domingo, 26 de maio de 2013

Quem detém a última palavra sobre o significado da Constituição?

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 33 altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para a declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição. Também estabelece que, caso o Congresso Nacional se manifeste contrariamente à decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, a controvérsia seja submetida à consulta popular.
Como encarar essa proposta de emenda à Constituição? Ela é reação vingativa do Poder Legislativo contra o Poder Judiciário ou mera disputa de poder entre os juízes e legisladores para definir quem tem a última palavra sobre o significado da Constituição? A PEC 33 pode abrir novas possibilidades na forma como se encara a separação entre os poderes e a forma de cada um exercer suas competências e funções?
A PEC 33 pode representar a possibilidade de se estabelecer uma reflexão mais profunda e também mais profícua sobre a separação entre os poderes e como deve se dar a interação entre eles, especialmente quando essa relação envolve o significado, conteúdo e alcance dos direitos e deveres previstos pela Constituição de 1988.
Nesse sentido, ao se afirmar que ao Supremo Tribunal Federal (STF) cabe a defesa da Constituição e daí se concluir que só ele, e apenas ele, pode definir qual é o significado da Constituição tem-se uma compreensão limitada, desprovida de justificação, conteúdo e legitimidade. Se é certo que o constituinte definiu no art. 102 da Constituição da República que ao STF cabe a guarda da Constituição, o significado dessa norma não é dado como a leitura mais apressada ou mais ingênua quer fazer crer. Ao contrário, o conteúdo e alcance dessa norma deve ser construído, definido pelo intérprete. O STF ao interpretar esse seu dever previsto pela Constituição estabeleceu que ele, como guardião da Constituição, é quem detém a última palavra sobre a interpretação da Constituição. Vale aqui a seguinte pergunta: por que razão é o STF o intérprete privilegiado da Constituição e sua palavra, terminal, em relação ao que quer dizer a Constituição?
Há, assim, uma supremacia do órgão judicial (o STF) em relação à interpretação da Constituição. Contudo, do ponto de vista democrático e deliberativo sobram motivos para não naturalizar essa atividade como absoluta e exclusiva do STF, bem como para criticá-la. Essa postura da supremacia judicial não fomenta uma ação conjunta, coordenada e colaborativa entre os Poderes na definição do que é a Constituição e dela resulta uma disputa (e não um diálogo) entre os poderes sobre quem então deve ter a última palavra. Assim, ao invés dos poderes buscarem de forma dialógica e colaborativa a melhor resposta sobre o significado da Constituição, eles passam a disputá-la, não importando se a resposta será boa ou ruim; se protegerá ou não nossos direitos fundamentais.
O que queremos, portanto, sublinhar e defender nesta brevíssima análise é a possibilidade de a PEC 33 ser compreendida como uma tentativa de se estabelecer um verdadeiro diálogo institucional entre os poderes, bem como de devolver ao povo a decisão final sobre o significado da Constituição quando não houver entendimento entre o Judiciário e o Legislativo sobre uma determinada controvérsia constitucional. Ao contrário de leituras precipitadas e levianas, as quais endeusam o Judiciário e demonizam o Legislativo (ou vice e versa), entendemos que um tal arranjo pode servir para melhorar não só as relações entre os poderes, mas também no interior dos próprios poderes e, sobretudo, responder a pergunta sobre quem e o que deve se beneficiar com a separação de poderes, isto é, o povo e, consequentemente, a concretização de seus direitos fundamentais.
Outro ponto importante a ser considerado é que a PEC 33 prevê a solução da controvérsia mediante consulta popular, a qual, em geral, é realizada por meio de plebiscito. No entanto, é preciso ressalvar que o plebiscito a ser realizado deve oportunizar um debate coletivo, nacional, entre os cidadãos, para que a resposta a ser dada pelo povo seja fruto de uma discussão, deliberação, ampla, pública, robusta e não a mera constatação de posições individuais.
Diante disso, por um lado, a PEC 33 pode promover esse debate ausente sobre como se deve encarar a separação entre os poderes no Brasil, sobre as formas de atuação e interação dos poderes no exercício de suas funções e competências, especialmente sobre a interpretação e significado da Constituição. Por outro lado, e é importante que se afirme, o que não é digno de consideração é o uso da PEC 33 como raivosa reação do Congresso Nacional às atuações do STF ou como mera resposta revanchista que busca mitigar o papel do STF na interpretação da Constituição. Nesse caso, ela se apresenta como uma proposta não apenas injustificada, mas também demagógica.
A forma como os poderes e a sociedade brasileira irão lidar com a PEC 33 – como mera disputa por poder entre o Legislativo e o Judiciário ou como possibilidade de se repensar a forma de atuação e interação entre os poderes – será reveladora do compromisso que ambos têm (ou não) com o seu conteúdo, isto é, com a realização de um constitucionalismo e de uma democracia genuínos.
 
