segunda-feira, 29 de abril de 2013

As vítimas do IRPF e as bagatelas que não fazem RIR

No exercício da atividade jurídica e especialmente ao se tratar de tributos, o uso de abreviaturas é muito comum quando escrevemos. Ninguém ignora o que seja CTN (Código Tributário Nacional), IPI, ICMS, ISS, etc. Mas parece ser uma maldade identificarmos o Regulamento do Imposto de Renda como RIR. Afinal, não há graça alguma na maior parte dos seus mais de mil artigos.
O Decreto 3.000, de 26 de março de 1999, embora seja o regulamento em vigor que trata desse imposto, é solenemente desprezado até mesmo pelo poder executivo que o fez surgir. Tanto assim que ele não é consolidado e atualizado há mais de 14 anos, embora muitas de suas regras tenham sido alteradas. Com isso, qualquer pessoa que resolva consultá-lo pode ser levado a erro, ainda que a pesquisa seja feita no portal de legislação da Presidência da República, o planalto.gov.br, suposto repositório atualizado das leis em vigor no país.
Exemplos dessa inconsistência ou não atualização são os artigos 86 e 117 do RIR. O primeiro trata das alíquotas do imposto, que variavam de 15% a 25% e atualmente iniciam em 7,5% e vão até 27,5%. Já os artigos 117 e seguintes cuidam dos ganhos de capital, sem considerar as mudanças introduzidas por legislação posterior.
Por incrível que pareça, no site oficial da presidência, o planalto.gov.br , em meio a mais de mil artigos, só existe um único em que se registra alteração, que é o artigo 33, parágrafo 1º, que cuida do CPF, ali constando alteração feita pelo decreto 4.166, de 13 de fevereiro de 2002.
Ora, qualquer regulamento deve ser sempre atualizado, sob pena de causar ao contribuinte dificuldades na sua aplicação. Qualquer pessoa, ainda que se dedique profissionalmente à aplicação das leis (caso de advogados e contadores, por exemplo) acaba sendo prejudicada em seu trabalho, eis que se perde um tempo enorme na consulta das matérias que deveriam estar sempre à disposição com clareza e presteza, mormente consideradas as facilidades trazidas pela informática.
O poder executivo, graças ao uso abusivo de Medidas Provisórias ou da indecente pressão que exerce sobre um Congresso cada vez mais omisso e acovardado, acaba impondo qualquer coisa que pretenda, por mais confusa que pareça, sem que haja um mínimo debate sobre a conveniência das mudanças impostas.
Para que tenhamos uma singela ideia do emaranhado em que fomos metidos, do verdadeiro cipoal em que nos enredamos, basta que examinemos as leis 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 12.546, de 14 de dezembro de 2011, e 12.715, de 17 de setembro de 2012. A primeira, com mais de 90 artigos, trata de assuntos gerais de tributação, a segunda com mais de 50 artigos refere-se ao chamado Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários e a terceira contendo 79 artigos, mistura contribuições previdenciárias, programa de incentivo à tecnologia, programa de banda larga para internet e inúmeros outros assuntos, alterando diversas leis, medidas provisórias e até decreto-lei.
Esta última (12.715/2012) pode e deve ser considerada em desacordo com o sistema constitucional, pois desobedece a normas da Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998, que seu artigo 7º, inciso II, ordena que:
“a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão.”
Já manifestamos nossa estranheza ante tal irregularidade da seguinte forma:
“Ora, cada lei deveria tratar exclusivamente de um determinado assunto, exposto com clareza em sua ementa. Caso contrário, quando alterar o Código de Trânsito, o congresso pode enfiar um adendo regulando o uso da maconha, ou ao legislar sobre a criação de gado, por exemplo, tentar ali regular o exercício da prostituição. Como se sabe, a imaginação dessa gente não tem limites.”
O artigo 69 da CF estabelece que as leis complementares devem ser aprovadas por maioria absoluta. Mas elas se diferenciam das leis ordinárias também por outros requisitos, o principal deles o que se relaciona com a matéria de que tratam. Isso faz com que haja inegável hierarquia entre as leis, apontando que não pode a ordinária deixar de observar os limites da lei complementar.
O STJ já decidiu que em matéria tributária a lei ordinária não pode contrariar a norma da complementar, considerada de hierarquia superior. Tanto assim é que a ela se atribui competência exclusiva para definir aspectos essenciais da tributação, como se vê no artigo 146 da CF.
