domingo, 15 de abril de 2012

Julgamento final da ADPF 54 sobre anencefalia - Dr. Luís Roberto Barroso

O Supremo Tribunal Federal decidiu, por 8 votos a 2, na última 5a feira, dia 12 de abril, ser legítima a interrupção da gestação de fetos anencefálicos, se esta for a vontade da mulher. Os votos acolheram diferentes argumentos apresentados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, representada por mim: não se trata de aborto ou, ainda que fosse, estaria fora da incidência do Código Penal, dentre outras razões, por força do princípio da dignidade da pessoa humana. Em memorial distribuído na véspera, e na sustentação oral, acrescentei o argumento da autonomia reprodutiva da mulher. Presentes determinadas circunstâncias, o Estado não tem o direito de obrigar a mulher a levar a gestação a termo. O processo foi conduzido com o apoio e consultoria da ANIS – Instituto de Bioética, Gênero e Direitos Humanos e, particularmente, da Professora Debora Diniz. A sustentação está postada no You Tube. Clique abaixo se tiver interesse em vê-la.


ADPF 54 – Sustentação oral – Luís Roberto Barroso




Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=585. Acesso em: 15 abril. 2012.

'Obrigar gestação de anencéfalo é torturar a mulher'

Autor da ação que defende o aborto nesse caso, advogado afirma que situação impõe sofrimento inútil e evitável.

Passados mais de sete anos desde que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), a ação que defende o aborto de fetos anencefálicos será julgada nesta quarta-feira. A tendência do tribunal, conforme ministros, é liberar a interrupção da gravidez.
Autor da ação, o advogado Luís Roberto Barroso afirma, em entrevista ao Estado, que o julgamento desta semana não é uma etapa para a liberação do aborto. E critica aqueles que afirmam ser a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia um primeiro passo para a eugenia.
"Equiparar a antecipação de parto no caso de feto anencefálico com a eugenia é um abuso verbal, quase um uso imoral da retórica", disse.
A ação foi protocolada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) em 2004. Naquele mesmo ano, o relator do processo, ministro Marco Aurélio, deu uma decisão provisória (liminar) para a liberação do procedimento médico de interromper a gravidez nesses casos. Três meses depois, a liminar foi cassada. Em 2008, o STF convocou uma audiência pública para ouvir médicos, cientistas e organizações religiosas sobre o assunto (mais informações nesta página).
A seguir, os principais trechos da entrevista concedido ao Estado:
Que argumento o senhor usará para tentar convencer os ministros do STF?
Nós temos três teses principais. A primeira delas é de que essa hipótese não é de aborto. O aborto pressupõe a potencialidade de vida do feto. Como o feto anencefálico não tem potencialidade de vida extrauterina, nossa tese é que esse fato é atípico. Ele não é colhido pela definição de aborto do Código Penal. Por essa razão, a mulher deveria ser automaticamente autorizada a interromper a gestação.

A vida do feto, neste caso, não deveria ser protegida?
No Direito brasileiro não há uma definição do momento do início da vida, mas há uma definição do momento da morte, que é a morte encefálica, prevista na lei de transplante de órgãos. No caso do feto anencefálico, ele não chega sequer a ter início de vida encefálica. Por isso sustentamos que, por não haver vida, não há aborto.
E se o STF discordar dessa tese e disser que a vida intrauterina deve ser protegida?
Ainda que se considerasse essa hipótese como sendo de aborto, ela deveria cair nas exceções do Código Penal. O Código prevê duas exceções nas quais não se pune o aborto: em caso de necessidade para salvar a vida da mãe e em caso de estupro. Nessas duas exceções, o feto tem potencialidade de vida. Mas o legislador, ponderando a vida do feto com a vida da mãe ou com a violência física e moral sofrida pela mãe permite a interrupção da gestação. O caso da anencefalia é menos do que os casos de estupro e de aborto para salvar a vida da mãe, porque não há potencialidade de vida.
O Código Penal não prevê essa exceção. Por quê?
Essa exceção não foi prevista expressamente porque em 1940, quando o Código Penal foi elaborado, não havia meios tecnológicos de diagnosticar a anencefalia.

Qual é a terceira tese?
Ainda que se considere aborto, nessa hipótese as normas do Código Penal que criminalizam o aborto são excepcionadas pela aplicação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Esse princípio paralisaria a incidência dessas normas do Código Penal.
Por que a gravidez de feto anencefálico violaria a dignidade? Obrigar uma mulher que faz o diagnóstico (de anencefalia do feto) no terceiro mês de gestação a levá-la até o nono mês significa impor a ela seis meses de um sofrimento inútil. Essa mulher vai passar por todas as transformações físicas e psicológicas pelas quais passa uma mulher que está grávida se preparando para ter seu filho. Mas, nesse caso, a mulher estará se preparando para o filho que não vai chegar. Isso é equiparado à tortura. Impõe à mulher um sofrimento físico e psicológico inútil e evitável.