Miguel Gualano de Godoy, mestre e doutorando em Direito Constitucional, é pesquisador do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia (UFPR). Vera Karam de Chueiri, vice-diretora da Faculdade de Direito da UFPR, é coordenadora do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia (UFPR).

Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/artigos/conteudo.phtml?tl=1&id=1370813&tit=Quem-detem-a-ultima-palavra-sobre-o-significado-da-Constituição. Acesso em: 26 mai.2013.
 

sábado, 25 de maio de 2013

Emocionante discurso proferido pelo professor Luís Roberto Barroso em formatura da UERJ

"Creio no bem, na justiça, no amor e na tolerância. E creio na gentileza e no bom humor como uma boa forma de realizá-los". Esse o tema do discurso de formatura da última turma da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, que teve como paraninfo o professor Luís Roberto Barroso. A pedido de Migalhas, o constitucionalista reviu a versão degravada do texto, intitulado 'O mundo aos seus pés', publicado aqui com exclusividade.
  • Confira abaixo o discurso na íntegra.
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O MUNDO AOS SEUS PÉS
Luís Roberto Barroso
 
I. INTRODUÇÃO
Há coisas na vida que não se repetem. São sempre como se fora a primeira vez. Ser paraninfo de uma turma como a de vocês é uma delas. A alegria profunda que senti quando Thiago e Julia – representando toda a turma – me trouxeram a notícia da escolha do meu nome e a emoção genuína que eu sinto nessa tribuna documentam que esse é um momento único. Gostaria de dizer a vocês nessa hora de despedida algumas coisas que talvez possam ajudá-los a viver uma vida boa, uma vida ética, uma vida feliz. Alguns valores e crenças que cultivo. Não crenças religiosas, que a religião é um espaço da vida privada. Mas uma fé racional, uma atitude diante da vida.
Aqui vão elas: Creio no bem, na justiça, no amor e na tolerância. E creio na gentileza e no bom humor como uma boa forma de realizá-los.
II. BEM
Creio no bem, mesmo quando não posso vê-lo. Mesmo quando não consigo entender exatamente porque as coisas acontecem. Creio no bem como uma energia permanente e crescente, desde o início dos tempos. A força propulsora do processo civilizatório, que nos levou de uma época de aspereza, de sacrifícios humanos e de tiranias diversas à era dos direitos humanos, da democracia, da busca da dignidade da pessoa humana. Minha crença sofre, mas não se abala, com o fato de que estas não são realidades concretas em todas as partes do mundo nem para toda a gente. As idéias demoram um tempo razoável desde quando conquistam corações e mentes até se incorporarem efetivamente à vida das pessoas. Mas o rumo certo é mais importante do que a velocidade .
O Bem é feito da boa-fé, essa conquista do espírito, que consiste em não querer passar os outros para trás. E de bons sentimentos, que é a atitude positiva e unilateral de querer bem às pessoas em geral. Um dos segredos da vida é jamais dar reciprocidade a mau-sentimento. Ah, sim: quando falo do Bem, não me refiro a um bem ascético, sisudo, circunspecto, que não perde o vinco nem desmancha o cabelo. Falo de um Bem que não sacrifica a alegria de viver, que tem olhos de ver, que se amassa e se descabela. Que sabe escolher bem. E que acredita, com Fernando Sabino, que no final, tudo acaba bem. Se ainda não está bem, é porque não chegou ao fim. Eis aí minha primeira crença essencial: querer bem, fazer bem, viver bem. E dormir bem.
III. JUSTIÇA