Mas não é só a falta de atualização do texto que indica desatenção ao regulamento. Verificamos que em inúmeros artigos dá-se importância indevida a valores que são meras bagatelas sem importância. Por exemplo: no artigo 718, parágrafo 1º, ao definir quais são os bens que a pessoa física deve incluir na sua declaração, exige-se a indicação de aplicações financeiras ou saldos bancários que ultrapassem míseros R$ 140 e investimentos em ações que superem ridículos R$ 1 mil.
Valores tão irrelevantes não deveriam ser declarados, pelo simples fato de que em nada alteram a situação do contribuinte. Se temos um salário mínimo que gira em torno de R$ 700, mais sensato seria que aqueles valores fossem declarados apenas ao ultrapassar pelo menos R$ 14 mil ou mesmo R$ 28 mil, em proporção ao valor mínimo da renda anual que obriga a própria declaração.
Já deixamos clara, em coluna anterior, a necessidade de que todos os valores fixados na legislação tributária precisam ter seus valores atualizados e colocados na realidade atual. Devemos ter em conta que não há razão lógica suficiente para que praticamente toda a população brasileira seja obrigada a declarar impostos, quando todos sabemos que o seu poder aquisitivo não justifica tal necessidade.
Os conceitos de classes sociais que tem sido divulgados na imprensa ultimamente não condizem com a realidade. Pretender que integre a classe média uma pessoa qualquer cuja renda dá apenas para suas necessidades básicas, mantendo-a no mais das vezes dependente de serviços públicos ou mesmo atrelada a dívidas permanentes, não é razoável e não atende à necessidade de promover o que se convencionou chamar de justiça social. Isso não resolve sequer eventuais crises de auto-estima.
O Imposto de Renda pode e deve ser o mais justo de todos os impostos recolhidos pelo brasileiro. Mas para alcançar esse objetivo, deve corrigir as suas deficiências, a começar pela adoção de uma política realista de correção de valores, em todos os sentidos.
Não é justo, por exemplo, que seja tributado o chamado ganho de capital, quando não se permite uma correção verdadeira e integral dos valores de aquisição dos bens que são vendidos. Mesmo com as mudanças introduzidas nesse caso pela legislação que ainda não está consolidada no regulamento, ainda há incidências mesmo que parciais sobre valores que não constituem ganho de capital ou lucro, mas apenas variação do poder aquisitivo da moeda.
Se o contribuinte adquire um bem que pela simples ação da inflação (de onde sai a correção monetária) tem o seu valor nominal alterado para mais, nada ganhou, não houve ganho de capital algum. Portanto, não tem que pagar nada de imposto e não pode ser vítima de mecanismos que, ao longo do tempo, ora impediram qualquer correção, ora admitiram um arremedo de correção que continua a causar perda real ao patrimônio do cidadão.
Trata-se de confisco, não de tributação, pois não houve lucro. Confisco, como se sabe, é vedado pela CF. Nós, contribuintes, ao pagarmos o tal imposto sobre ganho de capital, quando o bem adquirido não foi integralmente corrigido pela inflação do período, estamos sendo furtados, achacados, tapeados! Não existe justiça nisso!
A nossa relação com o Fisco não pode mais continuar como está. As autoridades fazendárias não podem cobrar imposto com efeito de confisco, porque isso chega mesmo a parecer o crime explícito no CP, artigo 316. Precisamos rediscutir o sistema todo, para corrigir essas distorções e impedir esses abusos.
Mas não é só: não podemos ser tratados como se fôssemos todos sonegadores, fraudadores ou meliantes. A lei existe para punir os que não a cumprem. No caso de sonegação, a pena não é leve, podendo chegar a cinco anos de reclusão.
Já é tempo das autoridades fazendárias reconhecerem que as relações entre servidores públicos e cidadãos são de respeito recíproco: nós as respeitamos, porque são autoridades e elas nos respeitam porque somos cidadãos que as sustentam e porque a lei assim o determina. Essa ridícula propaganda que algum desmiolado inventou ao apelidar o fisco de leão, não faz sentido algum. Lugar de leão é no zoológico, no circo ou na África, não na repartição pública. Os servidores públicos não precisam se fantasiar de animais para nos impor algum medo. A questão é simples: devemos pagar os impostos porque eles são necessários ao bem comum, ao equilíbrio econômico do país e à harmonia social. Não devemos ter medo, mas apenas interesse em vermos respeitados os nossos direitos, todos eles claramente definidos na Constituição.
Não será com ameaças ou com tributação de bagatelas que nos fazem RIR, que faremos deste país o que todos nós merecemos.
 
Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
 
 

Não havia quórum para a admissibilidade da PEC 33

Para quem não viu, durou UM MINUTO – isto mesmo, UM MINUTO – a discussão e votação da admissibilidade da PEC 33/2011, a polêmica proposta de emenda à Constituição que submete parte das decisões do Supremo Tribunal Federal ao controle do Poder Legislativo. Se você não acredita, clique aqui e assista à deliberação na CCJC da Câmara dos Deputados (vídeo, trecho 00min:38seg a 01min:38seg).
Ante a celeuma que se instaurou com essa proposta, a motivar nota do presidente do STF e possível pronunciamento, nesta semana, de todos os ministros do Tribunal, o presidente da Câmara, se quiser, poderá garantir a harmonia entre o Supremo e o Congresso. Há uma alternativa rápida e eficiente para arquivar a PEC 33/2011. Basta Sua Excelência, em questão de ordem (vide RICD, art. 95), anular a votação que admitiu a PEC. O fundamento é simples: a deliberação violou o art. 47 da Constituição.
No breve minuto de discussão e votação, vê-se no vídeo que não havia maioria absoluta dos membros da CCJC. Ora, sem a presença da maioria absoluta, é nula, írrita, inválida a votação, pois, “[s]alvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros” (CF, art. 47).
Vozes contrárias argumentarão que a lista de presença daquela reunião poderá atestar que havia maioria absoluta dos membros da CCJC. Mas isso não conta. O que importa é o quórum no MOMENTO da deliberação. Se nesse momento não estiver presente a maioria absoluta dos membros, a decisão parlamentar é destituída de validade. Essa é a inteligência do art. 47 da Constituição, norma taxativa do devido processo legislativo.
Oportuno salientar que a presença dos deputados ou senadores, em momentos de deliberação, só pode ser aferida nominalmente ou pelo painel eletrônico de votação. O que não ocorreu com a PEC 33, votada por meio de processo simbólico que é, a toda evidência, incompatível com o art. 47 da Constituição, uma vez que não revela QUEM estava presente, QUEM votou contra ou a favor da proposta ou QUEM se absteve de votar. E como diz o ministro Celso de Mello, “os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério”.
Por outro lado, adotando um entendimento mais rigoroso, e inédito, haverá também aqueles que, invocando a primeira parte do mesmo art. 47, sustentarão a necessidade do quórum de três quintos para aprovação da admissibilidade da PEC. O mesmo quórum qualificado exigido para aprovação, no plenário de ambas as Casas, do mérito da proposta de emenda à Constituição (CF, art. 60, § 2º).
Uma coisa, porém, é certa. Seja por não estar presente a maioria absoluta, seja pelo entendimento inovador que estende o quórum de três quintos para aprovação de PEC nas comissões, não havia quórum para deliberar a admissibilidade da PEC 33. Esse fundamento, por si, é suficiente para arquivar a proposta. Sem prejuízo, é claro, do princípio da separação dos Poderes (CF, art. 60, § 4º, III), que NÃO é uma noção abstrata, como declarou o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, em nota divulgada na última sexta-feira, 26/4.
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ISRAEL NONATO, bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Estudou Direito Constitucional no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). É editor do blog Os Constitucionalistas.
 
Notas:
[1] Para ler o inteiro teor da PEC 33/2011, bem como acompanhar a sua tramitação, clique aqui.
[2] ”Considera-se questão de ordem toda dúvida sobre a interpretação deste Regimento, na sua prática exclusiva ou relacionada com a Constituição Federal” – art. 95 do RICD.
[3] A Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados compõe-se de 61 membros titulares. Clique aqui para conferir a distribuição das vagas.
 
 

