domingo, 10 de fevereiro de 2013

O princípio da segurança jurídica e o pagamento de tributos

A segurança jurídica é um princípio de direito de extrema relevância, já que traduz a ideia de proteção, de garantia, de confiança, de não surpresa dos contribuintes em relação ao comportamento da administração pública.
Trata-se de um valor fundamental da Constituição Federal de 1988, que encontra seu abrigo já no seu preâmbulo. Segurança jurídica, explica Leandro Pausen, “é a qualidade daquilo que está livre de perigo, livre de risco, protegido, acautelado, garantido, do que se pode ter certeza ou, ainda, daquilo que se pode ter confiança, convicção” (Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência, 13ª ed., 2011, Livraria do Advogado, p. 914/915). Essa breve introdução tem o objetivo de demonstrar que a relação fisco-contribuinte é pautada firmemente na segurança jurídica.
Sempre que a ação do Estado se desvie do comportamento que lhe é inerente ou que dele se espera, o cidadão contribuinte deve buscar o restabelecimento do equilíbrio dessa relação, socorrendo-se, se necessário, no Poder Judiciário.
Nesse sentido, recentemente, a Justiça Federal do Paraná produziu relevante decisão em que reconheceu ser arbitrária a iniciativa da administração pública de rever um parcelamento de débitos, fazendo-o dez anos após a sua consolidação e dois anos após a sua integral quitação, com o intuito de cobrar um suposto “saldo residual”.
Embora seja certo, de um lado, que a administração pública tem o direito de rever seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, de outro, isso depende de efetiva demonstração do erro e não pode ocorrer em prazo indeterminado, eis que, assim agindo, viola-se o princípio da segurança jurídica e de seus corolários. Com propriedade, afirmou o juiz federal Vicente de Paula Ataide Junior ao julgar o caso:
“Ora, se o valor foi fixado na consolidação datada de 01/03/00 abrangendo todos os débitos anteriores é sobre esse montante e a partir dessa data que a Administração Pública poderia efetuar revisão. Como, pelo princípio da segurança jurídica, não se pode admitir que os débitos tributários sejam alterados pela Administração Pública indefinidamente, destaco a importância dos cinco anos fixados como prazo decadencial.” (MS nº 5052401-05.2011.404.7000/PR)
Na mesma decisão, e com base no parecer do Ministério Público Federal, privilegiou-se a boa-fé do contribuinte: “O contribuinte que paga uma dívida, durante tanto tempo e de boa-fé, referente a fatos ocorridos há mais de dez anos, não pode, ao findar do parcelamento, ser surpreendido com a informação de que a administração pública incorreu em erro no apurar de seu saldo devedor e por isso não está quite com as obrigações tributárias, pois tal fato macularia de juridicamente inseguro o sistema instituído pela Lei 9.964/00”.
Em outra situação, esse mesmo quadro de insegurança jurídica se repetiu. Tratou-se de contribuinte que realizou o pagamento de débitos com os benefícios do Refis da crise (Lei nº 11.941/09). Assim, para obter os descontos de multa e juros previstos na Lei, ele optou pela desistência da discussão administrativa que mantinha, emitiu o DARF diretamente do site da Secretaria da Receita Federal do Brasil e quitou sua dívida.
No entanto, foi surpreendido por um “aviso de cobrança”, referente a uma suposta diferença existente no valor da multa e dos juros pagos. Ao examinar o caso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, valendo-se dos princípios da proteção da confiança e da boa-fé, reconheceu a ilegalidade da cobrança da diferença pretendida. A desembargadora Luciane do Amaral Correa Münch foi a relatora do acórdão, de onde se extrai a seguinte passagem:
“Com efeito, como já dito, as DARF’s foram emitidas pelo próprio Sistema da Receita Federal, não tendo o contribuinte qualquer ingerência sobre o seu teor, tendo adimplido o tributo na mais absoluta boa-fé. Por essa razão, se mostra descabida a alegação de que tenha adotado critério de cálculo equivocado, quando em verdade os critérios foram fornecidos pela própria impetrada.” (AMS nº 5012285-88.2010.404.7000/PR)
Essas decisões prestigiam a segurança jurídica, os valores que dela decorrem ou se desdobram (tais como a boa-fé, a confiança, a estabilidade das relações jurídicas etc.) e evidenciam a necessidade de coerência da administração pública na prática de seus atos.

by Flávio Zanetti de Oliveira, advogado, é mestre em Direito Tributário pela PUC-SP.

Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/artigos/conteudo.phtml?tl=1&id=1320537&tit=O-principio-da-seguranca-juridica-e-o-pagamento-de-tributos. Acesso em: 10 fev. 2013.
 

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