quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Jurisdição Constitucional - Gilmar Ferreira Mendes

 
 
A presente obra trata do controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, introduzindo novas reflexões sobre o sistema de constitucionalidade brasileiro, tendo como leitmotiv o controle abstrato de normas e analisando os pressupostos de admissibilidade, a declaração de nulidade da lei, a eficácia erga omnes e o efeito ex tunc.


Link para Download do livro:
http://www.idp.edu.br/publicacoes/portal-de-ebooks/1439-jurisdicao-constitucional 
 
 
Fonte: Instituto Brasileiro de Direito Público (IDP)
 

 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O papel do processo na construção da democracia: para uma nova definição da democracia participativa

Resumo: A democracia está em crise, não mais nos sentimos representados, não mais o povo é invocado de maneira autêntica, ora é mero ícone, ora é apenas faceta do que deveria ser um todo. Necessário um novo pressuposto, calcado em possibilitar o máximo desenvolvimento das garantias individuais e de assegurar que o Estado cumpra suas funções constitucionalmente estabelecidas. É a participação irrestrita que caracterizará a democracia participativa, mesclando-se com o amplo acesso ao Poder Judiciário – que surge no cenário democrático como autêntico protagonista. Nessa senda, como meio de inclusão de qualquer cidadão, o processo adquire relevo em seu aspecto político (para além do jurídico), como instrumento que possibilita ao juiz avaliar os múltiplos interesses hierarquizados pela sociedade e, por fim, dar vida ao direito, concretizando, assim, o pressuposto democrático.
 
Palavras-Chave: Cidadania – Democracia – Judicialização – Participação – Processo
Sumário: 1. Introdução; 2. Pressuposto democrático: o povo; 3. Participação e democracia; 3.1. Democracia vigente; 3.2. Democracia participativa e processo como instrumentos de concretização da democracia; 4 Referências Bibliográficas.
O povo inglês pensa ser livre e engana-se. Não o é senão durante a eleição dos membros do Parlamento. Uma vez estes eleitos, torna-se escravo e nada mais é”.
Rousseau, O Contrato Social. Trad. por Antônio de P. Machado. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1978, L. III, XV, p. 132.
1 Introdução
As linhas que seguem têm por escopo uma análise jurídico-política[1] da democracia vigente[2] com vistas a proporcionar, ainda que de maneira singela, uma nova alternativa para o florescimento de um espírito participativo do indivíduo na concretização da democracia contemporânea. Iniludível que o ente estatal se tipifica, hodiernamente, não só pelo adjetivo (Estado) de direito[3], como também, pelo seu viés democrático. Dessa maneira, deve o Estado propiciar que a cidadania, elemento essencial da democracia, seja exercida em sua mais ampla plenitude. Contudo, cabe ao próprio cidadão ativo[4] pressionar as instituições para concretizar seus interesses.
 Nessa perspectiva, surge o juiz como ator determinante na efetiva criação do direito e na solução das legítimas pretensões sociais, de sorte que a própria democracia se realiza quando resolvido o caso apresentado ao Poder Judiciário.
 Para melhor esclarecer os meios através dos quais tal premissa se torna factível, necessário uma releitura da definição do adjetivo democrático, trazendo a tônica para o cidadão - e não apenas para o povo – e, com isso, penetrar nos meandros processuais, onde as garantias constitucionalmente previstas dão ao individuo meios de assegurar que ele se confronte com o posto e busque um aprimoramento do debate democrático. Mais que isso, necessário fazer a distinção entre democracia participativa e democracia representativa para enfim podermos evidenciar que a representatividade já não é mais capaz de sozinha realizar o autêntico ideário democrático, tão aspirado para a realização de uma sociedade justa e solidária.
 Estabelecidos estes parâmetros mínimos acerca da forma do Estado, nos debruçaremos sobre a concretização desta através do processo judicial, entendido este como o meio pelo qual os direitos e as garantias constitucionais concretizados no ato criativo do juiz são determinantes para a persecução de uma identidade democrática do Estado.
2 Pressuposto democrático: o povo
Quando entramos no discurso democrático, o primeiro termo aberto é o povo. Não há dúvida que tal elemento deve integrar o conceito de democracia, na medida em que a própria palavra nasce para referi-lo[5]. Contudo qual o papel do povo no discurso democrático?. Seria o pressuposto para atuação do Estado? Seria ele mero símbolo para validar o discurso da democracia? Com singela originalidade, mas com extrema profundidade, indaga Friedrich Müller[6], afinal, quem é o povo?
 Segundo o filósofo alemão, muitas são as definições possíveis de povo [7], razão pela qual faz uma proveitosa cisão conceitual acerca do termo: povo como meio de legitimar o Estado, povo-ativo (participante das decisões políticas); povo como instância global de atribuição de legitimidade, povo-ícone; e o povo como destinatário das decisões e atuações públicas. Para os fins do presente trabalho interessa-nos aqui apenas o último termo, contudo, nos é impossível adentrarmos nele sem antes permear, mesmo que perfunctoriamente, os demais significados.
 Convém destacar, inicialmente, que a maioria das constituições modernas menciona a palavra povo como pilar de sustentação do Estado Democrático. Isto é, o Estado Democrático de Direito busca sua justificação – pretende sua legitimação – a partir do povo [8]. Nessa perspectiva, tal definição de povo o enquadra na célebre frase de Lincoln - the government of the people – na medida em que o governo está instituído por ele o povo-legitimador. Tal povo não é palpável, mas verificável apenas como fonte de validade do poder estatal.
 Por outro lado, aquele que irá ditar os caminhos do Estado, no que tange às suas estruturas políticas vigentes, é o denominado povo-ativo. Aquele que se constitui no legítimo destinatário dos direitos políticos e tem soberanamente a prerrogativa de, tempo a tempo, alterar os que representam seus desidérios através do processo eleitoral.[9] Enfim, povo ativo é o titular dos direitos políticos e aquele que possibilita o governo do povo, the government of the people, le gouvernement du peuple.
 Porém, o mais presente povo é o mais sorrelfo deles. É aquele que é invocado, mas que nunca se vê. É aquele cuja legitimidade não se faz presente no sistema. É o denominado povo-ícone. E se traduz naquela imagem de povo que é verbalizada pelos seus representantes e cujas decisões não são atribuíveis ao próprio povo em termos de direito vigente, mas, tão somente como palavra vã de falsa legitimidade. Em outros termos, se é o povo quem dita os critérios de escolha e decisão do Estado – que deverá sempre agir em consonância com o ordenamento jurídico – então toda a resolução estatal deve subsumir-se aos textos democracticamente postos e, em não o fazendo, teríamos o uso da palavra povo como meio para tornar válido algo que na origem não o é [10].
 Ora, se há um povo legitimador (ativo), se há um povo deslegitimado (ícone) e se há aquele povo pelo qual se funda o próprio Estado, deve se fazer presente, também, o povo para o qual se erige o Estado. Eis aí o povo-destinatário, que diversamente dos outros, deve ser entendido sem restrições. O povo destinatário é compreendido em todo cidadão pelo qual o corpo social passa a ser responsável, é o rule for the people. Enquanto o povo-ativo é restrito, o povo-destinatário não o é, pois sobre ele recai todos os deveres positivos (prestação) e negativos (não interferência) do Estado, na medida em que atribuíveis a todo e qualquer indivíduo ou que nele se encontre inserido.
 A análise feita por Friedrich Müller dos diferentes modos de se conceituar a palavra povo revela-nos que quando da aplicação do direito e da tentativa de efetivação do Estado Democrático, há uma plena confusão entre os muitos destinatários da democracia. Ocorre que as estruturas do sistema acabam por assegurar direitos apenas a determinados tipos de povo, ora povo-ativo ora povo-ícone, contudo esquece-se que a democracia é, acima de tudo, feita para todos e que mesmo que não seja construída por todos (e.g., inc. I e II, do art. 14 da CF) deve, obrigatoriamente, ser exercitável por todos[11]. Não é sem rumo que temos presente em nosso ordenamento o acesso irrestrito ao Poder Judiciário, segundo se depreende do inc. XXXV, do art. 5º da CF. Através deste direito fundamental, as incompatibilidades existentes no meio social se tornam resolúveis e todo indivíduo tem a potencialidade de ser ouvido e ter sua causa satisfatoriamente atendida.
 Não basta pensarmos no aprimoramento da democracia apenas na perspectiva da exclusão social que busca inclusão, muito menos nos movimentos sociais da minoria. Estes representam, em última análise, apenas uma faceta do povo-destinatário, e este último deve compreender tanto os excluídos, como também os ativos, aqueles que votam e aqueles que se engajam nas decisões do Estado, compreendendo, enfim, todo cidadão-indivíduo que se encontra no território do Estado, ou como quer o professor de Heidelberg, “o povo enquanto destinatário das prestações estatais negativas e positivas, que a cultura jurídica respectiva já atingiu”[12].
 De todo o exposto anterior, podemos concluir que enquanto o povo servir de baluarte para arbitrariedades estatais ou apenas para tentar legitimar atitudes manifestamente contrárias aos interesses constitucionalmente resguardados e que se manifestam em concreto diante do ato jurisdicional instrumentalizado pelo processo, não teremos uma democracia condizente com o enunciado no texto constitucional. Portanto, na mesma medida em que o acesso à justiça é amplo, ampla também deve ser a definição de povo em um verdadeiro Estado de Direito que pretende ser legitimamente Democrático.
 