Leia na íntegra aqui.

Com Ayres Britto, STF deve ficar mais “liberal”

A troca de comando pode mudar o perfil da mais alta Corte do país e também interferir no julgamento do caso do mensalão.

A troca de comando no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que ocorrerá nesta quinta-feira, pode mudar o perfil da mais alta Corte do país e também interferir no julgamento do caso do mensalão. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que a gestão do ministro Carlos Ayres Britto, que vai substituir Cezar Peluso na presidência das duas instituições, pode significar uma postura um pouco mais liberal se comparada com a do atual presidente, vista como conservadora.
Em dois recentes e rumorosos julgamentos no Supremo – envolvendo a Ficha Limpa e os poderes de investigação do CNJ – Peluso e Ayres Britto divergiram. Peluso votou contra a Ficha Limpa e contra a possibilidade de o CNJ investigar magistrados antes que o tribunal de origem se manifeste a respeito do caso. Já Ayres Britto proferiu voto favorável nos dois processos.
Transparência
Para Marco Antônio Villa, sociólogo e professor de História da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a presença de Ayres Britto na presidência do CNJ e do STF será muito positiva e “deve oxigenar o funcionamento principalmente do CNJ, dando mais celeridade e transparência”, afirmou. O historiador diz que a sociedade espera resultados e que a gestão do futuro presidente do Supremo deve ser um pouco mais alinhada com as demandas da população. “A sociedade precisa de uma ação enérgica do CNJ. O Peluso é mais corporativista e conservador, até porque veio do Tribunal de Justiça de São Paulo. E o Ayres Britto veio da advocacia”, compara Villa.
A perspectiva de que o novo chefe do Poder Judiciário do país tenha maior sintonia com as demandas da sociedade também foi destacada pelo vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Alberto de Paula Machado. Segundo ele, é grande a expectativa de que Ayres Britto tenha um diálogo mais aberto do que o Peluso com outros operadores do direto, como o Ministério Público e os advogados.
De forma semelhante, o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), que foi colega de mestrado do ministro Ayres Britto, vê a mudança no STF e no CNJ como “avanço no sentido dos dois órgãos serem menos corporativistas”.
De outro lado, há quem considere que a mudança na presidência do STF e do CNJ não deve trazer mudanças significativas no perfil dessas instituições. Essa é a opinião do cientista político Octaciano Nogueira, professor da Universidade de Brasília (UnB). “O Judiciário é um poder cada vez mais estático porque os ministros estão sujeitos a uma Constituição conservadora”, afirma.
Todos os especialistas ouvidos pela reportagem se mostraram preocupados com a possibilidade de a aposentadoria de Peluso postergar o julgamento do mensalão para 2013, já que a escolha de um novo ministro depende da presidente Dilma Rousseff e da sabatina no Senado. O STF discute proposta levantada internamente para que seja suspenso o recesso de julho e haja uma convocação exclusiva para os ministros julgarem o processo do mensalão.


Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?tl=1&id=1244372&tit=Com-Ayres-Britto-STF-deve-ficar-mais-liberal. Acesso em: 14 abr. 2012.



O ministro do Supremo que virou a página

Eros Grau,ministro aposentado do STF.

A vida do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Eros Grau, se divide entre as cidades de São Paulo, Tiradentes e Paris. Mas foi Paris que inspirou o jurista a escrever o livro Paris-Quartier Saint-Germain-des-Près, que fala sobre o bairro parisiense onde ele reside e onde ele diz se sentir completamente em casa. Eros Grau começou a escrever essa obra antes da aposentadoria “para fugir da aspereza da escrita jurídica”, como ele contou a estudantes de Direito e Jornalismo durante uma palestra no auditório da Unibrasil, no último dia 20, em Curitiba. Ele desafiou a plateia a “escrever simples” e evitar as “baladas de adjetivos que não dizem nada”.
Eros é doutor, livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e foi professor visitante da Faculdade de Direito da Université de Montpellier e da Faculdade de Direito da Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). O ex-ministro do STF conversou com exclusividade com a reportagem da Gazeta do Povo. Falou das coisas de que mais gosta de fazer na atual fase da sua vida e se esquivou ao máximo de conversar sobre seu antigo trabalho. Confira os principais trechos da entrevista.

