Disputa judicial travada em Curitiba testa limites da legislação brasileira a
respeito da violação de direitos autorais na internet.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) e o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) devem decidir ainda no início deste ano uma controvérsia inédita no
Brasil, sobre o uso de tecnologias na internet e compartilhamento de arquivos
digitais.
O caso envolve o empresário curitibano Luciano Cadari e a Associação
Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF), entidade que reúne as
grandes gravadoras da indústria fonográfica brasileira.
Há dez anos, Cadari criou, a partir de um software livre, o site K-Lite, uma
ferramenta de troca de arquivos por meio de uma rede P2P (peer to peer ou “ponto
a ponto”), que transmite e recebe informação de forma simultânea sem depender de
um servidor central.
O usuário, ao instalar o K-Lite, podia compartilhar informações com outros
usuários do mundo inteiro. Cadari explorava banners publicitários na página do
site. Em, 2007, a ferramenta chegou a ter 30 milhões de usuários.
A APDIF entrou com uma ação e conseguiu uma liminar para interromper as
atividades do K-Lite, alegando violação de direitos autorais e lucro indireto
indevido.
Para o advogado da APDIF Carlos Eduardo Hapner era claro o intuito do K-Lite
em incentivar a reprodução indevida de músicas e o compartilhamento de outros
arquivos protegidos com “evidente intenção comercial”. “É como se montasse um
serviço para levar usuários de droga numa van até um ponto de tráfico e no
caminho fizessem publicidade”, compara Hapner.
Já o advogado de Cadari, Alexandre Pesserl, contesta o argumento e diz que a
ação fere interesses sociais, como a “livre iniciativa, o direito à comunicação e
à informação”. “É uma ferramenta que tem usos lícitos e ilícitos, a depender de
quem usa e o que faz com ela”, disse.
Para Pesserl, “não se pode responsabilizar o fabricante pela conduta do
usuário, seja de carros, armas, ou gravadores de CDs”.
“Cristo”
Pivô da disputa de “Davi contra Golias”, o empresário Cadari acha que a
discussão é “absurda”, já que não praticou nenhum compartilhamento. “Para fazer
o marketing do medo, as gravadoras me pegaram para Cristo, pois, em meio a
vários sites, o meu tinha maior visibilidade”, afirma.
Ele explica que o mecanismo que criou, diferente de outros sites, como o
MegaUpload e Pirate Bay, não tem um índice ou arquivos fixos de música para
download. “O nosso tem funcionabilidade similar aos e-mails, MSN, pen drives,
cartões de memória, etc., com os quais as pessoas trocam livremente qualquer
tipo de arquivo, além de músicas protegidas. A APDIF também vai processar esses
meios?”, questiona.
Cadari também alega que não fez “nada escondido”: tinha CNPJ, pagava impostos
e encargos trabalhistas. Segundo ele, o longo processo o “envelheceu cinco
anos”. Ele espera que a solução da questão seja rápida. “Quero apenas que os
juízes ponham os fatos na balança e decidam com coerência. Daí, a causa é
minha”, acredita.
Polêmica divide especialistas e pede ‘mudança de
modelo’
A discussão judicial inédita do “Caso Cadari” o tranformou em paradigma nas
faculdades de Direito e trabalhos acadêmicos. As opiniões a respeito do processo
dividem a doutrina entre uma ala conservadora, que enxerga agressão à lei do
direito autoral, e outro grupo que defende o uso de tecnologias como forma de
manter a liberdade de livre iniciativa.
A segunda ala geralmente cita o trabalho acadêmico dos professores Oberholzer
e Strumpf, da Harvard Bussines School, que afirma que os downloads têm um efeito
de vendas que é estatasticamente zero”.
Há ainda outro estudo, do professor Yokai Benkler, da mesma instituição,
segundo o qual “35% de músicos e compositores disseram que downloads gratuitos
ajudaram suas carreiras” (dados de 2004). Apenas 5% se sentiu prejudicado. Os
compartilhamentos também ajudariam na frequência a shows, venda de CDs e
exposição em rádio.
Para um dos maiores especialistas brasileiros do tema, o professor Denis
Borges Barbosa, do Programa de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, o ponto principal a ser discutido não é se os downloads ou
compartilhamentos ferem o direito autoral segundo a atual legislação.
“Fere sim. E ponto. E será supresa se o STJ decidir de outra forma”. Para
ele, no entanto, a questão envolve repensar toda a estrutura do mercado
fonográfico, algo que poderia ser melhor regulado pelo Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (CADE).
“Para haver uma adaptação do sistema de mercado a uma nova técnica, setores
da economia que inclusive comercializam esta tecnologia querem que o estado
retarde a adaptação do setor a este novo modelo”, disse.
Segundo Barbosa, o direito autoral deve ser interpretado sempre em equilíbrio
com os demais direitos constitucionais, entre os quais os direitos à cultura e à
educação”. “Esta atual lei de direito autoral cria um sistema pós-colonial de
controle da informação que nega os benefícios da livre concorrência”, disse.
Entenda o caso aqui.
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