Creio – com reservas, mas empenhadamente – na justiça dos homens. Sei que ela tarda, às vezes falha e tem uma queda pelos mais ricos. Mas eu conheço uma legião de pessoas decentes, juízes, promotores, defensores, advogados que se dedicam ao seu ofício com tal integridade, que não posso deixar de acreditar no que eles fazem. Gente que cumpre bem o seu papel, grande ou pequeno. Considero que este é outro segredo da vida: fazer bem feita a parte que lhe toca. Tudo o que merece ser feito merece ser bem feito. Mas creio, sobretudo, na Justiça do universo, no curso da história, no processo civilizatório, em um futuro de fraternidade e delicadeza. Creio na redistribuição paulatina do poder e da riqueza e creio na progressiva inclusão social dos excluídos. Sobre a justiça, gostaria de dizer-lhes ainda duas coisas.
A primeira: a justiça não é incompatível com o perdão, com a compaixão, com a solidariedade às vidas que não deram certo. Ouvi de um grande juiz a seguinte confissão: “Ao longo da vida, já me arrependi de ter sido justo, mas nunca de ter sido bom”. A segunda: a justiça não é feita de certezas absolutas ou de verdades plenas. A vida tem muitos pontos de observação. Às vezes, cada um de nós terá dúvida interna real sobre o que é certo e justo. Lembro-me sempre da história do advogado que, após haver vencido a causa, comunicou ao seu cliente: “Fez-se justiça”. Ao que o cliente respondeu: “Vamos recorrer imediatamente”.
IV. AMOR
Creio no amor. O que vale a vida são nossos afetos. Creio no amor dos pais pelos filhos, dos filhos pelos pais. (Quanto tempo a gente leva nessa vida para descobrir que quem sabia das coisas eram nossos pais!). Creio no amor próprio, que dá paz e segurança nos caminhos da vida. Mas não no amor narcísico, na obsessão de si. Creio no amor ao próximo, na bênção que é o sentimento de fraternidade. Gostar das pessoas como uma atitude padrão. Sejam generosos. No balanço final da vida, a gente é julgado pelo que faz de graça, por amor ou compaixão. A propósito, creio no amor apaixonado, de um homem por uma mulher, de uma mulher por um homem. De uma pessoa por uma pessoa. Creio que qualquer maneira de amar vale a pena e que todo amor deve ousar dizer seu nome. E desejo a cada um de vocês que encontre o amor como o que foi imortalizado por Jorge Luis Borges nessa linda declaração: “Estar com você ou não estar com você é a medida do meu tempo”.
V. TOLERÂNCIA
Creio na tolerância. Na capacidade de compreender e respeitar o outro, aquele que é diferente da gente. O mundo contemporâneo é feito de pluralismo e diversidade. Há muitos projetos de vida legítimos. Há múltiplas raças, religiões, ideologias. É preciso escolher os próprios valores e conviver em harmonia com as escolhas alheias. Não falo de um relativismo moral, que não tenha uma idéia do que é bom, certo e justo. Não estejam ao sabor dos ventos ou à mercê de aventureiros. Falo da rejeição ao perfeccionismo moral, que acha que deve universalizar e impor os próprios valores, os seus projetos de vida, como se fossem os únicos. Não creio em verdades absolutas, em dogmas que não podem ser questionados. Creio na razão, na capacidade de compreender e justificar fenômenos e ações. E creio na fé, na capacidade de acreditar no que não pode ser visto ou tocado. Cada um com a sua.
Sou filho de mãe judia e pai católico. Sou tecnicamente judeu em um país cristão. No final da adolescência, fiz um intercâmbio acadêmico nos Estados Unidos e morei com uma adorável família protestante, presbiteriana. Passados mais de 30 anos, continuamos amigos e nos freqüentamos. Durante minha temporada de estudos em Yale, meu vizinho de porta era da Arábia Saudita e, portanto, muçulmano. Na noite em que eu cheguei no apartamento da universidade, a luz ainda não havia sido ligada. O Sheik – era assim o que chamávamos – fez uma extensão lá da casa dele e tivemos uma lâmpada em casa na primeira noite. Depois, me ajudou a montar todos os móveis. Sou eternamente grato àquela curiosa figura, sempre de camisolão e que eu diversas vezes flagrei na garagem tomando um bom conhaque escondido.
