terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Mensalão: agora ou nunca

Se o julgamento dos 36 réus não ocorrer neste ano, grande parte das penas prescreve já em 2013.

Após mais de quatro anos à espera de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o processo do mensalão começa 2012 em uma fase crítica. Com a possibilidade de prescrição da maioria das penas se o julgamento não ocorrer neste ano, os ministros enfrentam uma corrida contra o tempo para evitar que possíveis punições se tornem inaplicáveis.
Alguns ministros do Supremo, como o revisor da ação, Ricardo Lewandowski, dão sinais de que não haverá fôlego no STF para concluir o julgamento neste ano. A recém-empossada ministra Maria Weber, inexperiente em causas criminais por ser originalmente juíza do Trabalho, também estaria propensa a pedir vista do processo, segundo noticiou ontem o jornal Folha de S.Paulo.
Alguns analistas avaliam que, simbolicamente, seria muito ruim para o país caso isso venha a ocorrer e as penas prescrevam. O Brasil estaria dando, na avaliação deles, o mau exemplo de que a impunidade dos políticos é, de fato, regra. Mas outros especialistas discordam dessa avaliação e acham que o julgamento deve ser estritamente técnico e não político, ao contrário do que pensa parte expressiva da opinião pública.
Duração do caso
De acordo com o Código de Processo Penal, a prescrição está ligada à duração do processo judicial, que tem como data-base o recebimento da denúncia pela Justiça – agosto de 2007, no caso do mensalão. Pelas regras, uma condenação a prisão por dois anos prescreve em quatro anos a partir do início da ação. Por exemplo: se parte dos 36 réus for punida com apenas dois anos de reclusão por alguma das práticas citadas no processo (formação de quadrilha, peculato, corrupção e evasão de divisas) a pena já estaria prescrita em agosto de 2011.
“Com relação a alguns crimes, não há dúvida nenhuma de que poderá ocorrer a prescrição”, disse Lewandowski, em entrevista à Folha de S.Paulo em 13 de dezembro. A declaração gerou repercussão imediata. Um dia depois, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que “dificilmente” vão ocorrer prescrições se o julgamento ocorrer durante o primeiro semestre de 2012. Uma semana depois, o ministro-relator da ação, Joaquim Barbosa, entregou aos colegas o relatório final do processo, com 122 páginas.
No entendimento de Barbosa, o julgamento pode ocorrer em maio. Outros números, porém, contrariam contra essa previsão. Lewandowski, que vai apresentar um voto paralelo ao de Barbosa na condição de revisor da ação, afirmou que ainda vai precisar começar a ler os mais de 130 volumes e 600 páginas de depoimentos envolvidos no processo. Além disso, as aposentadorias de dois ministros (Cezar Peluso e Ayres Britto), previstas para este ano, devem provocar mais atrasos.
Menos réus
Enquanto a Justiça tarda, a ação vai passando por transformações. Inicialmente, eram 40 réus. Hoje, são 36 acusados formalmente (veja quem são eles no infográfico).
O eixo do processo, contudo, continua o mesmo e remete a 2005, quando o então presidente do PTB, Roberto Jefferson, declarou que o governo do então presidente Lula pagava uma espécie de mesada (o mensalão) a congressistas em troca de votos.
Nas alegações finais da denúncia entregue em julho do ano passado, o procurador Roberto Gurgel reafirmou que o comandante do esquema era o ex-deputado e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Caso as acusações sejam acatadas pelo STF na íntegra, Dirceu, e outros dois supostos “cabeças” – o ex-deputado José Genoino (PT-SP) e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares – podem pegar penas de até 100 anos de prisão. No Brasil, entretanto, a pena máxima de reclusão não pode superar os 30 anos.