Tentativa de enquadrar STF é retrocesso de 80 anos

A tentativa do deputado federal Nazareno Fonteles (PT-PI) de enquadrar o Supremo Tribunal Federal por meio da Proposta de Emenda à Constituição 33/2011 representa um retrocesso institucional histórico de quase 80 anos. Se aprovada, o que é improvável, a proposta faria com que o Brasil voltasse ao período do Estado Novo de Getúlio Vargas, regime instalado após um golpe em 1937, que impediu as eleições previstas para o ano seguinte e durou até 1945.
Pela proposta de Fonteles, aprovada sem qualquer discussão pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados na quarta-feira (24/4), as decisões do Supremo que declarem a inconstitucionalidade de emendas à Constituição não gerarão efeito até que o Congresso Nacional se manifeste sobre sua legitimidade. No caso de os parlamentares rejeitarem a decisão, ela será submetida à consulta popular.
O texto em tudo se assemelha à regra prevista no artigo 96, parágrafo único, da Constituição de 1937, outorgada por Vargas em 10 de novembro daquele ano.
A Carta fixava o seguinte: “Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do presidente da República. Parágrafo único — No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do tribunal”.
Na prática, contudo, quem tinha o poder de rever as decisões do Poder Judiciário, mesmo com base em critérios bastante subjetivos, era o presidente da República. Isso porque o artigo 180 da mesma Constituição dava estes poderes a Vargas. De acordo com a regra, “enquanto não se reunir o Parlamento nacional, o presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União”.
Sem o Parlamento ativo, Getúlio Vargas usou da prerrogativa de cassar decisões do Supremo em, pelo menos, duas ocasiões. Uma delas por meio do Decreto-Lei 1.564, de 5 de setembro de 1939 —clique aqui para ler o decreto. O Supremo havia declarado inconstitucional lei que sujeitou à incidência de imposto de renda os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais.
Para derrubar a decisão do Supremo, Vargas considerou que “a decisão judiciária não consulta o interesse nacional e o princípio da divisão equitativa dos poderes”. A decisão do presidente foi publicada no Diário Oficial da União em 8 de setembro de 1939, Seção 1, página 21.525.
Voltemos ao país de hoje, onde as instituições caminham em franco processo de amadurecimento sob a proteção da Constituição de 1988 que, apesar de prolixa, garantiu o Estado Democrático de Direito e a estabilidade que o país vivencia há 25 anos. O que está em jogo na discussão é nada menos do que a cláusula pétrea insculpida do artigo 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Há uma clara tensão — que não é sinônimo de crise — entre os poderes Legislativo e Judiciário, instalada por decisões contramajoritárias do Supremo. Existem vários exemplos. Desde decisões que, na prática, fazem a reforma política pela via judicial — caso da declaração de inconstitucionalidade da cláusula de barreira e da instituição da fidelidade partidária — àquelas que provocam avanços sociais por conta de impasses morais no Congresso — permissão de interrupção de gravidez em caso de fetos anencéfalos e a equiparação da união homoafetiva à união estável entre casais formados por um homem e uma mulher.
O julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, foi apenas o ápice do acirramento dessa tensão. De qualquer maneira, a aprovação pela CCJ da Câmara da PEC 33, como lembrou o ministro Marco Aurélio, soa como retaliação. “Eu não imagino essa virada de mesa que pretendem, e muito menos em cima de um julgamento como foi o da Ação Penal 470”, disse o ministro, ao ser questionado sobre a possível motivação da aprovação da proposta. “Eu não posso imaginar o que haveria como móvel dessa proposta. Agora, já diziam os filósofos materialistas gregos há 2,5 mil anos: nada surge sem uma causa. Não posso bater palmas para os integrantes da comissão”, afirmou Marco Aurélio.
Não faltam críticas, algumas muito bem embasadas, ao chamado ativismo judicial. Até ministros do próprio Supremo já admitiram que é tempo de o tribunal começar a formar uma jurisprudência de autocontenção para não avançar demais em assuntos políticos. Mas, justiça seja feita, o Supremo não age espontaneamente. Tem de ser provocado para que decida. E no caso de decisões políticas, como a que foi tomada nesta quarta-feira pelo ministro Gilmar Mendes (clique aqui para ler STF suspende tramitação de projeto que inibe criação de partidos políticos), o Judiciário é provocado pelos próprios membros do Congresso.
Pelo texto da proposta assinada por Nazareno Fonteles, as súmulas vinculantes aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal também deveriam ser submetidas à análise do Congresso antes de surtirem efeitos. E sua aprovação, assim como a declaração da inconstitucionalidade de quaisquer leis, teria de se dar por votação de quatro quintos dos integrantes do tribunal. Trocando em miúdos, com os votos de nove dos 11 ministros que compõem a Corte.
O quórum poderia inviabilizar o trabalho do Supremo ou gerar situações tragicômicas, como uma votação em que oito ministros consideram determinada lei inconstitucional, mas ela continua em vigor porque três dos juízes votaram por sua constitucionalidade. A principal atribuição do Supremo fixada no artigo 102 da Constituição de 1988, de guardar a Carta Cidadã, estaria comprometida e entregue ao Poder Legislativo.
O Poder Legislativo se tornar o guardião da Constituição não seria necessariamente uma novidade — era assim há 200 anos. A Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, fixava, em seu artigo 15, que cabia à Assembleia Geral, formada pela Câmara e pelo Senado, interpretar as leis, “velar na guarda da Constituição e promover o bem geral da nação”.
Mais fácil, neste caso, seria entregar ao Congresso a chave do Supremo Tribunal Federal, como observaram muitos juízes e advogados após as notícias da aprovação da PEC 33 pela CCJ da Câmara. Os mesmos críticos que estranharam o silêncio de entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil, sobre o assunto.
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RODRIGO HAIDAR, editor da ConJur em Brasília.
 