3 Participação e Democracia
O vértice da democracia ainda é o povo, contudo dilatado em sua acepção originária. Este ideário de povo deve, necessariamente, ser compreendido em qualquer indivíduo que seja sujeito de interesses juridicamente tutelados[13], protegido pela possibilidade de apreciação de seus conflitos e, preponderantemente, como novo partícipe na realização concreta da seara política. A partir daí, observaremos que não se pode mais mirar a democracia unicamente sob a perspectiva procedimental, como pretendia Bobbio[14], posto que ela vai muito além do mero voto nas urnas a cada período eleitoral determinado e tampouco importa na simples manutenção das regras do jogo[15], já que é dinâmica e se recria diariamente pela práxis.
 
 
Leia na íntegra aqui.
 
 
Darci Guimarães Ribeiro
Doutor em Direito pela Universitat de Barcelona. Professor Titular da Unisinos e do Programa de Pós-Graduação em Direito. Professor Titular da PUC/RS. Advogado. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil. Membro representante do Brasil no Projeto Internacional de Pesquisa financiado pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC – da Espanha.
 
Felipe Scalabrin
Mestrando em Direito na UNISINOS
 
 
Revista Temas Atuais de Processo Civil V.1 - N. 1 - Julho de 2011          
 
 
 

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

PGR questiona constitucionalidade do Código Florestal

Procuradora Sandra Cureau aponta inconstitucionalidade em 23 artigos do texto aprovado pelo Congresso e pede suspensão imediata dos dispositivos.
A Procuradoria Geral da República (PGR) apresentou nesta segunda-feira três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) questionando pontos-chave do Código Florestal aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidente Dilma Rousseff. Os itens apontados como inconstitucionais envolvem o conceito de Área de Preservação Permanente (APP), a redução da reserva legal e a anistia de multas para agricultores que recomponham a área degradada.
A ação pede que estes trechos da lei sejam suspensos imediatamente enquanto o mérito das Adins não é julgado. A procuradora-geral da República em exercício, Sandra Cureau, é quem assina a ação: “A criação de espaços territoriais especialmente protegidos decorre do dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, de forma que essa deve ser uma das finalidades da instituição desses espaços”, argumenta ela no texto.
 Se forem aceitas, as ações afetariam ao menos parcialmente 23 artigos do Código Florestal. Entre eles, os que tratam da ocupação de várzeas, mangues e imediações de olhos d'água.
 O texto sancionado pela presidente Dilma Rousseff inclui a anistia de multas para quem desmatou até 22 de julho de 2008 - o perdão está condicionado à recuperação da área degradada. A procuradora discorda: “Se a própria Constituição estatui de forma explícita a responsabilização penal e administrativa, além da obrigação de reparar danos, não se pode admitir que o legislador infraconstitucional exclua tal princípio, sob pena de grave ofensa à Lei Maior”.
O trecho que reduz a faixa de vegetação a ser preservadas à margem de rios e córregos também pode ser derrubado se as ações da procuradoria forem acolhidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Outros pontos questionados pela PGR são o que permite a inclusão da área de preservação permanente no cômputo total para o cálculo da reserva legal e o trecho que autoriza a recomposição de vegetação em biomas diferentes daquele afetado pelo agricultor.
 
Debate - O novo Código Florestal foi aprovado pelo Congresso em abril do ano passado, após um longo debate. A presidente Dilma Rousseff sancionou o texto com doze vetos e enviou ao Parlamento uma Medida Provisória preenchendo lacunas abertas na proposta original. A MP foi aprovada com alterações no Congresso, o que motivou outros nove vetos da presidente. Esses vetos ainda não foram analisados pelos parlamentares.
 
 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Os “abacaxis” do STF em 2013

Supremo dará prioridade neste ano a casos de repercussão geral, como a proibição de o MP investigar e a descriminalização do porte de drogas.
Ainda às voltas com os recursos do processo do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá novas polêmicas pela frente em 2013. A pauta de julgamentos deste ano será ocupada por temas que vão mexer no bolso, na saúde e nos costumes dos brasileiros. A “prioridade número um”, nas palavras do presidente da corte, Joaquim Barbosa, serão os processos de repercussão geral, cujas decisões vão servir como referência para ações similares em tramitação por todo país.
Na fila, estão processos como os recursos sobre a correção das poupanças existentes durante os planos Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991), que terão impacto sobre cerca de 900 mil ações do gênero em todo o país. Outro assunto de grande alcance é o ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelo atendimento de pacientes de planos de saúde na rede pública, decisão que pode afetar as contas governamentais assim como os preços dos planos privados. Também está pronta para ser apreciada uma ação que trata da descriminalização do porte de drogas.
Nas áreas de combate à corrupção e segurança pública, o STF deve retomar a análise sobre o poder de investigação do Ministério Público (MP). Caso os ministros decidam que o MP não tem competência legal para investigar, pode haver o comprometimento de ações criminais em andamento embasadas por apurações produzidas exclusivamente pelo órgão. No Paraná, o trabalho conduzido por promotores – com base na série Diários Secretos, da Gazeta do Povo e RPCTV – desencadeou os processos contra o ex-diretor da Assembleia Legislativa Abib Miguel, o Bibinho, e mais dois ex-diretores.
Todos esses processos podem ter espaço na pauta do Supremo entre fevereiro e o final de abril, quando o STF deve publicar o acórdão do julgamento do mensalão. A partir disso, começam os julgamentos dos recursos dos 25 condenados.
Holofotes
O presidente da Academia Brasileira de Direito Cons­titucional, Flávio Pansieri, avalia que Joaquim Barbosa tentará marcar sua gestão com outros julgamentos de grande repercussão, mas eles não terão a mesma proporção e holofotes do mensalão. “Não acredito que o STF vai julgar todas essas polêmicas, que já estão em pauta há alguns anos.”
Professor de Direito Cons­titucional da Universidade de Brasília, Juliano Zaiden Benvindo cita que a postura adotada recentemente pelos ministros, em especial no mensalão, pode afetar as decisões sobre os novos temas. “Em julgamentos polêmicos, cada ministro tem falado o que pensa e feito votos com argumentos isolados. Aí há um problema: como o STF não se comporta de uma maneira uniforme, não se toma uma decisão de corte, mas um apanhado de diferentes teses”, afirma Benvindo.
Para a coordenado­ra do Núcleo de Consti­tu­cionalismo e Democracia da UFPR, Vera Karam Chueiri, o momento “pós-mensalão” servirá para medir uma “nova identidade” do STF. “Em muitos momentos o STF assumiu uma postura acima de tudo e todos, subvertendo o princípio da separação dos poderes. O adjetivo supremo ficou demasiado supremo”, diz ela.
Correção da poupança
Dois recursos extraordinários questionam os índices de correção monetária das aplicações em poupança feitas durantes os planos Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991). Os dois processos tem como relator o ministro Gilmar Mendes e terão repercussão geral.
E você com isso?
A decisão vai afetar cerca de 900 mil ações movidas em todo país por poupadores da época que foram prejudicados por medidas como o confisco das poupanças feito no começo do governo Collor. As perdas estimadas são de 44,8% no plano Collor 1 e de 21,8% no Collor 2.
Poder de investigação do MP
Duas ações que já começaram a ser julgadas em plenário questionam o poder do Ministério Público (MP) de realizar investigações criminais. Até junho do ano passado, quatro ministros votaram a favor da competência da instituição de dirigir inquéritos e dois contra.
E você com isso?
A decisão pode comprometer o andamento de ações criminais embasadas por apurações produzidas exclusivamente pelo MP, já que a decisão do STF terá repercussão geral. É o caso do julgamento de ex-diretores da Assembleia Legislativa do Paraná, acusados do desvio de recursos públicos que somam R$ 200 milhões.
Descriminalização do porte de drogas
Recurso extraordinário de autoria da Defensoria Pública de São Paulo questiona a constitucionalidade do artigo da Lei de Tóxicos (11.343/2006) que classifica como crime o uso de entorpecentes para consumo pessoal. O processo, que começou a tramitar em fevereiro de 2012, tem como relator o ministro Gilmar Mendes.
E você com isso?
A corte vai avaliar se o fato de portar drogas é lesivo à sociedade ou se contraria o princípio constitucional da intimidade e da vida privada. O caso concreto trata de um usuário de maconha condenado a dois meses de prestação de serviços à comunidade em Diadema (SP) e terá repercussão nas demais ações do gênero.
Desaposentação
A desaposentação (ou desaposentadoria) é o termo aplicado para pessoas que já se aposentaram, mas continuam trabalhando e solicitam o recálculo do valor da aposentadoria com base nas contribuições feitas após a concessão do benefício. A análise de um recurso extraordinário vai definir a viabilidade desse recálculo.
E você com isso?
Segundo dados da procuradoria do INSS, existiam no Brasil em 2011 cerca de 500 mil aposentados que voltaram a trabalhar (e a contribuir para a Previdência). Todos eles serão impactados de alguma forma pela decisão.
Ressarcimento do SUS
Uma ação que tramita desde janeiro de 2009 questiona a obrigatoriedade de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelo atendimento de pacientes de planos de saúde na rede pública. Só um escritório de São Paulo é autor de 5 mil ações sobre o tema a favor dos planos privados.
E você com isso?
O argumento das operadoras é de que a Constituição diz que saúde é “dever do Estado”. Por outro lado há a tese de que, ao receber pacientes que são clientes de planos privados, o SUS está ajudando a enriquecer as operadoras. Os planos também alegam que o ressarcimento terá impacto no preço das mensalidades.
 
