António Castanheira Neves não perdoa o Direito por ter lhe desviado das suas
duas grandes paixões: a Matemática e a Literatura. A influência do avô advogado
foi mais forte e ele acabou se tornando uma grande referência em Teoria do
Direito e Filosofia do Direito, apesar de ele mesmo considerar que ninguém é
referência em nada. O catedrático jubilado da Universidade de Coimbra, em
Portugal, esteve em Curitiba, na última semana, para proferir uma palestra no
Instituto Professor Luiz Alberto Machado. Apesar de se definir como alguém que
não é de falar muito, o acadêmico conversou com exclusividade com a reportagem
da Gazeta do Povo e expôs suas críticas a questões, como a valorização
exacerbada da Constituição.
O senhor procura entender o Direito por meio do problema jurídico. O que o levou a escolher este caminho?
O nosso pensamento jurídico eminente realmente se dogmatizou em um sistema
que deixou de pensar verdadeiramente o Direito. Há um sistema de dogmatização de
pressupostos que se afirmam como a expressão do próprio Direito, mas não são.
Porque, frequentemente, essa dogmatização tem soluções, tem as figuras
midiáticas, mas realmente há alguma coisa de mais importante do que isto. É o
problema que está por trás. Este problema tem sido de tal forma esquecido que o
Direito tem sido mobilizado para consequências que o atraiçoam. Eu, por exemplo,
combato o neoconstitucionalismo porque me parece que esta atribuição absoluta,
quase mitificada à Constituição, é um grave perigo para o próprio Direito. O que
é a Constituição? É um projeto político judicializado e, portanto, é uma forma
vazia. Se formos atribuir essa absolutização à Constituição, esvaziamos o
Direito.
Como o senhor avalia a situação aqui do Brasil, onde a Constituição é
muito valorizada?
Aqui no Brasil, com as vossas emendas sucessivas, com as vossas medidas
provisórias, o que é isso, se não tornar a Constituição com uma contingência
contínua? Afinal de contas, a configuração da Constituição é um instrumento
político quase acrítico. Está esquecido aí propriamente o problema do Direito.
No Brasil, a Constituição tem uma enorme importância pelas circunstâncias
históricas. A Constituição foi uma espécie de contraponto a certa situação
política e social. Eu compreendo isso. Mas, há um risco. Entendamos a situação
de uma maneira mais global: esta dogmatização do Direito é um projeto moderno
que o tornou um instrumento definido e definitivo. E, obviamente, a história não
é definitiva. É definitiva na sua evolução, não nas soluções. O que quiseram
fazer foi absolutizar uma só solução histórica que teve a sua contingência com
todas as soluções históricas. Se nós continuarmos inermes, acríticos perante
este modelo, estamos a absolutizar de novo um modelo que é apenas historicamente
contingente. Se o absolutizarmos, estamos a esquecer o que ele foi, que foi a
tentativa de resolver um certo problema histórico. Portanto ao continuarmos
absolutizá-lo estamos a ver a solução, mas esquecemos o problema. É preciso que
reconheçamos que esta solução, com a sua contingência, implica um problema que
há de ser repensado.
leia na íntegra aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário.
Responderei assim que possível.
Grata pela visita!