Eu creio honesta e sinceramente na igualdade das pessoas. A vida me provou que submetidas às mesmas condições, aos mesmos estímulos ou às mesmas pressões, as pessoas tendem a reagir da mesma forma. São iguais na sua humanidade, nos seus medos, nas suas falhas e nas suas virtudes.
Por fim, dois temperos importantes para a vida.
VI. GENTILEZA
O primeiro é a gentileza. Ser gentil é como fazer a vida acontecer ao som de uma boa música. Precisar não precisa, mas faz toda a diferença. Imaginem um filme, uma novela sem trilha sonora. A gentileza é um toque de classe em um mundo pragmático, apressado, indiferente. Ela é uma forma mais doce, mais amável de dizer a mesma coisa. Por exemplo, em vez de falar: “Nunca ouvi nada tão estúpido!”, considerem de uma próxima vez a seguinte alternativa: “Nunca tinha pensado nisso sob essa perspectiva”. Vejam tudo, deixem passar muita coisa, corrijam um pouco . A gentileza não rende tributo à falsidade. A falsidade é incompatível com todos os valores substantivos de que falei antes. Na vida, na maior medida possível, a gente deve conservar a sinceridade, a autenticidade. Poder ser o que se é e viver o que se prega é uma bênção, uma libertação.
VII. BOM HUMOR
Por fim, tenham bom humor. Não se levem a sério demais. Trafeguem pela vida com leveza, que era uma das propostas de Italo Calvino para o próximo milênio. O humor pode ter malícia, mas não maldade. Lembro-me quando era criança que um dos colegas da rua tinha o apelido de “Rebouças”. Intrigado, meu pai perguntou a razão do apelido. É que o indigitado tinha um nariz enorme e o túnel Rebouças havia sido inaugurado há pouco tempo, como o maior do mundo. Nunca esqueci da frase carinhosa do meu pai: “A gente não deve criticar defeito físico de ninguém. A pessoa não tem culpa nem pode modificar a realidade”. Ou seja: se a crítica não pode ser construtiva, é preciso refletir se ela é cabível e necessária. Hipótese diferente é a da barbearia que havia lá em Vassouras – minha querida terra natal – e que quase foi à falência. Na porta do estabelecimento havia uma placa: “Corto cabelo e pinto”. Pelas dúvidas, a clientela não se arriscava lá dentro. Uma alma bem intencionada, com um pouco de domínio da linguagem, sugeriu pequena alteração nos dizeres: “Corto e pinto cabelo”. O barbeiro viu renascer a clientela. O episódio, aliás, adverte para uma das dificuldades do mundo jurídico: nunca subestimem o poder das palavras e os riscos da ambigüidade da linguagem.
VIII. DESPEDIDA
É boa hora de terminar. Desde o discurso de posse de Barak Obama ficou estabelecido que ninguém deve falar mais do que vinte minutos. Aliás, em matéria de discursos na presidência dos Estados Unidos, tenho passado a vida assombrado desde que li o seguinte: George Washington fez o menor discurso de posse na história americana, com apenas 133 palavras. William Henry Harrison fez o maior, com 8.433 palavras, num dia frio e tempestuoso em Washington, D.C. Ele morreu um mês depois, de uma gripe extremamente severa, que contraiu naquela noite. Creio que esta seja a maldição que recai sobre oradores que falam além do seu tempo.
Senhores pais, de sangue e de afeto: somos nós que estamos no palco, mas esta noite é de vocês. Aqui se celebra o sucesso da educação que deram aos seus filhos. Eles estão criados, bem criados. Daqui eles partirão para conquistar o mundo. Respirem fundo.
Meus queridos afilhados: não se esqueçam de ser felizes. Lembrem-se que a felicidade tem mais a ver com atitudes do que com circunstâncias. Voem alto, mergulhem fundo, encontrem o próprio caminho. Não tenham medo de tentar, de recomeçar, de insistir. O maior naufrágio é não partir.
Com essa frase, de um grande navegador , eu me despeço de vocês. Vão em paz. Sejam bons, justos, afetuosos e tolerantes. Com gentileza e bom humor. O mundo se atirará a seus pés.
 