O senhor descreve o seu novo livro, Paris-Quartier Saint-Germain-des-Près, como “solto, de quem está flanando por Paris”. O sr. poderia contar a nós um pouco mais sobre a sua obra?
É isso mesmo, é um livro de quem está flanando por Paris. Eu comecei a escrever no tempo em que eu ainda trabalhava no tribunal e escrevia uma prosa cerrada, dura, em que eu tentava afirmar coisas, provar coisas. Eu já tinha praticado a literatura e me deu uma vontade imensa de escrever solto. Ao mesmo tempo, sempre me fez muito bem viver neste bairro em Paris. Eu sempre estive convencido de que Paris não é uma cidade, mas um aglomerado de pequenas vilas, pequenas cidadezinhas, onde todo mundo sabe da vida de todo mundo – é o chamado aconchego. Comecei a escrever, foi uma coisa que surgiu naturalmente, falar das pessoas, daquele que não é turista, que vive lá, da história, dos lugares. Então foi uma coisa completamente solta.
Com que frequência o senhor vai a Paris?
Hoje, depois que eu me aposentei, eu vou todo mês. Na época do tribunal, eu ia todas as férias. Ficava lá metade de dezembro, janeiro inteiro e julho inteiro. É a minha cidade favorita. Antes de ir para o tribunal eu dei aula em Paris, como professor visitante.
Como a atividade de professor influenciou o trabalho como ministro?
Eu imagino que me escolheram para ir para o tribunal também pelo fato de ser professor. Acho que isso foi determinante para que eu fosse indicado.
E, depois, como a vivência como ministro influenciou o professor?
Depois que eu fui para o tribunal e fiquei lá, não como ministro, mas como juiz, eu reduzi muito a atividade como professor. Quando assumi como juiz, fiquei licenciado na USP. Eu diria que não houve uma influência do exercício da função de ministro sobre a atividade de professor. Lógico que foi uma experiência muito grande e que, de certa forma, hoje – quando eu falo sobre Direito, quando me convidam para dar uma palestra –, eu acabei incorporando à minha experiência de vida tudo que eu vivi no tribunal.
O senhor acha que a visibilidade que o STF tem hoje, tem tornado o tribunal cada vez mais palco de grandes decisões do Brasil?
Eu acho que tem e isso é muito mal.
Por quê?
Porque o ato de julgar é um ato de uma seriedade muito grande, faz parte da intimidade de quem decide. E em nenhum lugar do mundo isso é devassado. Uma coisa é a decisão ser pública e outra coisa é a decisão ser devassada.
O senhor fala da tevê?
De tudo, basicamente. A decisão judicial não pode ser transformada em um espetáculo público, em um espetáculo midiático, as instituições devem ser respeitadas e devem se dar ao respeito.
Como é que o senhor fazia para se dar ao respeito?
Eu simplesmente ignorava aquele negócio lá. Para mim aquilo não existia. Como eu já disse isso em um livro, eu posso dizer agora: aquilo só vai acabar no dia em que alguém levar um tiro.
Um ministro?
Um ministro. Porque amanhã ou depois um juiz toma decisões que interferem na sua vida, você é meio doidão, marca a cara do sujeito e quando ele passar na rua você dá um tiro.
O senhor foi o relator da ADPF 153 (ação movida pela OAB que pedia revisão na Lei da Anistia) e se posicionou contra, mesmo tendo sido uma das vítimas da Ditadura. O assunto voltou à tona com o processo contra o major Curió e um novo questionamento da OAB no STF. O senhor acha que o STF vai manter o mesmo posicionamento?
Eu não tenho bola de cristal, só tendo uma bola de cristal...
A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem pressionado o Brasil para que esse tipo de crime seja julgado. O senhor acha que o STF pode mudar de opinião?
[10 segundo de silêncio]Você seria capaz de botar entre aspas o que eu vou dizer?
Sim, estou gravando e eu vou tomar nota...
Eu fico apavorado com a possibilidade de o Poder Judiciário sofrer pressão e decidir sob pressão. Se um dia um juiz decidir sob pressão, tudo estará perdido.
Isso tanto para o caso da ADPF, quanto no caso do Major Curió?
Isso é o que eu te respondi. Se um dia um juiz decidir sob pressão, fuja imediatamente para outro país, você não vai ter segurança de mais nada.
Sobre o caso do ICMBio e das medidas provisórias, em que o Supremo voltou atrás na decisão...
Ah! Não li. Juro! Eu desliguei completamente. Vou te contar uma história verdadeira. Deu esse negócio das medidas provisórias e encontrei um amigo que eu não via há muito tempo e ele falou: “rapaz, esse tribunal em que você trabalhou, que confusão que está!”. Eu falei: “João, não era eu. O cara era um homônimo meu, tinha um nome que nem o meu, mas não era eu.” Ou seja, eu desliguei, virei a página. Não quero, acabou. É como uma namorada, se ela vai embora, acabou.
O senhor é assim com todos os projetos em sua vida?
Acabou, acabou. Eu não vivo do passado.
Então a minha pauta com relação ao STF...
Acabou, esgotou.
O senhor também não chegou a acompanhar a questão do CNJ estar querendo investigar mais detalhadamente os magistrados?
Ah! Eu não vejo isso. Eu prefiro ver... sabe que leio umas coisas do Maurício de Souza que é meu colega lá na Academia Paulista de Letras. Grande sujeito! Sério mesmo.
Mas o senhor não tem nem curiosidade?
Prefiro umas histórias melhores que essa do CNJ [risos].
E quando esses jornalistas chatos ficam perguntando sobre o STF, o que o senhor pensa?
Eu procuro ser gentil, desviar­ a conversa, falo dos meus amigos [risos]. Jamais seria­ indelicado.
Como é a sua relação com o Direito hoje?
Eu voltei a trabalhar com o Direito, eu dou parecer, trabalho em um ou outro caso, ativamente.
O senhor voltou à USP?
Não, porque eu me aposentei. Eu fiz 60 anos [risos]...Mas estou em plena atividade, escrevendo, fazendo literatura e dando parecer.
O que o senhor prefere fazer hoje?
Eu adoro fazer uma porção de coisas: cozinha, viajar, dar parecer, escrever. Adoro fazer coisas, estou mostrando para mim que eu estou vivo. E uma das coisas que gosto de fazer também é o que esses dois moços aí estão fazendo [aponta para os fotógrafos].
O senhor cozinha bem?
Dizem que sim...
O senhor já está pensando em outros projetos de livro?
Tenho umas duas ou três ideias, mas estou decidindo ainda o que vai ser. Talvez alguma coisa sobre alguns personagens de Paris...



