ciências naturais e nas suas aplicações técnicas, consolidando o domínio sobre a natureza de uma maneira impensável no passado. Os detalhes desses progressos são de conhecimento geral, e não é necessário enumerá-los. Os seres humanos têm orgulho dessas conquistas e têm direito a tanto. Mas eles acreditam ter percebido que essa recém-adquirida disposição sobre o espaço e o tempo, essa sujeição das forças naturais, a realização de um anseio milenar, não eleva o grau de satisfação prazerosa que esperam da vida, que essa disposição sobre o espaço e o tempo não os tornou, segundo suas impressões, mais felizes. Dessa constatação deveríamos nos contentar em extrair a conclusão de que o poder sobre a natureza não é a única meta dos esforços culturais, sem derivar disso que os progressos técnicos não possuem valor para a economia de nossa felicidade[18].
Para Freud a apreensão do que seja propriamente cultura é difícil, embora necessária para que possamos compreender como as regras jurídicas foram postas num compromisso pragmático de comunidade:
O último traço de uma cultura que temos de considerar, decerto o não menos importante, é o modo como são regulamentadas as relações dos seres humanos entre si, as relações sociais que dizem respeito ao ser humano na condição de vizinho, de ajudante, de objeto sexual de outro, de membro de uma família, de um Estado. Neste ponto é particularmente difícil livrar-se de determinadas exigências ideais e apreender o que é propriamente cultural[19].
Ao contrário da percepção convencional, de que a associação humana visaria ao bem comum, Freud contrapunha a imagem de que a comunidade era força coletiva que subjugava força individual:
Comecemos com a explicação, talvez, de que o elemento cultural esteja dado coma primeira tentativa de regulamentar essas relações sociais. Se não ocorresse tal tentativa, essas relações ficariam submetidas ao arbítrio do indivíduo, quer dizer, aquele que fosse mais forte fisicamente as decidiria de acordo com seus interesses e impulsos. E nada mudaria nisso se o mais forte encontrasse outro mais forte do que ele. A convivência humana só se torna possível quando se reúne uma maioria que é mais forte do que cada indivíduo e que permanece unidade contra cada um deles[20].
O Direito seria, assim, mecanismo pelo qual força coletiva se imporia definitivamente sobre uma força bruta individualizada:
Na condição de ‘direito’, o poder dessa comunidade se opõe então ao poder do indivíduo, condenado como ‘força bruta’. A substituição do poder do indivíduo pelo poder da comunidade é o passo cultural decisivo. Sua essência consiste no fato de que os membros da comunidade se restringem em suas possibilidades de satisfação, enquanto o indivíduo não conhecia tais restrições[21].
Justiça social
O conceito de justiça seria, por conseguinte, menos uma miragem metafísica e mais uma concepção social garantidora, no sentido de que a força da coletividade que venceu a força bruta individual seja respeitada:
A exigência cultural seguinte, portanto, é a da justiça, isto é, a garantia de que o ordenamento jurídico estabelecido não venha a ser quebrado em favor de um indivíduo. Com isso, não se decide acerca do valor ético de semelhante direito. O desenvolvimento cultural posterior parece tender no sentido de que esse direito não seja mais a expressão da vontade de uma comunidade restrita- casta, camada da população, grupo étnico – que se comporta em relação a outras massas, talvez mais amplas, de modo semelhante a um indivíduo violento[22].
Em troca de suposta proteção comunitária em face da força bruta individualizada é que renunciamos a nossos impulsos. O preço que pagamos para que possamos enfrentar a força bruta de um só é a renúncia de tudo que nos revela como humanos, em nossa maior e mais abrange plenitude, isto é, não civilizada:
O resultado final deve ser um direito pra o qual todos- pelo menos todos os que são capazes de tomar parte numa comunidade- tenham contribuído com o sacrifício de seus impulsos, e que não permita que ninguém- mais uma vez com a mesma exceção – se torne vítima da força bruta[23].
Para Freud, no entanto, a renúncia poderia trazer algum ganho, se tomada numa antropologia positiva:
A sublimação dos impulsos é um traço especialmente destacado do desenvolvimento cultural; ela possibilita que atividades psíquicas superiores- científicas, artísticas e ideológicas- representem um papel tão significativo na vida cultural. Quando se cede à primeira impressão, fica-se tentado a afirmar que a sublimação é, antes de tudo, um destino imposto aos destinos da cultura[24].
O pai da psicanálise afirmou que umas das principais tendências da cultura é aglomerar os seres humanos em grandes unidades[25]. Este forçado modo de vida exige referenciais de comportamento, seja:
Através de tabus, leis, costumes, são estabelecidas outras limitações que atingem tanto os homens quanto as mulheres. Nem todas as culturas vão tão longe quanto a isso; a estrutura econômica da sociedade influencia também a medida da liberdade sexual restante[26].
De onde, num outro passo, a monogamia, exigência que também restringiria a atividade pulsional, temas dos mais relevantes e polêmicos no conjunto do pensamento freudiano:
A escolha sexual do indivíduo sexualmente maduro é limitada ao sexo oposto, e a maioria das satisfações extragenitais é proibida como perversão. A exigência expressa nessas proibições, a de uma vida sexual idêntica para todos, desconsidera as desigualdades na constituição sexual inata e adquirida dos seres humanos, priva um número considerável deles do gozo sexual e se torne fonte de grave injustiça[27].
Porém, ainda para quem sustente igualdade de opções, haveria desigualdade inata, decorrente da monogamia, imposta, e não optada:
Mas aquilo que não é banido, o amor genital heterossexual, continua sendo afetado através das limitações representadas pela legalidade e pela monogamia. A cultura atual deixa claro que apenas permitirá relações sexuais sobre a base de um compromisso único, indissolúvel, entre um homem e uma mulher, que não aprecia a sexualidade como fonte independente de prazer e que apenas está disposta a tolerá-la como fonte até agora insubstituível para a reprodução da espécie[28].
A vida real, todavia, resistiu a esta imposição cultural, ainda que o tenha feito por meio da potencialização de nossas angústias:
Somente os fracotes se submeteram a um roubo tão considerável de sua liberdade sexual; naturezas mais fortes o fizeram apenas sob uma condição compensatória (...) A sociedade aculturada se obrigou a aceitar em silêncio muitas transgressões que, de acordo com suas regras, deveria ter perseguido (...) A vida sexual do homem aculturado está seriamente afetada: às vezes, dá a impressão d ser uma função que se encontra em processo involutivo, tal como parecem estar dentes e cabelos na condição de órgãos[29].
O leitmotiv da fortíssima tese freudiana sobre o contrato social seguiria a ideia de que a liberdade seria maior numa fase pré-cultural. A cultura, assim, sob um prisma absolutamente pulsional, não seria aperfeiçoamento nem passo que leva a perfeição. O convívio com exagerado número de membros na coletividade nos aponta para uma impossibilidade de satisfação de nossos desejos, o que gera uma psicopatologia que se alimenta na própria seiva. E porque a maioria é mais forte do que o indivíduo, cedemos, recorrentemente. O preço de nossa sobrevivência é calculado na exata proporção da negação de nossa existência.
O custo da aceitação é a renúncia absoluta de nossa condição original. O índice de abovinamento da existência é a impressão digital que toca nas grandes oportunidades da vida social. O necessário amesquinhamento das pulsões é a chave interpretativa dos porquês de nossas frustrações.
Perdemos a guerra imaginária que nosso inconsciente trava contra a cultura. O pacto social se mostra como um contrato de adesão. As cláusulas que pactuamos são nossas amarras. Revelam a fragilidade de nossa vontade, o vício de nossa alternativa e o erro das nossas opções.