 

Escolha de Barroso para STF faz bem às instituições

Faz bem para as instituições que a presidente Dilma Rousseff tenha escolhido para o Supremo Tribunal Federal (STF) um nome respeitado pela comunidade jurídica brasileira em peso, a começar dos seus futuros colegas. Diferentemente das reservas com que foram recebidas algumas indicações da presidente e do seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, em relação ao advogado Luís Roberto Barroso, de 55 anos, especialista em Direito Constitucional, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e procurador do Estado, chega-se a dizer que de há muito ele merecia integrar a Alta Corte — para a qual esteve cotado, por sinal, já em 2002, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique. O ministro Gilmar Mendes, que prevaleceu à época, elogiou Dilma pela "bela indicação". O ex-ministro Carlos Ayres Britto, que se aposentou em novembro passado e cuja vaga Barroso ocupará, depois da ratificação de praxe pelo Senado, o considera "um jurista completo e um humanista".
Esse último termo alude a atuações que o notabilizaram nos anos recentes e explicam o júbilo das organizações de defesa dos direitos humanos diante de sua escolha. Defendeu perante o Supremo Tribunal três bandeiras caras aos progressistas: a liberação das pesquisas para fins terapêuticos com células-tronco embrionárias, o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo e a permissão para o aborto de fetos com má-formação cerebral (anencefalia). Foi vitorioso em todas as ações. Por fim, uma bancada influente advogou por ele no Planalto — do governador fluminense, Sérgio Cabral, ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, além do secretário executivo da Casa Civil, Beto Vasconcelos, e do ex-deputado federal e também advogado Sigmaringa Seixas, amigo próximo de Lula, a quem deve ter persuadido a se juntar à causa. O fato é que, na quarta-feira, quando Dilma se decidiu, ela e seu patrono tomaram o café da manhã juntos no Palácio da Alvorada.
É de perguntar, portanto, por que a presidente tardou meio ano para se fixar em Barroso e, mais ainda, por que tinha se inclinado, antes dele, pelo tributarista Heleno Torres, da USP (cuja indicação só não se consumou porque vazara como fato consumado para a imprensa, num episódio a que ele não estaria alheio). De toda maneira, há algo errado com o sistema que permite ao chefe do governo levar o tempo que queira para substituir um membro do STF cujo afastamento era previsível. Entre a aposentadoria de Ayres Britto e a escolha de Barroso transcorreram seis meses e uma semana; entre a aposentadoria do ministro Eros Grau, em agosto de 2010, e a escolha de Luiz Fux foram sete meses. Não é aceitável que o Supremo permaneça desfalcado por períodos tão extensos. Nos Estados Unidos, onde é mais difícil que aqui prever quando haverá uma vacância, mesmo assim o processo é célere. Os presidentes americanos sabem que a instituição é importante demais para ficar incompleta além do estritamente necessário.
Barroso será um dos primeiros ministros do STF a se manifestar sobre embargos declaratórios apresentados pelos condenados no processo do mensalão sem ter participado do respectivo julgamento. Chama a atenção, por isso, o artigo que publicou com o colega Eduardo Mendonça no site Consultor Jurídico, em 3 de janeiro. O texto assinala que jamais houve um julgamento "sob clamor público tão intenso" e "mobilização tão implacável" da imprensa. Isso teria criado "um ambiente mais propício à catarse do que à compreensão objetiva dos fatos". Os autores sustentam ainda que "a superação de linhas jurisprudenciais anteriores, a dureza das penas e o tom por vezes panfletário de alguns votos surpreenderam boa parte da comunidade jurídica". No seu entender, "o STF aproveitou a oportunidade para condenar toda uma forma de se fazer política". Por isso, "é compreensível que os condenados se sintam, não sem alguma amargura, como os apanhados da vez, condenados a assumirem sozinhos a conta acumulada de todo um sistema". Veremos como, uma vez togado, Luís Roberto Barroso traduzirá essas palavras em votos.
 
Fonte: O Estado de S. Paulo - editorial publicado no dia 25 de maio de 2013.

Barroso no STF

Sempre com textos impecáveis, o professor Luís Roberto Barroso fala com propriedade de assuntos como dignidade humana, distribuição dos royalties do petróleo e constitucionalidade do CNJ. Querido pelos alunos que apadrinhou, sempre inspirou seus pupilos e emocionou os familiares em seus discursos como paraninfo.
Acerca dos royalties, o professor Luís Roberto Barroso foi designado pela procuradora Chefe do Estado, Lucia Lea Guimarães Tavares, para cuidar do caso, pois o ilustre professor é procurador do Estado do RJ desde 1985.
 






