O falecimento do jurista norte-americano Ronald Dworkin (1931-2013), ocorrido
em 14 de fevereiro, marca uma irreparável perda ao mundo acadêmico e, sobretudo,
ao pensamento filosófico e prático do Direito. Ao mesmo tempo, é marco para
celebração das ideias de um dos mais profícuos pensadores do Direito
contemporâneo.
O autor, consagrado e influente no universo jurídico brasileiro por meio de
obras como “Levando os Direitos a Sério” e “Uma Questão de Princípio”, entre
outros, contribuiu em peso para a formação de um ponto de vista teórico sobre o
Direito, essencialmente hermenêutico e comprometido com a integridade deste e
dos ideais políticos, em integração com diferentes formas de saber humano.
A fluência conceitual e interpretativa do autor são marcantes e memoráveis, e
essa marca decorrente tanto de sua competência argumentativa quanto dos próprios
traços de seu ordenamento jurídico de base contribuem para a articulação da
interpretação do Direito brasileiro, articulando o raciocínio jurídico feito a
partir de nossos preceitos vigentes.
A relação entre enfrentamentos conceituais e casos práticos também acentua as
qualidades intelectuais do autor, que propõe tanto uma leitura da teoria geral
do direito quanto a sua projeção em casos concretos, vinculando ambas as
dimensões.
Com isso, o autor reafirma a indissociabilidade de teoria e prática
coadunadas na compreensão do Direito enquanto uma série de atitudes
compreensivas, enunciativas e discursivas em torno de conceitos interpretativos,
manejados a partir de compreensões sobre a própria natureza do direito (enquanto
corpo de atitudes: interpretativa, autorreflexiva, contestadora, construtiva e
fraterna).
De todas as questões de Ronald Dworkin, pode-se destacar, como celebração de
seu pensamento e, sobretudo, de sua cosmovisão jurídico-política, a presença
marcante da noção de um “ideal humanista”, o qual é explicitado na obra “A
Virtude Soberana”, mas que marca toda a produção do autor.
Para Dworkin o “ideal humanista”, que orienta o direito nas democracias e
Repúblicas contemporâneas, seria um ponto de convergência da liberdade, da
igualdade e da responsabilidade como valores políticos e cívicos. Tais valores
devem ser pensados e praticados a partir e em conjunto aos demais valores
políticos e morais e também devem ser compreendidos holisticamente.
A marca da estética no pensamento dworkiniano firma-se também no modo em que
recomenda a visualização desse “ideal humanista”, em que se integram os valores
cívicos e políticos: tal como uma “cúpula geodésica” (estrutura arquitetônica
desenvolvida por Richard Buckminster Füller), formando uma “estrutura humanista”
coerente com a virtude da integridade do direito, em que um valor articula e
intensifica o outro, em uma sustentação recíproca e na construção de um todo
protetivo do seu interior (o ser humano).
O “humanismo ético” ínsito a essa estrutura assume a dimensão de
individualismo ético, determinante do valor associado à vida humana, conforme
conceitua Dworkin. A compreensão da “vida humana” proposta pelo pensador é
complexa e se aproxima aos preceitos fundamentais da filosofia da libertação,
que entende a vida como modo de realidade do sujeito em comunidade. O movimento
que conhece a realidade e a valora a partir dos valores do direito (ou de um
referencial ético) é similar.
Nesse contexto, tem-se que pensamento de Dworkin é profícuo no manejo de
conceitos interpretativos (liberdade, igualdade, responsabilidade, democracia,
direito, humanismo), que são problemáticos e expansivos em essência e que
demandam o movimento construtivo do intérprete.
A atitude interpretativa, portanto, se coaduna no labor e esforço
hermenêutico, construindo-se os sentidos na prática cognoscente e argumentativa,
estabelecendo-se os compromissos e propósitos, contemporizando os espaços de
divergências característicos da democracia, verificando-se legitimidades e
pleitos determinados.
A concepção do Direito integrada por meio de corpo de atitudes permite,
assim, o manejo amplo dos sentidos depreensíveis das categorias jurídicas, em
especial a potencialidade dos direitos humanos e dos direitos fundamentais,
vetorizando-lhes aos demais princípios e objetivos constitucionais.
Tal potencial se afirma quando as interpretações jurídicas podem ser pensadas
diante da ontologia fundamental do ser humano e de sua vida (considerando-se as
vidas individuais concretas), em comprometimento com a “manutenção das vidas
afirmadas” e “transformação das vidas negadas” (conforme expressões de Celso
Ludwig).
Assim, o “ideal humanista” de Dworkin, enquanto referencial de compreensão da
própria natureza do Direito, por meio do individualismo ético que enfoca o valor
associado à vida humana pela comunidade político-jurídica, orienta o manejo dos
conceitos interpretativos jurídicos, permitindo, assim, a formatividade da
metáfora do domo geodésico humanista, que expressa a integridade do Direito e
estabelece o pressuposto inicial hermenêutico-jurídico.
by Eliseu Raphael Venturi, advogado, é especialista em direito público pela
Escola da Magistratura Federal no Paraná e mestrando em direitos humanos e
democracia pela Universidade Federal do Paraná.
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/artigos/conteudo.phtml?tl=1&id=1351229&tit=O-humanismo-etico-de-Ronald-Dworkin-como-atitude--hermeneutico-juridica. Acesso em: 07 abr. 2013.
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