Lei de Segurança Nacional em xeque

Do tempo da Ditadura, LSN tem constitucionalidade questionável. Comissão que elabora proposta do novo Código Penal já pediu sua revogação.
A comissão que discute a proposta de um novo Código Penal pediu, no último dia 30, a revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/83). Pela proposta, ela seria substituída pela inclusão do crime de terrorismo no novo código. O pedido da comissão vai justamente ao encontro do que defendem alguns juristas. De acordo com parte da doutrina, a LSN poderia ser interpretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da mesma forma que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), em 2009. Ou seja: não teria havido a sua recepção pela Constituição Federal de 1988.
Em 2008, o presidente Lula solicitou aos ministros que a Lei de Segurança Nacional fosse revisada até 2010. Um grupo de trabalho foi criado na Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Creden), que funciona no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do Itamaraty. Questionada sobre o andamento dos trabalhos, a assessoria do GSI limitou-se a dizer que o assunto permanece na pauta da Creden.
O especialista em Direito Penal Adel El Tasse considera que a LSN está num “limite delicado”, entre o que colocaria em risco o Estado brasileiro e o que é liberdade de expressão do pensamento. A existência de crimes como a incitação à subversão da ordem política ou social, previsto no artigo 23 da Lei, ou mesmo a tentativa de desmembrar parte do território nacional para constituir um país independente, definido pelo artigo 11, estariam, na opinião de El Tasse, cerceando a liberdade de expressão. Para ele, com a tipificação da LSN, o fato de alguém manifestar opinião contrária à ordem vigente no país poderia ser interpretado como tentativa de cometer atos ilícitos e já se configurar como crime. El Tasse considera que a LSN poderia ser completamente revogada, e que leis, como Código Penal, seriam suficientes.
O jurista René Ariel Dotti tem um ponto de vista diferente e diz que “o Código Penal cuida de crimes comuns em tempos de paz, não em tempos de conflito. Não é um conjunto de leis para a proteção efetiva do Estado em casos de crimes políticos.”
Já o doutor em Direito Penal Luiz Flávio Gomes relembra que a LSN foi criada em uma época em que ainda havia “um ranço militar muito forte”. Ele avalia que há “vários dispositivos exagerados que são inconstitucionais” e que as penas são muito altas. O ato preparatório de tentar desmembrar o território nacional, por exemplo, tem pena de quatro a doze anos. Por outro lado, Gomes ressalta que “todo país conta com ordenamento jurídico de proteção do Estado Democrático de Direito”. Gomes sustenta que não é viável uma revogação completa, mas seria necessária uma revisão da Lei de Segurança Nacional.