 
 
 

domingo, 20 de janeiro de 2013

Davi contra Golias

Disputa judicial travada em Curitiba testa limites da legislação brasileira a respeito da violação de direitos autorais na internet.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) devem decidir ainda no início deste ano uma controvérsia inédita no Brasil, sobre o uso de tecnologias na internet e compartilhamento de arquivos digitais.
O caso envolve o empresário curitibano Luciano Cadari e a Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF), entidade que reúne as grandes gravadoras da indústria fonográfica brasileira.
Há dez anos, Cadari criou, a partir de um software livre, o site K-Lite, uma ferramenta de troca de arquivos por meio de uma rede P2P (peer to peer ou “ponto a ponto”), que transmite e recebe informação de forma simultânea sem depender de um servidor central.
O usuário, ao instalar o K-Lite, podia compartilhar informações com outros usuários do mundo inteiro. Cadari explorava banners publicitários na página do site. Em, 2007, a ferramenta chegou a ter 30 milhões de usuários.
A APDIF entrou com uma ação e conseguiu uma liminar para interromper as atividades do K-Lite, alegando violação de direitos autorais e lucro indireto indevido.
Para o advogado da APDIF Carlos Eduardo Hapner era claro o intuito do K-Lite em incentivar a reprodução indevida de músicas e o compartilhamento de outros arquivos protegidos com “evidente intenção comercial”. “É como se montasse um serviço para levar usuários de droga numa van até um ponto de tráfico e no caminho fizessem publicidade”, compara Hapner.
Já o advogado de Cadari, Alexandre Pesserl, contesta o argumento e diz que a ação fere interesses sociais, como a “livre iniciativa, o direito à comunicação e à informação”. “É uma ferramenta que tem usos lícitos e ilícitos, a depender de quem usa e o que faz com ela”, disse.
Para Pesserl, “não se pode responsabilizar o fabricante pela conduta do usuário, seja de carros, armas, ou gravadores de CDs”.
“Cristo”
Pivô da disputa de “Davi contra Golias”, o empresário Cadari acha que a discussão é “absurda”, já que não praticou nenhum compartilhamento. “Para fazer o marketing do medo, as gravadoras me pegaram para Cristo, pois, em meio a vários sites, o meu tinha maior visibilidade”, afirma.
Ele explica que o mecanismo que criou, diferente de outros sites, como o MegaUpload e Pirate Bay, não tem um índice ou arquivos fixos de música para download. “O nosso tem funcionabilidade similar aos e-mails, MSN, pen drives, cartões de memória, etc., com os quais as pessoas trocam livremente qualquer tipo de arquivo, além de músicas protegidas. A APDIF também vai processar esses meios?”, questiona.
Cadari também alega que não fez “nada escondido”: tinha CNPJ, pagava impostos e encargos trabalhistas. Segundo ele, o longo processo o “envelheceu cinco anos”. Ele espera que a solução da questão seja rápida. “Quero apenas que os juízes ponham os fatos na balança e decidam com coerência. Daí, a causa é minha”, acredita.
Polêmica divide especialistas e pede ‘mudança de modelo’
A discussão judicial inédita do “Caso Cadari” o tranformou em paradigma nas faculdades de Direito e trabalhos acadêmicos. As opiniões a respeito do processo dividem a doutrina entre uma ala conservadora, que enxerga agressão à lei do direito autoral, e outro grupo que defende o uso de tecnologias como forma de manter a liberdade de livre iniciativa.
A segunda ala geralmente cita o trabalho acadêmico dos professores Oberholzer e Strumpf, da Harvard Bussines School, que afirma que os downloads têm um efeito de vendas que é estatasticamente zero”.
Há ainda outro estudo, do professor Yokai Benkler, da mesma instituição, segundo o qual “35% de músicos e compositores disseram que downloads gratuitos ajudaram suas carreiras” (dados de 2004). Apenas 5% se sentiu prejudicado. Os compartilhamentos também ajudariam na frequência a shows, venda de CDs e exposição em rádio.
Para um dos maiores especialistas brasileiros do tema, o professor Denis Borges Barbosa, do Programa de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o ponto principal a ser discutido não é se os downloads ou compartilhamentos ferem o direito autoral segundo a atual legislação.
“Fere sim. E ponto. E será supresa se o STJ decidir de outra forma”. Para ele, no entanto, a questão envolve repensar toda a estrutura do mercado fonográfico, algo que poderia ser melhor regulado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
“Para haver uma adaptação do sistema de mercado a uma nova técnica, setores da economia que inclusive comercializam esta tecnologia querem que o estado retarde a adaptação do setor a este novo modelo”, disse.
Segundo Barbosa, o direito autoral deve ser interpretado sempre em equilíbrio com os demais direitos constitucionais, entre os quais os direitos à cultura e à educação”. “Esta atual lei de direito autoral cria um sistema pós-colonial de controle da informação que nega os benefícios da livre concorrência”, disse.
 
Entenda o caso aqui.
 