Vaga no Supremo: Barroso é o mais indicado em enquete da ConJur

 
O constitucionalista Luis Roberto Barroso (foto) desponta como favorito à indicação para a vaga do ministro Ayres Britto do Supremo Tribunal Federal. Pelo menos em enquete feita pela ConJur sobre a preferência de profissionais representativos do universo jurídico. Participaram da votação ministros, desembargadores, juízes, advogados e promotores.
Sob a garantia do anonimato, 47 pessoas responderam à seguinte pergunta: “Se tivesse esse poder, quem você escolheria para ministro do STF?”. Não foram sugeridos nomes. Barroso contou com a preferência de 17 participantes. Na sequência, vieram os tributaristas Heleno Torres, que obteve sete indicações, e Humberto Ávila, com cinco votos.
Professor de Direito Constitucional da UERJ, Luis Roberto Barroso é figura frequente nas bolsas de apostas a cada vez que uma vaga é aberta no Supremo. Fontes próximas ao Planalto afirmam que o constitucionalista tem o perfil para o cargo, mas desconversam quando a pergunta é sobre as reais chances de o professor assumir o posto. “É um ótimo nome”, é a resposta mais frequente.
O tributarista Heleno Torres chegou a se encontrar com a presidente da República, Dilma Rousseff, para conversar sobre a vaga de Britto. Por conta do encontro, Torres chegou a ser anunciado ministro pela imprensa. “Conversamos sobre o cargo e fiz uma apresentação técnica, mas não recebi convite”, disse à ConJur. O vazamento do encontro irritou a presidente e teria tirado o tributarista da corrida, caso o Planalto não tivesse identificado que ele não foi responsável por promover a falsa informação da nomeação — clique aqui para ler reportagem sobre o assunto.
Outro nome que ganhou força na disputa é do professor de Direito Civil Luiz Edson Fachin. O advogado também já conversou com o Planalto. Ele foi lembrado por apenas um participante da enquete da ConJur. Entre os cotados de fato figuram ainda dois membros do Ministério Público. O subprocurador da República Eugênio Aragão é um deles. O procurador é ligado ao atual presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, e tem a torcida do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. O outro candidato é o procurador de Justiça gaúcho Lênio Streck. Na enquete feita pela revista, Streck teve três votos.
O advogado e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Marcelo Nobre, foi votado por um dos participantes da enquete. Ele também é cotado para a vaga por conta do apoio de nomes como o presidente do PT, Rui Falcão, e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, do Supremo, também são simpáticos ao nome de Nobre, que já esteve com o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, conversando sobre a vaga de Britto.
Os demais votos foram pulverizados. A ministra Nancy Andrighi, do STJ, teve dois votos. Com um voto cada foram citados os ministros Eliana Calmon, Herman Benjamin, Isabel Galloti e Sidnei Beneti, do STJ; os também ministros Ives Gandra Martins Filho e Maurício Godinho Delgado, do TST; os desembargadores Newton De Lucca, Marga Inge Barth Tessler, Carlos Vico Mañas, Marcelo Navarro, Oswaldo Capraro e Valmir Pontes Filho; o juiz Ingo Sarlet; os advogados Luiz Edson Fachin, Alberto Toron, Arnaldo Malheiros, Sylvia Steiner, Rui Reali Fragoso, Manuel Alceu Affonso Ferreira e Geraldo Prado, e o procurador de Justiça Rômulo de Andrade Moreira.
 
Rodrigo Haidar,editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Leonardo Léllis, repórter da revista Consultor Jurídico.
 