Regulamentação
Com o entendimento pela não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal, em 2009, o direito de resposta ficou sem uma lei específica que definisse a sua aplicação. Durante a votação do STF que analisou a Lei de Imprensa, o ministro Celso de Mello afirmou que o direito de resposta estaria garantido pela Constituição (artigo 5º, V). Mas, na mesma ocasião, o ministro Gilmar Mendes rebateu dizendo que, ainda que com status constitucional, o direito de resposta “necessita no plano infraconstitucional de normas de organização e procedimento para tornar possível o seu efetivo exercício”. Até agora não foi criada nenhuma nova legislação sobre o assunto.
Segundo El Tasse, num caso de revogação da LSN ou do entendimento pela sua não recepção, não haveria grandes problemas neste sentido. Não faltaria regulamentação de dispositivos constitucionais porque a Lei deixou de ser aplicada. O Código Penal daria conta de punir ataques ao Estado ou a qualquer cidadão, de acordo com o advogado. “Crimes como os de apologia ao crime, incitação ao crime, homicídio e dano ao patrimônio público são suficientes”, diz o jurista.

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STF libera interrupção de gravidez

Por decisão do Supremo Tri­bunal Federal (STF), mulheres que decidem abortar fetos anencefálicos e médicos que provocam a interrupção da gravidez não cometem crime A maioria dos ministros entendeu que um feto com anencefalia é natimorto e, portanto, a interrupção da gravidez nesses casos não é comparada ao aborto, considerado crime pelo Código Penal. A discussão iniciada há oito anos no STF foi encerrada em dois dias de julgamento.
A decisão livra as gestantes que esperam fetos com anencefalia – ausência de partes do cérebro (veja o info) – de buscarem autorização da Justiça para antecipar os partos. Algumas dessas liminares demoravam meses para serem obtidas. E, em alguns casos, a mulher não conseguia autorização e acabava, à revelia, levando a gestação até o fim. Agora, diagnosticada a anencefalia, ela poderá se dirigir diretamente a seus médicos para a realização do procedimento.
O Código Penal, em vigor desde 1940, prevê apenas dois casos para autorização de aborto legal: quando coloca em risco a saúde da mãe e em caso de gravidez resultante de estupro. Qualquer mudança dessa lei precisa ser aprovada pelo Congresso. Por 8 votos a 2, o STF julgou que o feto anencefálico não tem vida e, portanto, não é possível acusar a mulher do crime de aborto. “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível”, afirmou o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello.

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sábado, 7 de abril de 2012

Brasil corre risco de sofrer punição da OEA

Os debates sobre julgamentos de crimes cometidos durante a ditadura trazem repercussão em âmbito internacional. Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, integrante da OEA (Organização dos Estados Americanos), chegou a condenar o Brasil por não punir os crimes cometidos pelo regime militar. E caso o país não dê atenção às diretrizes da Corte, a professora de direitos humanos Flávia Piovesan diz acreditar que é possível que o Brasil possa vir a ser suspenso e até expulso da OEA. “A imagem [do país] ficaria totalmente comprometida no âmbito internacional.”
Na semana passada­ também, a Comissão Interame­ricana de Direitos Humanos divulgou que abriu um novo processo para investigar o Brasil pela não punição do assassinato do jornalista Vladimir Herzog – o crime ocorreu em 1975.
Professora dos programas de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e do Paraná (PUCPR), Flávia explica que, em dezembro 1998, o Brasil reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana e deve agir de acordo com a sua jurisprudência.
Flávia argumenta, ainda, que o Supremo Tribunal Federal considerou em 2008 que os tratados internacionais têm hierarquia supralegal, mas infraconstitucional. “As leis devem ser interpretadas à luz dos tratados de direitos humanos e da jurisprudência internacional”, diz a jurista, que também é procuradora do estado de São Paulo.
A Organização Nações Unidas também já se pronunciou a favor do julgamento do Major Curió, assim como de outros militares, acusados de cometer crimes durante a ditadura. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo sobre o caso, a alta comissária adjunta das Nações Unidas para Direitos Humanos, Kyung-wha Kang, disse que a Organização considera que “não há anistia para um crime que continua no tempo. Portanto, ele pode e deve ser investigado”.

América Latina
Países como Argentina e Uruguai modificaram suas leis de anistia e condenaram pessoas que cometeram crimes durante a ditadura. Em novembro do ano passado, mesmo mês em que a presidente Dilma aprovou a Comissão da Verdade, a Justiça argentina condenou mais 16 pessoas, entre elas, o famoso Anjo Loiro da Morte, Alfredo Astiz.


Anistia questionada, de novo

Embargos de declaração da OAB na ADPF 153 e recurso em sentido estrito do MPF trazem discussão à tona novamente.

A discussão sobre o julgamento de crimes cometidos durante a ditadura militar voltou à cena no último mês depois da apresentação de uma denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) e após a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) opor embargos de declaração à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que rejeitou a revisão da Lei da Anistia, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153.
No último dia 29, o STF analisaria o pedido da OAB, mas, por falta de tempo para apreciação, segundo o tribunal, a questão foi retirada da pauta. O adiamento do julgamento, ainda sem nova data definida, ocorreu no mesmo dia em que o Clube Militar, no Rio de Janeiro, promoveu um evento em comemoração aos 48 anos do golpe de 64. A festa acabou em tumulto. Também no mesmo dia, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos resolveu abrir oficialmente processo para investigar o Brasil pela não punição do assassinato sob tortura do jornalista Vladimir Herzog. O crime ocorreu em 1975.

