sábado, 9 de fevereiro de 2013

Sistema constitucional tributário exige atenção do STF

O sistema constitucional tributário disposto na Constituição Federal de 1988 tem características bastante peculiares, que exigem protagonismo excepcional da jurisdição constitucional.
Com efeito, em nossa tradição, já a partir da Constituição de 1934, o texto constitucional atribui privativamente a cada ente da Federação, União, estados e municípios, tributos específicos e estabelece regras estritas para a criação de impostos novos.
Essa foi a primeira vez, em todo o mundo, que uma Constituição estruturou sistema tributário rígido e inflexível, limitando a margem de discrição e liberdade do legislador. A Constituição de 1934 estipulava a forma, o conteúdo, a qualidade e a quantidade de tributos que poderiam ser arrecadados pela União, pelos estados e municípios de maneira exaustiva e abrangente[i].
A Constituição de 1937, por sua vez, manteve o sistema constitucional tributário rígido e inflexível, delegou aos estados a competência residual para criar novos impostos e vedou a bitributação (artigo 24, CF/1937). Na CF/1937, surgem também as competências tributárias negativas, tal como a imunidade recíproca (artigo 32, alínea “c”, CF/1937).
Na mesma linha, seguiram os textos constitucionais de 1946 (artigos 15; 19; 21; 29; e 30 da CF/1946); de 1967 (artigos 18; 19; 22; 23; 24; e 25 da CF/1967); e de 1969 (artigos 18; 21; 22; 23; e 24 da CF/1969), que sempre estipularam de forma enumerativa as competências tributárias dos entes políticos, discriminando os impostos e esgotando as formas e os meios em que os entes políticos poderiam instituir tributos.
A CF/1988 é herdeira, portanto, da longa tradição brasileira de sistemas constitucionais tributários rígidos, que especificam todos os tributos que podem ser exigidos e identificam cada imposto que União, estados e municípios podem instituir. Nesse sentido, a CF/1988 elenca rol taxativo de impostos (artigos 145, inciso I; 153; 154; 155; e 156 da CF/1988); taxas (artigo 145, inciso II, da CF/1988); contribuições de melhoria (artigo 145, inciso III, da CF/1988); contribuições (artigos 149; 149-A; e 195 da CF/1988) e empréstimos compulsórios (artigo 148 da CF/1988). A Carta Magna estipula regras estritas de competência residual para instituição de impostos e contribuições não nominadas expressamente no seu texto (artigos 154, inciso I, e 195, parágrafo 4º, da CF/1988).
Recente pesquisa destacou esse caráter singular do sistema tributário brasileiro. Com efeito, enquanto alguns países limitam-se a expressar, em variados graus, o princípio da legalidade tributária — como Angola; Bélgica; Bulgária; Canadá; China; Cingapura; Colômbia; Estados Unidos; Grécia; Índia; Indonésia; Islândia; Israel; Japão; Peru; Portugal; Suíça; Tunísia; Turquia; e Venezuela —, outros garantem a legalidade apenas de forma genérica ou implícita — como África do Sul; Áustria; Chile; Dinamarca; Equador; Espanha; Holanda; Itália; México; Noruega; Suécia; e Ucrânia. Outros países sequer asseguram a legalidade tributária, como Argentina; Bolívia; Costa Rica; e Uruguai[ii].
De fato, nenhum outro país possui rígido, inflexível e exaustivo sistema constitucional de competências tributárias como o Brasil.
Assim, entre as diversas características do sistema tributário na CF/1988, ganha relevo seu caráter rígido, porquanto só pode ser modificado por meio de emenda constitucional, cujo processo legislativo é mais solene e dificultoso do que o de edição de leis ordinárias. A rigidez do sistema constitucional tributário é reconhecida como princípio constitucional implícito que repercute diretamente sobre as competências tributárias tão amplamente detalhadas na CF/1988, não tendo o legislador ordinário liberdade para “desenhar qualquer traço fundamental” [iii].
Ademais, é importante salientar que a competência tributária fixada na CF/1988 é exaustiva, como bem destacou Ataliba, ao afirmar que o constituinte de 1946 criou sistema “completo, fechado e harmônico, que limita e ordena estritamente, não só cada poder tributante como — consequência lógica — toda atividade tributária, globalmente considerada” [iv]. Isto é, não há competência tributária fora dos termos definidos ou do rol fechado explicitado na CF/1988, inexistindo liberdade discricionária para o legislador ordinário.
Evidentemente, a detalhada repartição de competências tributárias prestigia o federalismo, especialmente considerando o processo centrífugo de formação do federalismo no Brasil, atendendo a antigo anseio de descentralização de recursos da União para os estados e municípios, e de recursos dos estados para os municípios[v]. Em grande parte, esse anseio é atendido no Brasil por meio da repartição tanto de competências quanto de receitas dos impostos[vi]
Na realidade, a CF/1988 predetermina o conteúdo material e define as hipóteses de incidência, estabelecendo cada espécie tributária e limitando, tanto formalmente quanto materialmente, os tributos que podem ser instituídos[vii].
Além disso, a CF/1988 não foi detalhista apenas com relação às competências tributárias, mas também no pertinente a normas protetivas que moldam o poder de tributar e amparam direitos e garantias dos contribuintes, prevendo extenso rol de limitações constitucionais ao poder de tributar. Por isso, permanece válida ainda hoje a frase de Aliomar Baleeiro de que “nenhuma Constituição excede a brasileira, a partir da redação de 1946, pelo zelo com que reduziu a disposições jurídicas aqueles princípios tributários [limitações constitucionais ao poder de tributar]” [viii] .
Essas singularidades do sistema constitucional brasileiro procuram eliminar a dupla tributação interna e proteger eficientemente o contribuinte. Elas têm como efeito, ainda, transformar o Supremo Tribunal Federal, guardião das disposições constitucionais, no garante de quase todo o sistema tributário.
Não é por mera coincidência, então, que o primeiro caso em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivo constitucional tenha sido em matéria tributária. No julgamento da ADI 939/DF, de relatoria do ministro Sydney Sanches, publicado em 17 de dezembro de 1993, reconheceu-se a natureza de cláusulas pétreas dos direitos e garantias fundamentais do contribuinte, inclusive quanto ao princípio da anterioridade e às imunidades, principalmente no que se refere à imunidade recíproca.
Por outro lado, tampouco é fruto do acaso que a mesma emenda constitucional, no caso a Emenda Constitucional 3/1993, que fez reforma tributária, também tenha instituído instrumentos de fortalecimento da jurisdição constitucional, como a ação declaratória de constitucionalidade e expansão do efeito vinculante.
Na realidade, o rígido e analítico sistema constitucional tributário impõe não só a edição de emenda constitucional para qualquer reforma substancial, como determina formas céleres e eficazes de pacificação de controvérsias tributárias pelo STF.
 
Leia na íntegra aqui.
 
by Luciano Felix Fuck, professor no Instituto Brasiliense de Direito Público, doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito pela Ludwig-Maximilians-Universität de Munique e membro do conselho editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional.
 
Fonte: ConJur
 
 

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