sábado, 20 de abril de 2013

Tribunal derruba limite de dedução no IR com educação

Ementa
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. LIMITES À DEDUÇÃO DAS DESPESAS COM INSTRUÇÃO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 8º, II, “B”, DA LEI Nº 9.250/95. EDUCAÇÃO. DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL. DEVER JURÍDICO DO ESTADO DE PROMOVÊ-LA E PRESTÁ-LA. DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO. NÃO TRIBUTAÇÃO DAS VERBAS DESPENDIDAS COM EDUCAÇÃO. MEDIDA CONCRETIZADORA DE DIRETRIZ PRIMORDIAL DELINEADA PELO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE GASTOS COM EDUCAÇÃO VULNERA O CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RENDA E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.
1. Arguição de inconstitucionalidade suscitada pela e. Sexta Turma desta Corte em sede de apelação em mandado de segurança impetrado com a finalidade de garantir o direito à dedução integral dos gastos com educação na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física de 2002, ano-base 2001. 2. Possibilidade de submissão da quaestio juris a este colegiado, ante a inexistência de pronunciamento do Plenário do STF, tampouco do Pleno ou do Órgão Especial desta Corte, acerca da questão. 3. O reconhecimento da inconstitucionalidade da norma afastando sua aplicabilidade não configura por parte do Poder Judiciário atuação como legislador positivo. Necessidade de o Judiciário - no exercício de sua típica função, qual seja, averiguar a conformidade do dispositivo impugnado com a ordem constitucional vigente - manifestar-se sobre a compatibilidade da norma impugnada com os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados. Compete também ao poder Judiciário verificar os limites de atuação do Poder Legislativo no tocante ao exercício de competências tributárias impositivas. 4. A CF confere especial destaque a esse direito social fundamental, prescrevendo o dever jurídico do Estado de prestá-la e alçando-a à categoria de direito público subjetivo. 5. A educação constitui elemento imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, estando em estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, sobretudo com o princípio da dignidade da pessoa humana. Atua como verdadeiro pressuposto para a concreção de outros direitos fundamentais. 6. A imposição de limites ao abatimento das quantias gastas pelos contribuintes com educação resulta na incidência de tributos sobre despesas de natureza essencial à sobrevivência do indivíduo, a teor do art. 7 º, IV, da CF, e obstaculiza o exercício desse direito. 7. Na medida em que o Estado não arca com seu dever de disponibilizar ensino público gratuito a toda população, mediante a implementação de condições materiais e de prestações positivas que assegurem a efetiva fruição desse direito, deve, ao menos, fomentar e facilitar o acesso à educação, abstendo-se de agredir, por meio da tributação, a esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos na parte empenhada para efetivar e concretizar o direito fundamental à educação. 8. A incidência do imposto de renda sobre despesas com educação ‘vulnera o conceito constitucional de renda, bem como o princípio da capacidade contributiva, expressamente previsto no texto constitucional. 9. A desoneração tributária das verbas despendidas com instrução configura medida concretizadora de objetivo primordial traçado pela Carta Cidadã, a qual erigiu a educação como um dos valores fundamentais e basilares da República Federativa do Brasil. 10. Arguição julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)” contida no art. 8º, II, “b”, da Lei nº 9.250/95. (TRF 3ª Região, Órgão Especial, Argüição de Inconstitucionalidade 0005067-86.2002.4.03.6100/SP, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, DE 11.05.2012).

Análise
Decisão acerta ao permitir dedução
Recentemente, o Tribunal Re­­gi­­onal Federal da 3º Re­­gião, ao julgar o Agra­­vo de Instrumento n. 2012.03.00.033585-0, reiterou o entendimento mani­festado na Arguição de Incons­titucionalidade n. 0005067-86.2002.4.03.6100/SP, de maio de 2012, que derrubou o limite quantitativo de dedução das despesas com instrução da base de cálculo do Imposto de Renda previsto no art. 8º, inciso II, alínea “b” da Lei nº 9.250/95, estabelecido à época em R$ 1.700. Na elogiável fundamentação da decisão encontramos argumentos como, por exemplo, o de ser a educação um direito social funda­men­­tal, “imprescindível ao ple­­no desenvolvimento da pes­­­soa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo”. Mais: identificou o Judiciário que “Na medida em que o Estado não arca com seu dever de disponibilizar ensino público gratuito a toda população, mediante a implementação de condições materiais e de prestações positivas que assegurem a efetiva fruição desse direito, deve, ao menos, fomentar e facilitar o acesso à educação, abstendo-se de agredir, por meio da tributação, a esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos na parte empenhada para efetivar e concretizar o direito fundamental à educação”. Lembremo-nos de que a educação aparece no texto constitucional em diversos enunciados, como, por exemplo, no art. 6º, no art. 7º, IV, no art. 205, no art. 206, II, IV e VII e no art. 208, I, II, V e § 1º, o que reafirma sua importância. O regime anterior à Lei n. 7.713/88 permitia, por assim dizer, um abatimento amplo de despesas com instrução. Ainda que houvesse um limite global e um limite individual no que se refere a valores, era possível deduzir despesas com livros, material escolar, uniformes, transporte escolar, cursos preparatórios, de idiomas e de esportes, por exemplo. Atualmente, apenas é permitida a dedução dos pagamentos realizados a estabelecimentos de ensino, desde que o gasto diga respeito à educação infantil, ao ensino fundamental e médio, à educação superior e profissional. É lamentável que a legislação do Imposto de Renda estabeleça limitações qualitativas e quantitativas às deduções. Em primeiro lugar porque, salvo engano, livros, material escolar, transporte e uniforme são elementos necessários à educação. Não só. Como aceitar que atualmente despesas com cursos praticamente obrigatórios, como os de idiomas e os de informática, não sejam dedutíveis? Em segundo lugar, porque, anualmente, é pouco provável que alguém gaste, individualmente, tão somente pouco mais de R$ 3 mil com educação. A dedução permitida é irrisória. Se levarmos em consideração uma boa instituição de ensino superior, por exemplo, esse valor cobrirá duas, no máximo três mensalidades.
Com a decisão do final de março, andou bem o Po­­der Judiciário ao permitir que a integralidade dos gastos com educação sejam deduzidos da base de cálculo. Ressaltamos, entretanto, que a decisão em questão não é aplicável a todos, mas apenas à partes do processo.
Maurício Dalri Timm do Valle, mestre e doutorando em Direito do Estado, professor de Direito Tributário e de Direito Processual.

Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/jurisprudencia/conteudo.phtml?tl=1&id=1362038&tit=Tribunal-derruba-limite-de-deducao-no-IR-com-educacao. Acesso em: 20 abr. 2013.
 
 

domingo, 7 de abril de 2013

O humanismo ético de Ronald Dworkin como atitude hermenêutico-jurídica

O falecimento do jurista norte-americano Ronald Dworkin (1931-2013), ocorrido em 14 de fevereiro, marca uma irreparável perda ao mundo acadêmico e, sobretudo, ao pensamento filosófico e prático do Direito. Ao mesmo tempo, é marco para celebração das ideias de um dos mais profícuos pensadores do Direito contemporâneo.
O autor, consagrado e influente no universo jurídico brasileiro por meio de obras como “Levando os Direitos a Sério” e “Uma Questão de Princípio”, entre outros, contribuiu em peso para a formação de um ponto de vista teórico sobre o Direito, essencialmente hermenêutico e comprometido com a integridade deste e dos ideais políticos, em integração com diferentes formas de saber humano.
A fluência conceitual e interpretativa do autor são marcantes e memoráveis, e essa marca decorrente tanto de sua competência argumentativa quanto dos próprios traços de seu ordenamento jurídico de base contribuem para a articulação da interpretação do Direito brasileiro, articulando o raciocínio jurídico feito a partir de nossos preceitos vigentes.
A relação entre enfrentamentos conceituais e casos práticos também acentua as qualidades intelectuais do autor, que propõe tanto uma leitura da teoria geral do direito quanto a sua projeção em casos concretos, vinculando ambas as dimensões.
Com isso, o autor reafirma a indissociabilidade de teoria e prática coadunadas na compreensão do Direito enquanto uma série de atitudes compreensivas, enunciativas e discursivas em torno de conceitos interpretativos, manejados a partir de compreensões sobre a própria natureza do direito (enquanto corpo de atitudes: interpretativa, autorreflexiva, contestadora, construtiva e fraterna).
De todas as questões de Ronald Dworkin, pode-se destacar, como celebração de seu pensamento e, sobretudo, de sua cosmovisão jurídico-política, a presença marcante da noção de um “ideal humanista”, o qual é explicitado na obra “A Virtude Soberana”, mas que marca toda a produção do autor.
Para Dworkin o “ideal humanista”, que orienta o direito nas democracias e Repúblicas contemporâneas, seria um ponto de convergência da liberdade, da igualdade e da responsabilidade como valores políticos e cívicos. Tais valores devem ser pensados e praticados a partir e em conjunto aos demais valores políticos e morais e também devem ser compreendidos holisticamente.
A marca da estética no pensamento dworkiniano firma-se também no modo em que recomenda a visualização desse “ideal humanista”, em que se integram os valores cívicos e políticos: tal como uma “cúpula geodésica” (estrutura arquitetônica desenvolvida por Richard Buckminster Füller), formando uma “estrutura humanista” coerente com a virtude da integridade do direito, em que um valor articula e intensifica o outro, em uma sustentação recíproca e na construção de um todo protetivo do seu interior (o ser humano).
O “humanismo ético” ínsito a essa estrutura assume a dimensão de individualismo ético, determinante do valor associado à vida humana, conforme conceitua Dworkin. A compreensão da “vida humana” proposta pelo pensador é complexa e se aproxima aos preceitos fundamentais da filosofia da libertação, que entende a vida como modo de realidade do sujeito em comunidade. O movimento que conhece a realidade e a valora a partir dos valores do direito (ou de um referencial ético) é similar.
Nesse contexto, tem-se que pensamento de Dworkin é profícuo no manejo de conceitos interpretativos (liberdade, igualdade, responsabilidade, democracia, direito, humanismo), que são problemáticos e expansivos em essência e que demandam o movimento construtivo do intérprete.
A atitude interpretativa, portanto, se coaduna no labor e esforço hermenêutico, construindo-se os sentidos na prática cognoscente e argumentativa, estabelecendo-se os compromissos e propósitos, contemporizando os espaços de divergências característicos da democracia, verificando-se legitimidades e pleitos determinados.
A concepção do Direito integrada por meio de corpo de atitudes permite, assim, o manejo amplo dos sentidos depreensíveis das categorias jurídicas, em especial a potencialidade dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, vetorizando-lhes aos demais princípios e objetivos constitucionais.
Tal potencial se afirma quando as interpretações jurídicas podem ser pensadas diante da ontologia fundamental do ser humano e de sua vida (considerando-se as vidas individuais concretas), em comprometimento com a “manutenção das vidas afirmadas” e “transformação das vidas negadas” (conforme expressões de Celso Ludwig).
Assim, o “ideal humanista” de Dworkin, enquanto referencial de compreensão da própria natureza do Direito, por meio do individualismo ético que enfoca o valor associado à vida humana pela comunidade político-jurídica, orienta o manejo dos conceitos interpretativos jurídicos, permitindo, assim, a formatividade da metáfora do domo geodésico humanista, que expressa a integridade do Direito e estabelece o pressuposto inicial hermenêutico-jurídico.
by Eliseu Raphael Venturi, advogado, é especialista em direito público pela Escola da Magistratura Federal no Paraná e mestrando em direitos humanos e democracia pela Universidade Federal do Paraná.
 