Curió
A denúncia do MPF contra Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, à Justiça Federal do Pará, por atos criminosos durante a Guerrilha do Araguaia foi rejeitada. Os argumentos foram a própria Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) e uma decisão do STF que reconhece a validade integral da norma. Contudo, justamente inspirados em interpretações do próprio STF em outros casos, os procuradores do MPF pretendem insistir no processo.
Na tese defendia pelo MPF, o crime de sequestro, do qual o major Curió é acusado, é um crime permanente, que ainda não teve cessação, já que os corpos das vítimas não foram encontrados. Após a denúncia ter sido recusada pelo juiz João Cesar Otoni de Matos, os procuradores interpuseram um recurso em sentido estrito ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília – até o fechamento desta edição, o recurso ainda não havia sido julgado.
“O STF extraditou militares que haviam cometido crimes de sequestro em contexto muito similar, na década de 1970, 1980. O Supremo aceitou que não haveria a prescrição em razão de o crime ser permanente”, explica Ivan Cláudio Marx, um dos procuradores do MPF que apresentou a denúncia. Ele se refere à extradição 974/2009, do major uruguaio Manuel Juan Cordero Piacentini, e à extradição 1150/2010, do major argentino Norberto Raúl Tozzo, ambas para a Argentina.
O juiz João Cesar Otoni de Matos, contudo, destacou no texto da sua decisão que a ação apresentada pelos promotores deu “outra roupagem aos fatos” e argumentou que “já se sabe com razoável segurança que essas pessoas foram mortas”. Como os crimes de homicídio teriam ocorrido há cerca de 30 anos, já estariam prescritos.
Para o professor de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Tiago Bottino do Amaral, ainda que Curió mereça punição, não se pode fingir que existe um sequestro só para poder puni-lo. “O que nos diferencia como Estado de Direito de uma ditadura, é que no Estado de Direito nós observamos a lei”, diz.

ADPF 153
“A visão dos procurado­res ao processar o major Curió se adequa com a visão da OAB da imprescritibilidade­ desse tipo de crime”, afirma o presidente da Ordem, Ophir Cavalcante.
Em 2010, a OAB propôs a ADPF 153 questionando a Lei da Anistia. A Ordem argumentava que a interpretação da Lei não deveria abranger perdão aos crimes cometidos pelos torturadores – como homicídio, desaparecimento forçado e estupro –, já que não se tratariam de delitos políticos, mas meramente comuns.
O STF rejeitou, na época, a revisão da Lei da Anistia. O relator do processo, o então ministro do Supremo Eros Grau, mesmo tendo sido uma das vítimas do regime ditatorial, posicionou-se contra a ADPF 153.
O voto de Grau teve parte citada, agora, na decisão do juiz do Pará. “Quando se deseja negar o acordo político que efetivamente existiu, resultam fustigados os que se manifestaram politicamente em nome dos subversivos. Inclusive [...] nestes autos encontramos a OAB de hoje contra a OAB de ontem”.
Em entrevista à Gazeta do Povo, neste mês, Eros Grau reafirmou a sua posição. “O professor Miguel Reale Júnior publicou um artigo e esclareceu que a Lei declarou todas essas pessoas mortas. Então, eles não estão mais sequestrados. Se é isso mesmo, me parece uma incongruência.”

Discussão afeta Comissão da Verdade
O trabalho de desvendar crimes cometidos durante a ditadura deveria ser estimulado pela criação da Comissão da Verdade. Mas, por enquanto, o projeto está estagnado. A Lei 12528/2011 foi aprovada pelo Congresso no passado e sancionada pela presidente Dilma Rousseff. A presidente deveria designar os sete integrantes da Comissão, mas até agora não o fez. Dicussões sobre o alcance da Lei da Anistia podem estar por trás da demora.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, considera que, por enquanto, é “simbólico” o valor da Comissão. “A Lei foi sancionada, a comissão existe. Mas, entre a realidade e o papel, há uma distância muito grande. Enquanto não for designada a comissão, a lei é ineficaz e de nada vale”.
Para Cavalcante, a manifestação contrária à Comissão, feita por militares da reserva, pode estar influenciando a demora na definição dos membros.
Já o coordenador do Curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, Thiago Bottino, diz acreditar que o maior problema “talvez não seja só a resistência dos militares, mas o cenário em que eles ainda veem muitas pessoas querendo punir”.
Na opinião de Bottino, a ameaça de receberem punição, como estão tentando fazer os procuradores do Ministério Público Federal com o Major Curió, pode fazer com que militares resistam a revelar fatos. Segundo Bottino, a plena anistia seria uma garantia que talvez os encorajasse.
De acordo com ele, o principal objetivo da Comissão tem de ser trazer à tona o que realmente aconteceu e tirar dúvidas que persistem entre familiares dos desaparecidos. Ele sustenta seu argumento no pensamento do jurista francês Antoine Garapon: “A gente tem que fazer escolha entre poder punir e poder conhecer a verdade”.