 

sábado, 19 de janeiro de 2013

Crítica à imprecisão da expressão neoconstitucionalismo

O que significa neoconstitucionalismo? Esta é uma pergunta cada vez mais frequente nas salas de aula, seja na disciplina de Direito Constitucional, seja na de Teoria ou Filosofia do Direito. Uma coluna não seria suficiente para respondê-la satisfatoriamente, razão pela qual me limitarei a apresentar uma importante crítica à imprecisão semântica que assombra o tema.
Neoconstitucionalismo é uma expressão que surgiu no final da década de 1990 e é empregada, pioneiramente, pelos jusfilósofos de Genova: Susanna Pozzolo, Paolo Comanducci e Mauro Barberis. Na verdade, para ser ainda mais preciso, o termo teria sido utilizado, pela primeira vez, durante a intervenção de Pozzolo no XVIII Congreso Mundial de Filosofia Jurídica y Social, realizado em Buenos Aires e La Plata, entre os dias 10 e 15 de agosto de 1997.
Segundo esclarece a autora genovesa, “embora seja certo que a tese sobre a especificidade da interpretação constitucional possa encontrar partidários em diversas dessas disciplinas, no âmbito da Filosofia do Direito ela vem defendida, de modo especial, por um grupo de jusfilósofos que compartilham um modo singular de conceber o Direito. Chamei tal corrente de pensamento de neoconstitucionalismo. Me refiro, particularmente, a autores como Ronald Dworkin, Robert Alexy, Gustav Zagrebelsky e, em parte, Carlos Santiago Nino”.
Desde então, muito se tem escrito e debatido a respeito do denominado neoconstitucionalismo, que se expandiu pela Europa, sobretudo na Itália e na Espanha, e alcançou a América Latina, onde conta com, cada vez mais, novos adeptos e seguidores, especialmente no Brasil.
Ocorre que, não obstante a crescente produção bibliográfica, resultante das discussões que vêm sendo realizadas no campo da Teoria e da Filosofia do Direito, ainda se verificam incontáveis imprecisões terminológicas e inúmeras divergências sobre o tema. Um exemplo disso é o fato de nenhum dos autores tradicionalmente rotulados de neoconstitucionalistas assumirem uma mesma posição e tampouco adotarem o uso da expressão neoconstitucionalismo.
Neste contexto, aliás, parece adequada e recomendável a cautela adotada por Prieto Sanchís, para quem não existe uma corrente unitária de pensamento, mas apenas uma série de coincidências e tendências comuns que, de um modo geral, apontam para a formação de uma nova cultura jurídica.
Trata-se, com efeito, de uma expressão que ingressou definitivamente no léxico jurídico e de um modo geral, vem sendo empregada para se referir às tentativas de explicar as transformações ocorridas no campo do Direito a partir da Segunda Guerra Mundial, mas cuja amplitude semântica alcança três níveis, conforme adverte Carbonell:
(a) os textos constitucionais promulgados na segunda metade do século XX, em que se incorporam normas substanciais que condicionam a atuação do Estado na realização dos fins e objetivos estabelecidos;
(b) as práticas jurisprudenciais assumidas pelos tribunais e cortes constitucionais, cuja atuação implica parâmetros interpretativos compatíveis com o grau de racionalidade exigido pelas decisões judiciais;
(c) a construção de aportes teóricos para compreender os novos textos constitucionais e aperfeiçoar as novas práticas jurisprudenciais.
Observa-se, neste contexto, que o neoconstitucionalismo — em sentido fraco — parte do surgimento do Estado Constitucional, instituído pelas cartas políticas promulgadas após a Segunda Guerra Mundial; aponta para uma nova prática jurídica, voltada à concretização dos direitos fundamentais; e, por fim, exige uma Teoria do Direito com ele compatível, uma vez que o velho positivismo não seria capaz de explicar as mudanças provocadas por este novo paradigma.
E aqui, precisamente, é onde reside o problema: o neoconstitucionalismo apresenta-se como uma alternativa ao positivismo jurídico.
Todavia, segundo Ferrajoli, a expressão neoconstitucionalismo mostra-se ambígua e, além disso, equivocada, porque o termo constitucionalismo pertence ao léxico político (e não jurídico). Para o renomado jurista italiano, constitucionalismo designa uma ideologia, ligada à tradição liberal, servindo de sinônimo para Estado Liberal de Direito, em cujas raízes se encontram os ideais jusnaturalistas.
Por isto, a expressão constitucionalismo não encontra simetria com as noções de modelo de sistema jurídico e/ou de Teoria do Direito, de maneira que não pode ser contraposta ao positivismo jurídico, sobretudo quando identificado com a ideia de primado da lei.
Assim, para superar a equivocada oposição entre neoconstitucionalismo e positivismo jurídico, Ferrajoli propõe uma terminologia diversa e uma tipologia correlata, partindo da ideia de que o termo constitucionalismo jurídico equivale ao Estado Constitucional de Direito — em contraste com o constitucionalismo político, que corresponde ao Estado Legislativo de Direito — e serve, ao fim e ao cabo, para designar o constitucionalismo rígido que caracteriza as atuais democracias constitucionais.
É neste cenário, portanto, que Ferrajoli introduz aquelas que, atualmente, são as duas maneiras de se conceber este novo paradigma — constitucionalismo jurídico—, sobre cujas bases se apresentam uma gama de teorias do Direito: de um lado, o constitucionalismo argumentativo, que visa à superação do positivismo; de outro, o constitucionalismo garantista, que aposta na reformulação do positivismo.
Como se vê, a questão assume novos contornos na medida em que exige uma investigação mais aprofundada acerca do que cada concepção entende por positivismo jurídico. No entanto, esta é uma tarefa que demandaria outras colunas. Trata-se, aliás, do núcleo de um importante diálogo travado entre juristas brasileiros e o mestre florentino, que resultou na publicação do livro Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli (veja aqui).
De qualquer modo, é importante deixar claro, ao menos por ora, que tanto o constitucionalismo argumentativo como o constitucionalismo garantista, ao menos em tese, tratam das transformações provocadas pela experiência histórica do segundo pós-guerra, marcada pelo advento das constituições rígidas, que instituem uma série de limites e de vínculos — não apenas formais, mas também substanciais — a todos os poderes públicos.
 
 
by André Karam Trindade, doutor em Teoria e Filosofia do Direito (Roma Tre/Itália), mestre em Direito Público (Unisinos) e professor universitário.
 
 
 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

ICMS unificado confunde empresários

Critérios para que nova taxa seja cobrada são considerados complexos por empresas e de difícil fiscalização pelo governo.
Mesmo em vigência desde 1.º de janeiro, a nova alíquota unificada de 4% para operações interestaduais de produtos importados ainda gera uma série de dúvidas para empresas, tributaristas e até a Receita Estadual. Além das dúvidas, alguns contribuintes alegam inconstitucionalidades na atual forma de cobrança e nos novos critérios exigidos por lei.
A nova tarifa, bem menor do que os 12% praticados anteriormente, vale apenas para produtos importados que não tenham sido submetidos a nenhum processo de industrialização ou àqueles que tenham sido industrializados, mas cujo conteúdo importado seja superior a 40% do valor da mercadoria. Para os demais produtos as alíquotas antigas ainda estão valendo.
No entanto, a mudança tem gerado uma série de questionamentos nos primeiros dias de vigência. “Nem a receita e nem os contribuintes estão preparados para a nova regra. Ela combate um mal, que é a guerra dos portos, mas está impraticável neste primeiro momento”, afirma a advogada tributarista Najara Ciochetta, do escritório Marins Bertoldi.
Uma das principais reclamações é a necessidade de discriminar na nota fiscal os conteúdos importados presentes na mercadoria para assegurar de que ela é inferior a 40%. “Isso fere o livre mercado. As empresas não precisam fornecer informações que são segredos industriais”, afirma.
Outro ponto trata da vigência da lei a partir da virada do ano. Segundo Fábio Grillo, advogado tributarista do escritório Hapner Kroetz e vice-presidente da comissão de Direito Tributário da OAB, a medida não deveria ser aplicada a bens e mercadorias importadas até 31 de dezembro. Ele explica que os produtos foram importados sob um valor de ICMS e agora terão de ser vendidos com um valor diferente.
As empresas também reclamam que os custos serão afetados para que se adaptem à nova realidade tributária.
Adaptação
A própria Secretaria Estadual da Fazenda admite que os primeiros meses da medida devem ser encarados como um período de adaptação, em função do número de dúvidas. Em maio, a Receita Estadual deve implantar um sistema para coletar estas informações. “A maior dificuldade é avaliar a proporção do conteúdo importado em um produto. Até maio, teremos que analisar caso a caso”, afirma o secretário em exercício da Fazenda, Clóvis Rogge.
De acordo com o auditor fiscal Randal Sodré Fraga, o prazo foi estipulado pelo próprio Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para todos os estados. “É possível que até lá mais mudanças aconteçam. Este período será importante para mostrar quais serão as dificuldades de fiscalização e aplicação da nova alíquota”, afirma.
 