Ações Afirmativas

Estive recentemente participando de uma banca de doutorado na Universidade de Harvard arguindo uma tese que discutia o tema das ações afirmativas no Brasil. O trabalho era do brasileiro Adílson Moreira, que já era doutor pela UFMG e que vive nos Estados Unidos há muitos anos. Clique abaixo para ler o breve artigo que escrevi sobre o tema, publicado no Consultor Jurídico e no Migalhas.
 
 
 
 
by Luís Roberto Barroso, professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Direito pela Yale Law School e doutor e Livre-docente pela UERJ. Professor Visitante – Universidade de Brasília (UNB). Visiting Scholar – Harvard Law School.

Constitucionalismo democrático no Brasil: crônica de um sucesso imprevisto

Por uma emergência profissional, não pude estar em Natal, onde faria uma palestra sobre “O constitucionalismo democrático no Brasil: crônica de um sucesso imprevisto”, no Congresso Internacional de Direito Constitucional, organizado por George Leite Salomão. Conforme prometido, coloco à disposição do público o texto que serviria de base para minha exposição, extraído do meu livro recentemente lançado “O Novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil”.
 
leia na íntegra aqui.

by Luís Roberto Barroso, professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Direito pela Yale Law School e doutor e Livre-docente pela UERJ. Professor Visitante – Universidade de Brasília (UNB). Visiting Scholar – Harvard Law School.

terça-feira, 21 de maio de 2013

O STF precisa se tornar uma corte constitucional

No Brasil não existe nem República, nem democracia, nem Estado de Direito. Essa é a opinião do professor, escritor e jurista Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, que construiu, através de uma iniciativa judicial, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para melhorar o funcionamento do Poder Judiciário. Entre as mudanças propostas estão a criação de uma Corte Constitucional que substituiria o Supremo Tribunal Federal (STF), modificações na composição e forma de nomeação dos ministros deste e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de alterações nas competências dos dois tribunais superiores. “O objetivo final não é apenas diminuir a carga de processos, mas também estabelecer uma especialização na competência da corte constitucional”, aponta Comparato. Nesta entrevista, concedida por e-mail à Gazeta do Povo, o jurista explica detalhes das principais mudanças previstas na PEC, além de apresentar seu ponto de vista sobre aspectos do ordenamento jurídico brasileiro.
 
Por que o senhor sugere a mudança de nome do Supremo Tribunal Federal (STF) para Corte Constitucional?

Arquivo pessoal/Sandra Codo/Mauro Bellesa
Arquivo pessoal/Sandra Codo/Mauro Bellesa /