 
 

ONU critica decisão do STJ de absolver acusado de estuprar três crianças

No julgamento, o STJ entendeu que nem todos os casos de relação sexual com menores de 14 anos podem ser considerados estupro.

O Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) divulgou nota em que "deplora" a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de inocentar um homem acusado de estuprar três crianças com menos de 12 anos de idade. No julgamento, o STJ entendeu que nem todos os casos de relação sexual com menores de 14 anos podem ser considerados estupro.
Tanto o juiz que analisou o processo como o tribunal local inocentaram o réu com o argumento de que as crianças “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”.
“É impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos. A decisão do STJ abre um precedente perigoso e discrimina as vítimas com base em sua idade e gênero”, disse Amerigo Incalcaterra, representante regional do Acnudh para a América do Sul.
Na avaliação de Incalcaterra, o STJ violou tratados internacionais de proteção aos direitos da criança e da mulher, ratificados pelo Brasil. O representante pede que o Poder Judiciário priorize os interesses infantis em suas decisões.
“As diretrizes internacionais de direitos humanos estabelecem claramente que a vida sexual de uma mulher não deve ser levada em consideração em julgamentos sobre seus direitos e proteções legais, incluindo a proteção contra o estupro. Além disso, de acordo com a jurisprudência internacional, os casos de abuso sexual não devem considerar a vida sexual da vítima para determinar a existência de um ataque, pois essa interpretação constitui uma discriminação baseada em gênero”, informa a nota.
A decisão do STJ provocou críticas de diversos segmentos da sociedade, que viram no resultado do julgamento uma brecha para descriminalizar a prostituição infantil. A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, declarou à Agência Brasil que “a sentença demonstra que quem foi julgada foi a vítima, não quem está respondendo pela prática de um crime”.

Defesa
Em nota divulgada na quarta-feira (4), o STJ se defende alegando que processo abordava somente o crime de estupro, que é o sexo obtido mediante violência ou grave ameaça, o que não ocorreu. O tribunal afirma que, em nenhum momento, foi levantada a questão da exploração sexual de crianças e adolescentes. “Se houver violência ou grave ameaça, o réu deve ser punido. Se há exploração sexual, o réu deve ser punido. O STJ apenas permitiu que o acusado possa produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima”.


Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1241541&tit=ONU-critica-decisao-do-STJ-de-absolver-acusado-de-estuprar-tres-criancas. Acesso em: 05 abril. 2012.

Decisão do STJ sobre estupro infantil é exemplo de interpretação fria da lei

Homem que fez sexo com menina de 12 anos foi inocentado da acusação de violação sexual. Sentença causou repercussão negativa.

Há exatamente uma semana, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) causou rebuliço ao inocentar um homem acusado de estupro por se relacionar com uma menina de 12 anos de idade que se prostituía. Por cinco votos a três, os ministros decidiram que, se uma criança se prostitui há certo tempo, o cliente não pode ser considerado estuprador. O caso, ocorrido no estado de São Paulo, envolvia ainda outras duas adolescentes da mesma idade.
A sentença acompanhou voto da relatora do processo, ministra Maria Tereza de Assis Moura, para quem não houve violação da liberdade sexual das meninas – ela entendeu que, embora a priori, a lei classificasse como estupro qualquer relação com menor de 14 anos, nesse caso concreto, a presunção de violência foi relativizada mediante prova de que houve consentimento, interpretação amparada pela lei até 2009.
Como envolve menores de idade, o processo é sigiloso. A decisão foi publicada, em linhas gerais, no site do próprio STJ. De acordo com o que se lê no acórdão, “a prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à época dos fatos, lamentavelmente já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo”.
Após a publicação, houve protesto imediato de parla­­mentares que integram a Co­­missão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a Vio­­lência contra a Mulher. Também suscitou críticas do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que, indignada, pediu à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Ge­­ral da República que estudem meios de reverter a decisão.
Após tamanha repercussão negativa, o presidente do STJ, ministro Ari Pargendler, admitiu que o tribunal pode voltar atrás. “O tribunal está sempre aberto para rever suas posições”, disse dias depois da decisão, mas sem especificar quando isso poderá ocorrer.
As advogadas Sandra Lia Barwinski e Mayta Lobo, especialistas na defesa dos direitos da mulher, da criança e do adolescente, condenam a decisão por relativizar um direito absoluto – a proteção a quem ainda não tem capacidade de tomar decisões importantes, como manter relações sexuais. Já a advogada Priscilla Placha Sá, que também atua na defesa dos direitos humanos, afirma que a decisão está amparada na lei. Acompanhe as entrevistas com as especialistas e a repercussão com leitores da Gazeta do Povo ao lado.

