Distrital, já!
Nos últimos vinte anos, a reforma política esteve várias vezes na pauta do Congresso, mas ela nunca conseguiu percorrer o longo e sinuoso caminho das comissões parlamentares e do plenário até se tornar lei. O motivo é simples. Os deputados temem que a alteração das regras do sistema eleitoral possa afetar as chances de eles se reelegerem. A única maneira de fazer a reforma política avançar no Congresso é por meio da mobilização da opinião pública e da pressão da sociedade. O desafio de levar o tema para as ruas e engajar as pessoas na luta pela reforma política exigirá respostas claras e objetivas a três questões fundamentais:
1) Como o sistema eleitoral afeta a vida das pessoas?
2) Por que a reforma política é um tema tão importante para o país?
3) O que devemos fazer para mobilizar a sociedade?
O sistema eleitoral afeta dramaticamente a relação das pessoas com a política. O voto proporcional e as regras das coligações partidárias produzem um Parlamento distante dos interesses da sociedade. A eleição para deputado transformou-se numa caçada de votos pelo estado. A capacidade de o candidato conquistar recursos financeiros, extrair benefícios das coligações do seu partido e contar com o apoio dos “puxadores de voto” e da máquina partidária é infinitamente mais importante do que o mérito e o desempenho pessoal da sua atuação no Parlamento. E o que isso tem a ver com a vida cotidiana das pessoas? Tem tudo a ver. Deputados “genéricos” vagam pelo universo político e aproveitam a falta de fiscalização e de cobrança dos eleitores para propor projetos “populares” que consistem fundamentalmente em aumentar de modo irresponsável o gasto público e pressionar o setor produtivo com aumento de impostos e taxas que consomem quase 40% do PIB.
A atuação do deputado “genérico” é agravada pelas distorções do voto proporcional. Um estudo publicado por Persson e Tebellini revela como o sistema eleitoral impacta as contas públicas. Países que adotam o voto proporcional têm gastos públicos mais elevados, despesas maiores com a previdência social e um déficit público maior que os dos países que adotam o voto majoritário.
Voto majoritário Voto proporcional
Gastos do governo 26% 35%
Previdência 5,5% 13%
Déficit 2,9% 3,9%
Deve-se debitar grande parte do descrédito do Parlamento ao sistema eleitoral. Suas regras contribuem para distorcer o desejo da maioria do eleitorado, distanciar o eleitor dos seus representantes e enfraquecer o Poder Legislativo. O Congresso, as assembleias estaduais e as câmaras de vereadores costumam ser citados como as instituições menos confiáveis do país. Não é por outra razão que 70% dos eleitores não recordam em quem votaram para deputado na última eleição. Essa amnésia é péssima para a nossa democracia.
A reforma política tem de ser tratada como prioridade nacional. A existência da democracia depende da credibilidade das suas instituições. O voto proporcional contribuiu para distorcer o conceito de equilíbrio constitucional entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – um dos preceitos essenciais do bom funcionamento do sistema presidencialista. Ao produzir um Parlamento fragmentado em dezenas de partidos, o Legislativo sucumbiu à pressão do Poder Executivo. A hipertrofia do Executivo reforça a ideia do personalismo político e minimiza a importância das instituições. Cria-se a falsa percepção de que as soluções para dificuldades e problemas não são obtidas por meio das instituições, mas por meio da propina, da troca de favores e de contatos pessoais com pessoas ligadas ao governo.
Instituições fracas colaboram para a proliferação da corrupção. Elas corroem a confiança nos poderes constitucionais, a continuidade das políticas públicas e a previsibilidade das ações governamentais. A indústria da propina, a troca de favores e o contorcionismo legal e ilegal para superar dificuldades, obter vantagens ou livrar-se das amarras burocráticas distorcem as regras de mercado, afetam os investimentos e levam a sociedade a perder a confiança nas instituições. Um sistema eleitoral que contribui para a ineficiência do gasto público, sequestra quase metade da renda nacional por meio de impostos e produz um Parlamento que conta com a indiferença e o menosprezo da população precisa ser urgentemente reformado.
A mobilização popular é essencial para conter a discussão das falsas reformas no Parlamento. Há duas formas clássicas empregadas pelos parlamentares para fugir de assuntos polêmicos. A primeira é criar uma comissão parlamentar e preenchê-la com membros que não se interessam em mudar as regras do jogo. A segunda é apresentar propostas para alimentar a discussão no Parlamento e na imprensa e esperar que o tema esfrie e saia da pauta política. Trata-se da famosa introdução do “bode” na sala para depois retirá-lo. Os dois “bodes” da reforma política são o “distritão” e o “voto em legenda”. Ambas evitam discutir o tema que tira o sono dos deputados: aumentar a cobrança e a fiscalização do eleitor.
- No “distritão”, vencem o pleito os deputados mais votados no estado. Acaba-se com o voto proporcional, mas se preserva o deputado “genérico”: aquele que diz representar todos os eleitores do estado, mas não representa ninguém, a não ser os interesses dos financiadores de campanha e os seus próprios. O “distritão” vai colaborar para a proliferação de deputados Tiriricas.
- No caso do “voto em legenda”, o eleitor perde o direito de escolher pelo voto direto o seu deputado. Vota-se na legenda, e o partido escolhe o deputado: uma maneira criativa de garantir a eleição de deputados mensaleiros que não seriam eleitos pelo voto distrital.
A mobilização das pessoas em torno da reforma política poderá ser mais rápida se os ganhos e os benefícios do voto distrital forem facilmente compreendidos. No voto distrital, ganha a eleição o deputado mais votado no seu bairro, distrito ou região. É a “diretas já” para o deputado do bairro. O voto distrital vai acabar com a gincana eleitoral que transformou a campanha para deputado numa das mais caras do mundo. Em vez de percorrer o estado à caça de votos, o candidato terá de disputar votos numa única região. Além de reduzir dramaticamente o custo da campanha, o eleitor saberá quem é o parlamentar que representa o seu distrito no Parlamento, onde ele mora, o que ele pensa e o que faz pela sua região. Aproximar o eleitor do seu deputado e permitir que ele possa ser cobrado, fiscalizado e avaliado de acordo com o seu desempenho no Parlamento representa um enorme avanço para o resgate da credibilidade de um poder desprestigiado. Deputados não podem ser representantes “genéricos” dos eleitores. Eles devem representar os interesses da comunidade, distrito ou região que os elegeu. Bons parlamentares querem ser cobrados e fiscalizados para que possam ser reeleitos por causa dos seus feitos, ideias e projetos.
A reforma política que importa para o país tem de atingir dois objetivos: aproximar o eleitor do seu representante e fortalecer o Poder Legislativo. Somente o voto distrital é capaz disso.
by Luiz Felipe D’Ávila
Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/distrital-ja. Acesso em: 27 mar. 2011