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?tl=1&id=1336505&tit=ICMS-unificado-confunde-empresarios. Acesso em: 17 jan. 2013.
 
 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Em 2012, avanços tributários foram maiores que reveses

Contrariamente ao que se pensa, os absurdos níveis de litigiosidade tributária no Brasil não devem ser creditados apenas aos contribuintes.
Há decerto quem abusa da ampla defesa para protelar o pagamento do que sabe ser devido, mas, para esses, as sanções são leves na cominação e erráticas na aplicação.
A preferência — porque não se trata de tornar o sistema mais justo, mas de arrecadar a qualquer preço — é por punir a maioria ordeira pela má conduta de uns poucos: protesto de CDA, inclusão no Cadin de quem antecipa garantias, penhora indiscriminada de ativos financeiros, tentativa de supressão de recursos...
A tudo isso assistimos em 2012, fingindo não nos dar conta de que a avalanche de processos tributários se deve, antes de mais nada:
a) aos legisladores de todos os níveis da Federação, que não se pejam em editar normas abertamente inválidas;
b) às administrações tributárias, que editam regulamentos ultra, praeter ou contra legem e que — por despreparo, ideologia ou pressão — conseguem violar essas mesmas regras no lançamento de tributos;
c) à legislação processual, que não atribui efeito vinculante aos julgados repetitivos do STJ e não pune quem desobedece as decisões mandatórias do STF;
d) às instâncias inferiores, quando resistem às orientações das cortes superiores (o caso das cautelares para a antecipação de garantia é emblemático); e
e) às próprias cortes superiores, que, em sua volubilidade, premiam os que continuam a litigar contra a jurisprudência firmada e que, ao restringirem os benefícios de uma decisão a quem está em juízo (caso da Súmula Vinculante 8 do STF), punem os que não entraram com ações.
Seja como for, considerando as esferas administrativa e judicial em todas as instâncias e quanto a todos os fiscos, parece razoável afirmar que houve alguns milhões de julgamentos tributários em 2012.
Esta retrospectiva não poderia fazer-se, portanto, sem a fixação de critérios, donde termos optado por nos ater às decisões superiores, finais[1], inéditas e irrelevantes, que organizamos em torno dos seguintes eixos temáticos:
 
Competência tributária Por razões óbvias, o ano foi de pouca discussão tributária no STF. Do Pleno, só se destacam as ADI 2.556/DF e 2.568/DF (Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 20.09.2012), em que se deu pela validade da contribuição de 10% dos depósitos devidos à conta vinculada de FGTS do empregado despedido sem justa causa, cuja receita se volta a recompor as contas vinculadas dos trabalhadores prejudicados pelos expurgos inflacionários dos Planos Bresser, Verão, Collor I e Collor II (Lei Complementar 110/2001, artigo 1º).
O principal argumento dos contribuintes — a falta de referibilidade entre o grupo dos contribuintes (as empresas atuais, quiçá sequer constituídas em 1988 e 1989) e o dos beneficiários da arrecadação (os trabalhadores que sofreram os expurgos naqueles anos) — foi rechaçado de forma sumária pelo relator, a partir das suposições de que (a) os repasses que o Tesouro, à falta da contribuição, teria de fazer para aqueles trabalhadores “poderiam afetar negativamente as condições de emprego, em desfavor de todo o sistema privado de atividade econômica”, e de que (b) a descapitalização do FGTS — aqui subjaz a presunção de que, sem o tributo, a União descumpriria a decisão do STF que ordenou o pagamento dos valores expurgados (Pleno, RE 226.855/RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.10.2000) — poderia “prejudicar alguns setores produtivos”, como o da construção civil, cujas atividades são financiadas com recursos do Fundo.
A generalidade e o laconismo dos fundamentos deixam claro o pouco apreço que a corte tem pela ideia de referibilidade nas contribuições, que se confirmam como uma via larga para as pretensões arrecadatórias da União.
 
Extensão do fato gerador dos tributos Embora reitere a jurisprudência anterior, o REsp 1.176.753/RJ (STJ, 1ª Seção, Rel. para o acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJe 19.12.2012, repetitivo) merece referência porque exarado na esteira de proposta, afinal rejeitada, de revisão do entendimento de que as receitas dos serviços suplementares à telefonia — troca de número, bloqueio de DDI e outros — não se sujeitam ao ICMS.
Prevaleceu a conclusão de que não se trata de serviços de comunicação propriamente ditos, estando por isso fora do campo de incidência do imposto.
Menos feliz foi a decisão tomada no REsp 1.089.720/RS (STJ, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 28.11.2012), sujeitando ao IR — ao suposto de que se trataria de indenização por lucros cessantes, e não por dano emergente — os juros de mora creditados ao empregado, salvo se recebidos em rescisão do contrato de trabalho ou se incidentes sobre verba isenta. Cuidamos do tema em coluna recente. Clique aqui para ler.
 
Tributação das vítimas de crimes ou atos fortuitos Nesse campo, de que nos ocupamos em nosso texto de março — clique aqui para ler —, as novidades foram alvissareiras.
Revendo a sua posição anterior, criticada em nossa coluna, a 2ª Turma do STJ, no REsp 1.203.236/RJ (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 30.08.2012), passou a entender que não incide IPI sobre cigarros vendidos sob a cláusula CIF e furtados antes da entrega ao adquirente, dada a inocorrência do fato gerador (tradição).
Abandonando outro entendimento que discutimos, a 2ª Turma do STJ, no REsp 1.306.356/PA (Rel. Min. Castro Meira, DJe 28.08.2012), afastou a exigência de ICMS sobre a energia elétrica furtada antes da entrega ao consumidor final[2].
Louvável, por fim, a conclusão da 1ª Turma do STJ no REsp 1.101.814/SP (Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 29.05.2012). Exigia-se do transportador o imposto de importação suspenso na entrada de produtos destinados a loja franca, ao argumento de que o seu extravio obstara o implemento da condição (a venda naquele recinto) apta à conversão da suspensão em isenção definitiva. O débito foi extinto por inexistência de prejuízo a erário, já que a venda, se ocorresse, seria isenta.
 
Sujeição ativa tributária Tendo o STF, em decisão discutível (RE 547.245/SC, Rel. Min. Eros Grau, DJe 05.03.2010), assentado que o leasing financeiro se sujeita ao ISS, restou definir o município competente para cobrá-lo.
No REsp 1.060.210/SC, a 1ª Seção do STJ (julgado em 28 de novembro de 2012, acórdão a publicar, repetitivo) decidiu à unanimidade que, não se tratando de nenhuma das exceções do artigo 3º da Lei Complementar 116/2003, aplica-se o critério geral do pagamento ao município em que situado o estabelecimento prestador, com isso dando passo importante na superação de suas vacilações nessa matéria — clique aqui para ler nossa coluna de agosto.
 