Não sugiro apenas a mudança da denominação, mas também a da natureza do tribunal. Sua jurisdição passaria a ser exclusivamente a de julgar ações sobre matéria constitucional ao contrário do que ocorre hoje com o STF, que acumula a competência para o julgamento dessas questões com a de julgar outras questões, até de interesse privado.
Qual a justificativa para o aumento no número de ministros nos dois tribunais superiores – notadamente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que passaria de 33 para 60 [no STF passaria de 11 para 15]?
Tem a finalidade de reduzir a carga de trabalho de cada ministro, contribuindo para acelerar o julgamento dos processos. O maior aumento no número de ministros no STJ é justificado pelo fato de este vir a absorver toda a matéria não diretamente constitucional, atualmente competência do STF. A Suprema Corte dos Estados Unidos tem apenas nove membros e desempenha rapidamente suas funções, mas faz preliminarmente uma triagem dos recursos a ela dirigidos, admitindo uma minoria deles.
Por que aumentar a idade mínima de 35 para 40 anos para ingresso dos ministros?
Porque a relevância das questões a serem decididas pela Corte Constitucional exige o mínimo de experiência profissional por parte dos ministros. Seria uma forma indireta de se aferir a exigência de “notável saber jurídico”.
Delegar a nomeação dos ministros ao presidente do Congresso Nacional não pode fazer com que a autoridade do Poder Legislativo se sobreponha, de alguma maneira, à do Executivo?
O presidente do Congresso apenas nomearia os que forem escolhidos pelo Congresso, em votação por maioria absoluta de cada uma das duas Casas que o compõem. O que existe, na atualidade, é a preponderância absoluta da Presidência. Até hoje, o Senado Federal rejeitou somente uma designação de ministro para aquele tribunal.
As mudanças nas competências do STF que o senhor propõe são suficientes para diminuir a sobrecarga de processos?
Penso que sim. O objetivo final não é apenas diminuir a carga de processos, mas também estabelecer uma especialização na competência da Corte Constitucional.
O senhor propõe que a Corte Constitucional [STF] fique limitada às causas que dizem respeito diretamente à interpretação e à aplicação da Constituição, transferindo as demais competências ao STJ. Há inclusão ou retirada de outras competências nos dois tribunais? Quais? Por que a necessidade dessa mudança?
A redução de competência para o julgamento de questões constitucionais é mínima em relação ao que existe hoje. Por exemplo, a Corte Constitucional passaria a julgar o recurso extraordinário apenas quando interposto de decisões proferidas por tribunais superiores e não mais de decisões de quaisquer instâncias. Além disso, seriam abolidas as súmulas de jurisprudência predominante. Quanto aos processos em si, suprimi a norma do atual art. 103, § 3.º da Constituição, segundo a qual, “quando o STF apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado”. Essa norma contém uma dupla aberração: a exigência de que o Advogado-Geral da União intervenha em todos os processos de ações diretas de inconstitucionalidade, como se estas dissessem sempre respeito aos interesses próprios da União Federal; e a obrigação imposta ao Advogado-Geral da União de defender o ato ou texto impugnado, o que suprime toda independência de apreciação por parte do órgão.
Como está o andamento da PEC? Alguém “comprou a sua ideia”?
Sei que as propostas de emenda constitucional não apoiadas pela Presidência têm tido poucas chances de aprovação no Congresso Nacional. Grande parte dos parlamentares prefere negociar seu voto em troca de favores, como se se tratasse de resolver questões de interesse pessoal.
Sobre a PEC 33: como o senhor vê essa proposta?
A PEC 33 é um despautério. O princípio da separação de Poderes foi admitido progressivamente em todos os países como forma de controle recíproco de competências para evitar abuso de poder. Nenhum dos órgãos deve interferir na competência de outro. Atribuir ao Legislativo o poder de decidir sobre a constitucionalidade de leis significa torná-lo todo poderoso e, portanto, abusivo. A função exclusiva do Poder Judiciário consiste no controle jurídico de leis e atos normativos.
Em outra entrevista, o senhor afirmou que, no Brasil, não existe “nem República, nem democracia, nem Estado de Direito”. Essa opinião se mantém? Por quê?
Continuo a sustentar essa tese. Os grupos detentores do poder oligárquico têm duplicidade de comportamento. Para efeitos externos, fazem questão de se declarar fiéis respeitadores da ordem jurídica. Internamente, porém, a aplicação desta é sempre afastada quando produz o efeito de contrariar o conjunto de interesses pessoais, de corporação ou de classe dos grupos dominantes. É essw a a razão pela qual os grandes princípios da República, da democracia e do Estado de Direito só existem como indumentárias de gala para as grandes solenidades.
Completando 25 anos, a Constituição Federal já recebeu inúmeras emendas, além do fato de possuir muitos artigos. Para uma lei maior do país, isso não representa um perigo jurídico?
O desconchavo não está nessa multiplicidade de emendas constitucionais, mas sim no fato de que, desde a Independência, nenhuma Constituição ou emenda foi submetida a referendo popular. Considera-se que a matéria constitucional é por demais importante para ser submetida à aprovação do “povão”, que continua mantido no seu devido lugar, em estado de pobreza e ignorância, para não perturbar as nossas mal chamadas “elites”.

Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.

Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/entrevistas/conteudo.phtml?tl=1&id=1372991&tit=O-STF-precisa-se-tornar-uma-corte-constitucional. Acesso em: 21 mai. 2013.