 

A inconstitucionalidade da PEC Evangélica

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou recentemente a PEC 99/11, batizada de "PEC Evangélica". A proposta inclui entidades religiosas de âmbito nacional entre aquelas que podem propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao STF. Entre estas entidades estão, por exemplo, a CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, e a Convenção Batista Nacional.
À evidência, a emenda é inconstitucional, conquanto a laicidade do Estado Brasileiro é medida imperativa e prevista na CF/88, vale dizer, administra-se o país por meio do Direito posto objetivo e não em razão de dogmas canônicos ou religiosos outros que, em tese, legitimariam a ação de entidades religiosas por meio de provocação do controle difuso pelo Guardião da Lei Maior.
Com a PEC, projeta-se o acréscimo do inciso X ao art. 103 da CF/88, para acrescer ao rol de legitimados para propositura de ADIn e ADC as chamadas associações religiosas de âmbito nacional, em tese, aquelas que contariam com representação ao menos em nove Unidades da Federação.
Que o controle de constitucionalidade difunde e consagra a segurança jurídica a partir da Supremacia da Constituição, não há dúvidas. Lembra-se, entretanto, que há mecanismos outros que franqueiam a participação democrática de qualquer tipo de representação, maioria ou minoria, mesmo sob o prisma estritamente religioso, tais como ações de efeitos concretos, dentro do Princípio da Inafastabilidade, audiências públicas, representações perante órgãos de controle e demais legitimados e tudo quanto mais o sistema jurídico permitir a atuação certeira em face de possíveis efeitos concretos e danosos, oriundos de leis e atos normativos quaisquer, à liberdade de culto e religião ou à eventual isenção tributária.
Não por menos, a CNBB, inclusive, funcionou como amiga da Corte na ADIn que questionava pesquisas com células tronco, mais precisamente quando se lançou dúvidas acerca da constitucionalidade do art. 5º da lei 11.105/05, chamada lei de biossegurança, com participação ativa no julgamento da causa, um exemplo interessante de que questões importantes poderão ser temperadas pela visão axiológica esperada pelo projeto.
O que nos chama a atenção, justamente, é a exposição de motivos. Não se justifica a casuística com a qual se tenta explicar a necessidade de que movimentos evangélicos e religiosos, a esbarrar no conceito hodierno de que emenda à CF seja realizada se e quando na vanguarda para consecução dos objetivos da República, garantam a liberdade de culto e religião, que, de resto, foram elevados pelo art. 5º da CF como direitos fundamentais, cláusula pétrea inatingível à ação de quem quer que seja.
Também não há omissão a ser sanada pelo Poder Reformador Derivado, como se acenou na mídia. O silêncio do Constituinte Originário, neste caso, foi eloquente e consentâneo com a própria separação entre Estado e religião.

by Fabio Martins Di Jorge, advogado do escritório Peixoto E Cury Advogados.