Não-cumulatividade No REsp 842.270/RS, a 1ª Seção do STJ (Rel. para o acórdão Min. Castro Meira, DJe 26.06.2012) garantiu às operadoras de telefonia os créditos pelo ICMS suportado na aquisição da energia elétrica essencial à sua atividade. Deveras, não faria sentido submeterem-se tais serviços ao imposto e negarem-se os créditos pelo único insumo essencial à sua prestação.
No RMS 24.911/RJ, a 2ª Turma do STJ (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 06.08.2012) autorizou o comodante a aproveitar os créditos pelo ICMS suportado na compra de bens do ativo depois dados em empréstimo, desde que úteis aos seus objetivos empresariais — tratava-se de freezers e outros equipamentos cedidos por indústria de bebidas a seus revendedores.
Ainda em relação ao ICMS, no Processo DRT-05-884937/2010, a Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo reconheceu o direito das usinas siderúrgicas ao creditamento do ICMS incidente sobre os produtos refratários imprescindíveis à produção do aço, superando antiga resistência fundada no fato de o seu consumo não ser integral — por deixar resíduos — e nem instantâneo.
A não-cumulatividade do PIS e da Cofins promete ensejar muita polêmica, mas são portadores de bons presságios os acórdãos da 1ª Seção do STJ no REsp 1.215.773/RS (Rel. para o acórdão Min. César Asfor Rocha, DJe 18.09.2012), admitindo a tomada de créditos em relação ao frete de veículos entre a fábrica e a concessionária — apesar de a lei falar apenas em frete “na operação de venda” —, e da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf nos PTAs 13053.000211/2006-72 e 13053.000112/2005-18, conceituando insumos para essas contribuições como todos os produtos e serviços inerentes à produção, o que — conquanto não chegue à amplitude da legislação do imposto de renda, pois deixa de fora as despesas não ligadas diretamente à atividade-fim, como os gastos de escritório — vai muito além dos rigores do crédito físico aplicável ao IPI.
 
Direito Tributário Internacional Acórdão inspirado da 2ª Turma do STJ (REsp 1.161.467/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe 01.06.2012) deu pela aplicabilidade do artigo 7º das convenções contra a dupla tributação assinadas pelo Brasil — os lucros de uma empresa só são tributáveis no Estado de que esta é residente e naqueles em que possui estabelecimento permanente — para afastar a exigência de IR-fonte nos pagamentos de serviços sem transferência de tecnologia prestados no país por empresas estrangeiras aqui não estabelecidas, declarando a invalidade do Ato Declaratório COSIT 1/2000 — explicação detalhada do assunto na coluna de abril de Roberto Duque Estrada, clique aqui para ler.
 
Processo tributário Nos terceiros Embargos de Declaração no REsp 1.305.881/PR, a 2ª Turma do STJ (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgados em 18 de dezembro de 2012, acórdão a publicar) definiu que não cabem embargos à execução quando a exigência decorra do indeferimento pelo fisco de compensação feita pelo contribuinte, dando interpretação equivocada e inconstitucional ao artigo 16, parágrafo 3º, da Lei 6.830/1980.
De fato, ao vedar a compensação em sede de embargos, a regra se limita a impedir que esta ação tenha efeito reconvencional — tentativa, por parte do executado, de extinguir o débito com créditos que acaso detenha contra a Fazenda exequente —, não impedindo a discussão do fundamento mesmo da exigência, o que constituiria violação à ampla defesa e ao direito de acesso ao Judiciário. O direito de discutir tributos continua em perigo, como apontamos na coluna de abril — clique aqui para ler.
Feitas as contas, tem-se que os avanços foram maiores do que os reveses, o que nos anima para os combates mais árduos e mais numerosos que se anunciam para este ano.
Feliz 2013 a todos!

[1] Excluídas as que se limitaram a reconhecer a repercussão geral a recursos extraordinários ou a afetar recursos especiais à sistemática dos repetitivos, sem lhes decidir o mérito.
[2] A circunstância de o furto dar-se na etapa distribuidora → consumidor final, hipótese versada em nossa coluna de março, ou na etapa geradora → distribuidora, situação subjacente ao aresto ora referido, é de todo irrelevante, pois o imposto é pago por substituição para trás quando do fornecimento ao consumidor, e que a base de cálculo (a contemplar todas as operações anteriores) é o preço faturado contra este.

by Igor Mauler Santiago é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG. Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.
 
 
 
 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

STF entre seus papéis contramajoritário e representativo

Luzes da ribalta
“Vidas que se acabam a sorrir
Luzes que se apagam, nada mais
É sonhar em vão tentar aos outros iludir
Se o que se foi pra nós
Não voltará jamais
Para que chorar o que passou
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
Renascerá em outros corações”.
Charles Chaplin
(Versos em português: Antônio de Almeida e João de Barro)[1]
 
Introdução
O título da música lembrada na abertura dessa resenha ilustra o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo de 2012, quando esteve no centro do palco dos acontecimentos nacionais, sob luzes intensas e grande atenção da plateia. Os versos se aplicam aos diversos atores que participaram do enredo da Ação Penal 470. Quando o trem da história mudou de trilho e passou veloz, idealistas e oportunistas foram atropelados em um acidente coletivo e de grandes proporções. Ainda não é possível olhar para o episódio com distanciamento crítico e perspectiva. Mas não se pode falar do ano de 2012 sem uma reflexão sobre o mais longo e complexo julgamento da história do Tribunal.
A presente retrospectiva é dividida em três partes, cada uma delas de certa forma autônoma em relação às demais. Na primeira parte, faz-se uma breve reflexão teórica sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal em 2012, acrescida de um registro fático sobre as mudanças na composição e na presidência da Corte. A segunda parte contém o levantamento, em dez itens, das decisões mais emblemáticas proferidas pelo STF em 2012, cada uma delas acompanhada de um breve comentário. O ano foi bastante atípico, tendo sido assinalado pelo julgamento da ação penal referida acima, também conhecida como processo do “Mensalão”. Por fim, na terceira parte, faz-se uma reflexão sobre o futuro do STF e da jurisdição constitucional, com uma análise envolvendo questões político-institucionais, de agenda e de funcionamento da Corte.
 
Parte I

Afinal, quem fala em nome do povo?
 