Laicidade democrática e o locus cívico da religião

Inobstante marcos políticos e jurídicos historicamente bem determinados a respeito de temas da vida cívica, muitas esferas, há séculos distinguidas, insistem em ser novamente misturadas.
Seja por ignorância de seus agentes, seja por má-fé, consciente ou não, e por vontade de poder, alimenta-se uma tradição incoerente na qual o juridicamente proclamado se dissocia do faticamente praticado.
Notícias recentes – e recorrentes – sobre as declarações absolutamente intoleráveis de pastores midiatizados e deputados religiosos, cujos nomes são irrelevantes quando o foco é de uma mesma obtusidade de ideias, reacendem o debate sobre os limites da religião e da política.
O espectro de questões envolvidas se assenta em distinções básicas como “Estado” e “Religião”, assim como poder temporal e poder espiritual. Igualmente, em fenômenos sociológicos como a secularização e a laicização, que fixa a laicidade, esta inconteste e vigente qualidade jurídica (normativa e cogente) do Estado brasileiro atual.
O historiador e sociólogo francês Jean Baubérot (“As muitas laicidades”), especialista em secularismo, realiza relevantes distinções que auxiliam a pensar o problema.
Para Baubérot, a religião deve ser compreendida em duas dimensões: uma enquanto predomínio, clericalismo normativo, e outra enquanto recurso: modo de acesso às questões misteriosas da vida, sendo fonte de crenças transcendentes.
A laicidade, por sua vez, consiste na determinação do Estado independente de qualquer culto ou clero, ou seja, a forma da separação Igreja e Estado.
Trata-se da institucionalização de um espaço próprio para a liberdade de todos os cultos, em que se garante a igualdade dos cidadãos independentemente de sua filiação religiosa e se recusa qualquer expressão de religiosidade na esfera pública.
Portanto, pela laicidade se rechaça apenas a religião-predomínio (como norma geral), eis que a religião-recurso é bem jurídico e espaço de liberdade privada a se conservar.
A “laicidade democrática”, neste cenário, é oriunda da soberania popular e em sujeição aos direitos humanos, que expressam valores seculares e republicanos. Caso contrário, haverá uma laicidade autoritária, laicismo odioso que afirma preconceitos religiosos, ou mesmo uma laicidade de ateís­mo. Ambas expressam atitude de imposição de dogmas de Estado, daí a consolidação do agnosticismo estatal.
Baubérot não nega o espaço da religião na vida pública. Para o autor, ela deve contribuir com os debates das questões contemporâneas enquanto importante voz da vida social.
Contudo, os processos institucionais e políticos devem se fazer de modo independente dos determinismos religiosos.
Há, assim, um espaço público da sociedade civil e um espaço público institucional, político e neutro aos confrontos teológicos. A laicidade democrática congrega aportes modernos em sua concepção liberal: as convicções religiosas integram o espaço privado, o Estado é neutro em matéria de religião, devendo assegurar a liberdade religiosa e o pluralismo religioso por meio da isonomia, que assegura a convivência pacífica.
Infelizmente, a vida pública brasileira tem demonstrado graves práticas, exaltando-se o anacronismo histórico de entendimento republicano, assim como das garantias individuais, sobretudo, as de liberdade religiosa.
Os que entendem que o uso de crenças religiosas, na vida política, se trata de exercício regular de um direito, têm interpretado a ameaça desta mesma liberdade por seu uso abusivo e indevido de modo invertido.
O que se crê ser um exercício, na verdade, é um abuso degradante. A confusão de democracia com opinião majoritária é outra marca da mesma ignorância axiológica. Muitas pessoas podem sustentar decisões plenamente anti-democráticas.
Situações como esta são um frontal e, juridicamente, intolerável ataque ao vigente Estado laico. Pretendem reinstituir, sorrateiramente e sem transparência democrática, um retrógrado Estado confessional e de monopólio religioso, o que representa o suplantar da liberdade religiosa, do pluralismo religioso e da virtude cívica da tolerância, ignorando-se séculos de batalhas civis e milhões de vidas ceifadas na construção das igualdades e liberdades democráticas hoje vigentes.
Os parlamentares, por dever constitucional e legal, por função institucional e por compromisso republicano, simplesmente, não devem empregar referência a quaisquer fontes, narrativas, concepções, crenças ou explicações religiosas, porque, redundantemente, o espaço cívico é o espaço da discussão e argumentação segundo as fontes cívicas. Ao fazê-lo, apenas demonstram, conjuntamente aos seus pares, duas faces de uma mesma ignorância: do que seja o Estado e do que seja a Religião.
 
Eliseu Raphael Venturi, advogado, é especialista em direito público e mestrando em direitos humanos e democracia pela Universidade Federal do Paraná.