Para juristas, julgamento tem de ser técnico e não “moral”
Ex-professor de Direito dos atuais ministros do STF Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski, Dalmo Dallari diz que o julgamento do mensalão pode ser considerado um dos mais relevantes da história recente do Supremo. Mas, para ele, está sendo supervalorizado pelo significado político. “A imprensa tem agido como se a moralidade do país dependesse desse processo, o que não é verdade”, afirma.
Para o jurista, que é catedrático da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (Unesco), a principal falha do Supremo no caso tem sido a demora. “Há um antigo brocardo [princípio] jurídico que diz: ‘Justiça tardia é injustiça’.” Por outro lado, Dallari acre­­­dita na “qualidade técnica” da decisão que será tomada pelos ministros. “Trata-se de um processo complexo, mas eu não vejo possibilidade de falhas.”
Foro privilegiado
Doutor em Direito Cons­­­ti­­tucional e professor da Uni­­­versidade de Brasília, Cristiano Paixão concorda com o problema da morosidade, mas tira a culpa do STF. “Estamos falando de um processo criminal, que nem deveria estar sendo julgado pelo Supremo, um tribunal de causas constitucionais. O problema é a questão do foro privilegiado”, opina Paixão.
Apesar de a maioria dos réus não ter a prerrogativa de ser julgada pelo STF, todos foram incluídos na mesma instância porque, na época, o caso envolvia deputados federais e ministros. “Essa é uma culpa que não dá para ser colocada nas costas do Supremo”, complementa ele. Segundo Paixão, a demora para o julgamento não está fora dos padrões judiciários brasileiros.
Assim como Dallari, o professor avalia que o julgamento não será “moral”. “Existe o temor de que o mensalão vai ficar impune, mas o STF não vai fazer um julgamento político, como ocorre nos conselhos de ética do Congresso Nacional. Será um julgamento técnico, dentro do que diz a lei.”

STF já condenou 5 deputados, mas nenhum cumpriu pena
Entre 2010 e 2011, o STF condenou cinco deputados federais, mas nenhum deles foi para a prisão ou começou a cumprir pena. Essas condenações foram as primeiras de políticos brasileiros no Supremo desde a promulgação da Constitui­­­ção de 1988. Na lista está o para­­naen­­se Cassio Taniguchi (DEM), atual secretário estadual de Plane­­­jamento. Assim como pode ocorrer com os réus do mensalão, Taniguchi foi beneficiado pela prescrição das penas.
Eleito deputado federal para a legislatura 1997-2000, Cassio foi condenado em maio de 2010 por crimes de responsabilidade cometidos em 1997, quando era prefeito de Curitiba. Ele recebeu duas penas de três meses de prisão, cada uma, por ter utilizado dinheiro de um empréstimo do Banco Intera­­­mericano de Desenvolvi­­­mento (BID) destinado a projetos de transporte urbano para pagar precatórios. E, além disso, porque ordenou despesas não autorizadas por lei. Apesar da decisão, não foi punido porque as penas prescreveram em 2004.
Dos demais condenados, os ex-deputados Zé Gerardo (PMDB-CE) e José Tatico (PTB-GO) e o deputado Natan Donadon (PMDB-RO) recorreram das sentenças. Até o mês passado, Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) esperava pela publicação do acórdão para tomar uma decisão. O recurso de Tatico começou a ser julgado em dezembro, mas os ministros não concluíram a sessão – ele foi condenado a sete anos de prisão em regime semiaberto por sonegação e apropriação indébita de contribuição previdenciária.
Subserviência
O historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, diz que o julgamento do mensalão caminha para ser mais um episódio de subserviência do STF aos políticos e governos. “A sociedade brasileira pode se preparar para receber um tapa na cara. O Supremo nunca esteve ao lado do cidadão, da coisa pública e não vai ser desta vez que estará”, diz Villa, autor do livro A História das Constituições Brasileiras, que tem um capítulo dedicado ao desempenho do tribunal.
Sob a ótica política, o professor de Ética e Filosofia Elvis Cenci, da Universidade Estadual de Londri­­­na (UEL), avalia que o mensalão já teve seus maiores efeitos antes do julgamento. “O mensalão quebrou a imagem do PT como ícone da moralidade e, ao mesmo tempo, gerou um clima de total desesperança nos políticos. O eleitor brasileiro ficou mais cético.” (AG)



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