Bibliografia:
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— Cohen, David, A Fuga de Freud, Rio de Janeiro: Record, 2010.
— Cudworth, Erika et alli, The Modern State – Theories and Ideologies, Edinburgh: Edinburgh University Press, 2007.
— Freud, Sigmund, O Mal-Estar na Cultura, Porto Alegre: L&PM, 2010. Tradução de Renato Zwick.
— Godoy, Arnaldo Sampaio de Moraes, O Pós-Modernismo Jurídico, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2006.
— Miller, David (ed.), The Blackwell Encyclopedia of Political Thought, Malden: Blackwell, 2004.
— Pateman, Carole, The Sexual Contract, Stanford: Stanford California Press, 1988.
— Pierson, Cristopher, The Modern State, London: Routledge, 1996.
— Quinodoz, Jean-Michel, Ler Freud, Porto Alegre: Artmed, 2007. Tradução de Fátima Murad.
— Rieff, Philip, Freud: The Mind of Moralist, Chicago: The University of Chicago Press, 2000.
— Roazen, Paul, Freud – Political and Social Thought, New Brunswick, 1999.


[2] Cf. Miller, David (ed.), The Blackwell Encyclopedia of Political Thought, Malden: Blackwell, 2004, p. 478.
[3] Cf. Godoy, Arnaldo Sampaio de Moraes, O Pós-Modernismo Jurídico, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2006.
[4] Cf. Pateman, Carole, The Sexual Contract, Stanford: Stanford California Press, 1988.[5] Cf. Cudworth, Erika et alli, The Modern State – Theories and Ideologies, Edinburgh: Edinburgh University Press, 2007, p. 224.[6] Cf. Pierson, Cristopher, The Modern State, London: Routledge, 1996.[7] Cf. Quinodoz, Jean-Michel, Ler Freud, Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 259. Tradução de Fátima Murad.[8] Cf. Roazen, Paul, Freud – Political and Social Thought, New Brunswick, 1999.[9] Cf. Rieff, Philip, Freud: The Mind of Moralist, Chicago: The University of Chicago Press, 2000.[10] Cf. Cassirer, Ernest, The Mith of the State, New Haven: Yale University Press, 1974.[11] Cf. Cohen, David, A Fuga de Freud, Rio de Janeiro: Record, 2010.[12] Freud, Sigmund, O Mal-Estar na Cultura, Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 56. Tradução de Renato Zwick.[13] Freud, Sigmund, cit., p. 80.[14] Freud, Sigmund, cit., p. 81.[15] Freud, Sigmund, cit., loc. cit.[16] Freud, Sigmund, cit., p. 82.[17] Freud, Sigmund, cit., p. 83.[18] Freud, Sigmund, cit., p. 84.[19] Freud, Sigmund, cit., p. 97.[20] Freud, Sigmund, cit., p. 98.[21] Freud, Sigmund, cit., loc. cit.[22] Freud, Sigmund, cit., loc. cit.[23] Freud, Sigmund, cit., loc. cit.[24] Freud, Sigmund, cit., p. 101.[25] Freud, Sigmund, cit., p. 110.[26] Freud, Sigmund, cit., p. 112.[27] Freud, Sigmund, cit., p. 113.[28] Freud, Sigmund, cit., p. 114.[29] Freud, Sigmund, cit., loc.cit.

by Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, consultor-geral da União, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP.

Fonte: COnJur