I. O STF, a soberania popular e a opinião pública
O constitucionalismo democrático foi a ideologia vitoriosa do século XX em boa parte do mundo, derrotando diversos projetos alternativos e autoritários que com ele concorreram. Tal arranjo institucional é produto da fusão de duas ideias que tiveram trajetórias históricas diversas, mas que se conjugaram para produzir o modelo ideal contemporâneo. Democracia significa soberania popular, governo do povo, vontade da maioria. Constitucionalismo, por sua vez, traduz a ideia de poder limitado e respeito aos direitos fundamentais, abrigados, como regra geral, em uma Constituição escrita. Na concepção tradicional, a soberania popular é encarnada pelos agentes públicos eleitos, vale dizer: o presidente da República e os membros do Poder Legislativo. Por outro lado, a proteção da Constituição — isto é, do Estado de direito e dos direitos fundamentais — é atribuída ao Poder Judiciário, em cuja cúpula, no Brasil, se encontra o Supremo Tribunal Federal.
Daí a dualidade, igualmente tradicional, que estabelecia uma distinção rígida entre Política e Direito. Nessa ótica, tribunais eram independentes e preservados da política por mecanismos diversos (autonomia financeira e garantias da magistratura, dentre outros). Por outro lado, não interferiam em questões políticas. Para bem e para mal, esse tempo ficou para trás. Ao longo dos últimos anos, todas as resenhas sobre o STF elaboradas e publicadas aqui nesse mesmo espaço debateram o fenômeno crescente da judicialização da vida, revelador do fato de que inúmeras questões de grande repercussão moral, econômica e social passaram a ter sua instância final decisória no Poder Judiciário e, com frequência, no Supremo Tribunal Federal. Em tom crítico, na academia ou no Parlamento, muitos atores reeditaram o comentário de Carl Schmidt, contrário à ideia de criação de tribunais constitucionais, que falava dos riscos de judicialização da política e de politização da justiça. Ao contrário de Hans Kelsen, que os defendia. Não é o caso de reeditar esse debate, já feito nas resenhas anteriores e em textos doutrinários dos próprios autores da presente resenha[2].
O que cabe destacar aqui, por sua relevância para compreensão da atuação do STF este ano, é que a Corte desempenha, claramente, dois papéis distintos e aparentemente contrapostos. O primeiro papel é apelidado, na teoria constitucional, de contramajoritário: em nome da Constituição, da proteção das regras do jogo democrático e dos direitos fundamentais, cabe a ela a atribuição de declarar a inconstitucionalidade de leis (i.e., de decisões majoritárias tomadas pelo Congresso) e de atos do Poder Executivo (cujo chefe foi eleito pela maioria absoluta dos cidadãos). Vale dizer: agentes públicos não eleitos, como juízes e ministros do STF, podem sobrepor a sua razão à dos tradicionais representantes da política majoritária. Daí o termo contramajoritário. O segundo papel, menos debatido na teoria constitucional[3], foi por nós destacado na resenha do ano passado e referido como representativo[4]. Trata-se, como o nome sugere, do atendimento, pelo Tribunal, de demandas sociais e de anseios políticos que não foram satisfeitos a tempo e a hora pelo Congresso Nacional.
Pois bem: circunstâncias diversas têm colocado ênfase no papel representativo do Supremo Tribunal Federal. Apesar de se tratar de uma questão pouco teorizada, o fato é que um olhar reconstrutivo sobre a jurisprudência e a própria postura da Corte permite concluir que ela tem desenvolvido, de forma crescente, uma nítida percepção de si mesma como representante da soberania popular. Mais precisamente, como representante de decisões soberanas materializadas na Constituição Federal e difundidas por meio de um sentimento constitucional que, venturosamente, se irradiou pela sociedade como um todo. Tal realidade é perceptível na frequência com que as normas da Constituição são invocadas nos mais diversos ambientes. Do debate parlamentar às ações de consumo. Das passeatas gays às respostas da comunidade religiosa, ambas expressamente baseadas na mesma liberdade de expressão.
E se a Constituição ganhou as ruas, era apenas uma questão de tempo para que as ruas terminassem batendo à porta do STF, órgão encarregado de dar a última palavra nas questões constitucionais. Em um país dotado de uma Constituição abrangente, de um Tribunal Constitucional prestigiado e de múltiplos legitimados para provocá-lo, a jurisdição constitucional acaba sendo acionada por todos os lados. Pelo estudante que julga injusto perder sua vaga na universidade para um aluno beneficiário das cotas e pelas mulheres que sofrem o drama existencial de uma gravidez de feto anencefálico. Pelos que querem ter o direito de defender a descriminalização das drogas leves ou negar a ocorrência do holocausto, mas também pelos que consideram inconstitucional esse tipo de discurso.
Não raramente, a jurisdição constitucional é deflagrada pelos próprios agentes políticos, embora estejam entre os principais críticos da judicialização: seja pela minoria parlamentar que considera ter sido privada do devido processo legislativo, seja pelo governador de estado a quem não parece legítimo poder ser convocado para depor em CPI. Todos esperam que o STF faça valer o direito constitucional, que não deve ficar à disposição dos detentores momentâneos do poder. E com isso permitem que o Supremo Tribunal Federal processe esse conjunto de questões políticas na linguagem da Constituição e dos direitos fundamentais. Como há vencedores e vencidos nessas contendas, não é possível agradar a todos nem muito menos aspirar à unanimidade. Quem ganha, geralmente elogia a interpretação adequada da Constituição. Quem perde, lastima a invasão do espaço da política pela jurisdição. Tem sido assim desde sempre, em toda parte, dos Estados Unidos à África do Sul.
A permeabilidade do Judiciário à sociedade não é em si negativa. Pelo contrário. Não é ruim que os juízes, antes de decidirem, olhem pela janela de seus gabinetes e levem em conta a realidade e o sentimento social. Em grande medida, é essa a principal utilidade das audiências públicas que têm sido conduzidas, com maior freqüência, pelo STF[5]. Os magistrados, assim como as pessoas em geral, não são seres desenraizados, imunes ao processo social de formação das opiniões individuais. O que não se poderia aceitar é a conversão do Judiciário em mais um canal da política majoritária, subserviente à opinião pública ou pautado pelas pressões da mídia. Ausente essa relação de subordinação, o alinhamento eventual com a vontade popular dominante é uma circunstância feliz e, em última instância, aumenta o capital político de que a Corte dispõe para poder se impor, de forma contramajoritária, nos momentos em que isso seja necessário.
Este ponto é de extrema relevância: todo poder político, em um ambiente democrático, é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. A autoridade para fazer valer a Constituição, como qualquer autoridade que não repouse na força, depende da confiança dos cidadãos. Mas há sutilezas aqui. Muitas vezes, a decisão correta e justa não é a mais popular. E o populismo judicial é tão ruim quanto qualquer outro. É assim, alternando momentos de ativismo e de autocontenção, que a jurisdição constitucional tem se consolidado em todas as democracias maduras como instrumento de mediação das forças políticas e de proteção dos direitos fundamentais[6].
Esta relação do STF com a imprensa, com a opinião pública (o que quer que ela de fato signifique) e com a voz das ruas esteve particularmente em questão no julgamento da Ação Penal 470. O caso será objeto de comentário específico logo adiante. A verdade é que jamais houve um julgamento sob clamor público tão intenso, assim como sob mobilização tão implacável dos meios de comunicação. E é fora de dúvida que o STF aceitou e apreciou o papel de atender à demanda social pela condenação de certas práticas atávicas, que não devem ser aceitas como traço inerente ao sistema político brasileiro ou à identidade nacional. Desempenhou, assim, o papel representativo de agente da mudança. É inegável, todavia, que a superação de linhas jurisprudenciais anteriores, a dureza das penas e o tom por vezes panfletário de alguns votos surpreenderam boa parte da comunidade jurídica[7].
Do ponto de vista técnico, é impossível não exaltar o desempenho de alguns atores do processo. Em primeiro lugar, deve-se registrar a competência com que a denúncia foi construída e, posteriormente, sustentada. Por igual, na tribuna de defesa, brilharam alguns dos melhores advogados criminais do país. De outra parte, foi impressionante o trabalho do relator, ministro Joaquim Barbosa. Dominando amplamente os aspectos fáticos e jurídicos do processo, tornou imensamente difícil a divergência. Por fim, ao realizar, em alguma medida, um contraponto à posição do relator, o revisor, ministro Enrique Ricardo Lewandowski, enfrentou com bravura e fidalguia a incompreensão geral. Aqui cabe um comentário a mais.
A visibilidade pública, a cobrança da mídia e as paixões da plateia criaram, na sociedade, um ambiente mais próprio à catarse do que à compreensão objetiva dos fatos. Divergências maiores ou menores quanto à prova e suas implicações jurídicas eram tratadas pelo público com a exaltação das torcidas futebolísticas. De lado a lado. Esse misto de incompreensão e intolerância levou a episódios de incivilidade como o que foi vivido pelo ministro Lewandowski em uma seção eleitoral em São Paulo. O mesmo ministro, aliás, que havia recebido inúmeras manifestações de apoio popular por seu papel de destaque na condução das Eleições de 2010 e no julgamento que confirmou a validade da Lei da Ficha Limpa. A lição é inequívoca: o reconhecimento popular pode ser efêmero e mutável, e o bom juiz não pode e não deve agir para obtê-lo.
Em ambos os casos, o ministro Lewandowski teve a coragem moral de votar segundo sua consciência jurídica, sendo coerente com suas reiteradas decisões em matéria penal e eleitoral, respectivamente. Essa mesma coragem e compromisso com a dignidade da própria função foram observados, por exemplo, na questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Aurélio a respeito da possibilidade de se aplicar a regra da continuidade delitiva a parte das condenações, bem como na decisão do ministro Joaquim Barbosa, já como presidente da Corte, que negou o pedido de prisão dos condenados antes do trânsito em julgado, remetendo à jurisprudência garantista do STF na matéria. Em nenhum desses exemplos prevaleceu “a voz das ruas”. É possível concordar ou discordar de cada uma dessas posições, pelos mais variados motivos, como é próprio nos regimes democráticos. Mas já não se pode explicar a democracia brasileira sem abrir um capítulo para a contribuição do Supremo Tribunal Federal como instância de reflexão institucional sobre os temas mais importantes para o país.
Cabe agora responder à pergunta que dá título a esta primeira parte da Resenha de 2012: “Afinal, quem fala em nome do povo?”. Em uma democracia, todo poder é representativo, vale dizer, é exercido em nome e no interesse do povo, e deve contas à sociedade. Sendo assim, os três Poderes da República devem falar em nome e no interesse do povo, cada um dentro da sua missão institucional. Interpretar a Constituição e aplicar a lei penal são papéis do Judiciário e, em última instância, do Supremo Tribunal Federal. É o que diz a própria Constituição, expressão máxima da soberania popular. A frase, reproduzida por Ruy Barbosa e banalizada nos dias que correm, de que o Tribunal Constitucional tem o direito de errar por último constitui uma alegoria verdadeira em qualquer Estado constitucional e democrático.
 