“Lei não pode retroagir em prejuízo do réu”
Há fatores, envolvendo a legislação, que tornam complexa a discussão do caso. A data em que ocorreu o fato julgado pelo STJ tem grande peso na decisão, de acordo com a professora de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná Priscilla Placha Sá, que defende o posicionamento da corte.
Até 2009, havia no Código Penal, no artigo 224, a chamada “presunção de violência”, que admitia que toda relação com menores de 14 anos era violenta, independentemente de haver ou não algum tipo de agressão, já que fazer sexo com pessoas abaixo dessa faixa etária era considerado abuso.
A professora afirma que a lei, no entanto, permitia tanto interpretações no sentido de que a presunção é absoluta – o objetivo é criminalizar o ato, independemente de haver prostituição ou não – ou relativa, podendo deixar de existir caso uma prova seja apresentada. Neste caso, o consentimento foi provado pelo fato de as crianças se prostituírem há tempos.
Após 2009, a relação sexual com menores de 14 anos passou a ser considerada “estupro de vulnerável”, sem possibilidade de interpretações diferentes. A presunção hoje é absoluta. Porém, como o caso ocorreu antes da mudança e a lei não pode retroagir em prejuízo do réu, os ministros entenderam que era possível se valer do princípio da presunção relativa neste caso em particular.
Para Priscilla, o debate não deveria estar centrado apenas na culpa do acusado, mas na responsabilidade do Estado, sociedade e família, que falharam antes ao expor as crianças à situação de risco, ou nada fizeram para erradicá-la. Ela ainda defende que prender o homem não restaurará os direitos das meninas, tampouco reeducará o réu, tendo em vista “a situação deplorável e violenta das prisões no Brasil”.
“É fácil deslocar o olhar para o acusado e para a relatora da decisão. A questão é mais complexa e exige comprometimento de todos. A violação dos direitos humanos já aconteceu há muito e seria fácil colocar responsabilidade penal apenas no fim desta história”, finaliza.

Entrevista
Mayta Lobo dos Santos, vice-presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-PR.
Como avalia a decisão do STJ?
Não acreditei, fiquei indignada e envergonhada, principalmente por vir de um tribunal superior. Estamos falando de um colegiado, ou seja, essa não é uma decisão isolada, o que é muito pior. Lamentável.
Em que sentido essa decisão viola os direitos da criança, do adolescente e da mulher?
Uma menina que tem sua dignidade sexual violada aos 12 anos “por opção”, por ter escolhido “ser prostituta”, deve também ter escolhido não ter pais, parentes, professores, conselheiro tutelar e não ter ninguém da sociedade que a tenha protegido e evitado tamanha violação de direitos. Dessa forma, o STJ não reconheceu a negligência do Estado, da família nem da sociedade, e pior, não reconheceu nem o crime hediondo de estupro sofrido pelas meninas. Assim, violou brutalmente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o da proteção integral ao adolescente, constante no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Para os ministros, a presunção de violência é relativa diante da realidade concreta e há margem para essa interpretação baseada no que a lei dizia em 2009, antes de ter esse artigo revogado. Essa decisão tem respaldo legal?
De forma alguma. Vale lembrar que o ECA está em vigor desde 1990 e ele protege a criança e o adolescente de forma integral, sem relativizar. A lei que foi revogada poderia abrir brechas para isso, mas o ECA já afirmava que a criança não tem discernimento para tomar decisões sobre o seu corpo. Portanto, a lei deveria ser interpretada de acordo com o estatuto. A prova de que a presunção é absoluta é que, em 2009, o legislador classificou como estupro, sem concessão, qualquer relação com menor de 14 anos. Ou seja, ele apenas reiterou algo que já deveria ser visto como um direito absoluto. Essa discussão [se é relativo ou absoluta a presunção de violência] nem deveria existir.
Caso a decisão seja mantida, pode estimular a impunidade?
Dá sim margem à impunidade, inclusive em relação à exploração sexual infantil, pois se você parte desse raciocínio, de que com consentimento não houve estupro, então a exploração sexual de crianças e adolescentes é legal? Vamos dar margem para essa ilegalidade e descaracterizar a responsabilidade do criminoso.

Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1240480&tit=Decisao-do-STJ-sobre-estupro-infantil-e-exemplo-de-interpretacao-fria-da-lei. Acesso em: 03 abril. 2012.