II. As mudanças na composição da Corte
Em 2012, dois ministros afastaram-se do STF por aposentadoria, ambos logo após o exercício da Presidência. O primeiro foi o ministro Cezar Peluso, que deixou uma marca de rigor técnico e, especialmente nas matérias que lhe falavam ao coração, defesa apaixonada de seus pontos de vista. Magistrado de carreira e com ampla experiência na dinâmica dos colegiados, exerceu no STF uma liderança natural[8]. Para a vaga por ele deixada, a presidenta Dilma Roussef indicou o ministro Teori Albino Zavascki, então membro destacado do Superior Tribunal de Justiça. Respeitado como jurista e como magistrado, sua indicação foi saudada pelos mais diferentes setores da sociedade.
O segundo a deixar a Corte foi o ministro Carlos Ayres Britto. De formação e estilo singulares, soube exercer uma liderança notável à sua maneira. Demonstrando que é possível conciliar a leveza que lhe é própria com eficiência e energia, conduziu o STF no julgamento mais complexo de sua história, ao menos sob o ponto de vista procedimental. E também em outros casos memoráveis, como aquele em que se afirmou a constitucionalidade da política de cotas. Ao mesmo tempo, deixou para a Corte um legado relevante de racionalização da sua própria atividade, no que se inclui a redução das pautas das Sessões Plenárias a projeções realistas e um começo de reflexão institucional acerca do instituto da repercussão geral, antes que chegue à completa disfuncionalidade. Tudo sem mencionar o fato de ser uma pessoa adorável.
Ao deixar a Corte, passou a Presidência ao ministro Joaquim Barbosa, recém saído da relatoria da Ação Penal 470. É impossível fugir ao registro, tantas vezes repetido, de que se trata do primeiro negro a presidir o Tribunal mais importante do país. De formação técnica sólida, aguerrido na defesa de suas posições e extremamente sério, seu exemplo há de contribuir para que essa característica fenotípica, afinal irrelevante, deixe mesmo de fazer diferença para as próximas gerações de brasileiros.
 
Parte II
Dez questões emblemáticas decididas em 2012
 
I. Critério de seleção
O presente tópico não tem a pretensão de sumariar todas as decisões significativas do ano, que foram muitas, a despeito dos mais de quatro meses em que o STF esteve concentrado na Ação Penal 470. A seleção a seguir enuncia julgados que se destacaram por seu alcance prático ou por sua relevância teórica, servindo para ilustrar as diferentes facetas do protagonismo exercido pela Corte.
 
1. Julgamento criminal do chamado Mensalão (Ação Penal 470/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, aguardando publicação)Um resumo das discussões jurídicas travadas no âmbito da Ação Penal 470 teria, inevitavelmente, dezenas de páginas. Sem prejuízo disso, alguns comentários parecem desde logo possíveis e pertinentes. O primeiro deles é que chega a ser curioso que o caso de maior repercussão na história do STF não tenha envolvido, em seu cerne, a discussão de uma questão constitucional. Ainda assim, temas constitucionais importantes surgiram nas laterais do processo, como a questão da perda automática dos mandatos parlamentares em razão de condenação criminal. Para além dessas questões pontuais, o conjunto da obra tem reflexos constitucionais relevantes. Tal como já foi referido, parece muito nítido que o STF aproveitou a oportunidade para condenar toda uma forma de se fazer política, amplamente praticada no Brasil. Ao proceder assim, o Tribunal acabou transcendendo a discussão puramente penal e tocando em um ponto sensível do arranjo institucional brasileiro.
Quem estava no caminho dessa mudança de percepção foi atropelado, e por isso é compreensível que os condenados se sintam, não sem alguma amargura, como os apanhados da vez, condenados a assumirem sozinhos a conta acumulada de todo um sistema. Por isso mesmo, aliás, é razoável supor que a mudança ficará incompleta caso não se aproveite a ocasião para levar a cabo uma reforma política abrangente, que desça à raiz do problema. Ainda assim, e sem entrar no mérito das condenações individuais, é fato inegável que o Supremo verbalizou e concretizou um desejo social difuso pela extensão do sistema penal aos desvios ocorridos na política e à criminalidade econômica.
É cedo para dizer se isso se refletirá em um endurecimento geral do STF em matéria penal. Outras decisões de 2012 contrariam essa suposta tendência, que não parece dominante na Corte e tampouco representaria avanço. A repressão penal não é algo que deva ser objeto de euforia popular e certamente não deve deixar de ser encarada com a ultima ratio. Para quem queira ver o tema por esse ângulo, o melhor subproduto da Ação Penal 470 não foi o recrudescimento da repressão, e sim a diminuição do caráter seletivo — dura com os marginalizados, mansa com os ricos e poderosos — de que ela ainda se reveste no Brasil.
 
 
Leia na íntegra aqui.
 
 
by Eduardo Mendonça é professor de Direito Constitucional do UniCeub (Centro Universitário de Brasília), mestre e doutorando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
 
by Luís Roberto Barroso é professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor visitante da Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direito pela Yale Law School, Doutor e Livre-Docente pela UERJ, e Visiting Scholar – Harvard Law School (2011).
 
Fonte: ConJur
 
 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Protesto de dívida fiscal é coação, dizem tributaristas

Especialistas em Direito Tributário consultados pela ConJur criticaram a alteração feita pelo governo na Lei 9.492/1997, que entre outras mudanças, regulamentou o protesto em cartório por dívidas tributárias. A Medida Provisória 579, do setor elétrico, foi convertida na Lei 12.767, publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (28/12), que trouxe a novidade. Pelo novo texto, estarão sujeitos a protesto “as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas”. Mas segundo advogados, a medida dá ao poder público uma ferramenta de proteção comercial como forma de coação.
“Com o protesto, o nome do contribuinte passará a figurar no Serasa. É mais uma prova do abuso que se pretende cometer”, afirma o advogado Francisco Giardina, do escritório Bichara, Barata & Costa Advogados. Segundo ele, o governo pretende dar uma “aura de legalidade” a atos contra o contribuinte. “O governo quer dar cabo à grande controvérsia que existia sobre o assunto, na medida em que o protesto, até então, não vinha contemplado na Lei 9.492, de 1997, que trata do procedimento, mas sim em normas estaduais ou atos infralegais.”
O maior impacto da medida, diz Giardina, será sentido pelos contribuintes com débitos de menor valor. “Muitas vezes o contribuinte sequer conhece a origem do débito e o protesto fará com que ele se veja coagido a pagá-lo, uma vez que a discussão judicial da dívida é, para ele, demorada e custosa”.
Segundo o tributarista, apesar de estar agora previsto em lei, o protesto permanece sem legitimidade. Ele afirma que a medida é inconstitucional, uma vez que não tem nenhuma relação com a matéria tratada na Medida Provisória 577/2012, que trata das concessões do setor elétrico, convertida em lei. “A Fazenda Pública já goza de inúmeros privilégios para o recebimento de seus créditos, de forma que o protesto é desnecessário. É um terrorismo da Fazenda Pública.”
Sérgio Presta, do escritório Azevedo Rios, Camargo, Seragini e Presta, afirma que o governo pretende usar a restrição ao crédito para melhorar seus números. "A pretensão do governo é usar a restrição ao credito para aumentar a arrecadação", diz.
Porém, de acordo com o tributarista Igor Mauler Santiago, do Sacha Calmon Mizabel Derzi, nada obriga o mercado — instituições financeiras e outros — a levar em consideração as certidões de dívida ativa protestadas ao fazer a análise de crédito do contribuinte. “O protesto de títulos privados é considerado, pois eles quase certamente terão de ser pagos, dados os princípios que regem o Direito Cambiário. O mesmo não se passa com os tributos, que por uma infinidade de razões, podem ser indevidos, como sabemos todos”, explica.
 
 
 

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