Oito em cada dez leis criadas no Brasil e analisadas pelo STF, em 2011, foram
consideradas em desacordo com a Constituição. O Paraná aparece em 3º, entre os
estados com mais problemas.
Se existem questionamentos sobre a utilidade e a relevância de parte das leis
criadas nas casas legislativas Brasil afora, não há dúvidas em relação à grande
quantidade delas que afrontam à Constituição Federal. No ano passado, 83% das
leis examinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foram consideradas em
desacordo com a Constituição. O percentual foi apurado em um levantamento,
publicado no Anuário da Justiça Brasil 2012, em maio, que analisou os resultados
de julgamentos no STF nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e nas
arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs).
Segundo o levantamento, o maior índice de inconstitucionalidade foi
verificado nas leis aprovadas pelas assembleias legislativas dos estados. Metade
das leis incompatíveis com a Carta vêm de cinco dos 20 estados que tiveram
questionamentos sobre suas leis no STF. Um deles é o Paraná, que divide a
terceira posição com Santa Catarina. O estado em pior situação é o Rio de
Janeiro, que teve todas as 13 leis julgadas pelo Supremo consideradas
inconstitucionais.
O presidente do Instituto de Direito Constitucional e Cidadania (IDCC),
Zulmar Fachin, considera que não é de se espantar que sejam criadas leis
inconstitucionais, já que, até no STF, os ministros têm dúvidas e discordam. O
problema, segundo ele, é justamente a quantidade de vezes que leis deste tipo
surgem. “É um percentual exagerado, quase absurdo”, diz.
Uma das principais motivações que geram a inconstitucionalidade, de acordo
com estudo, é o fato de os legisladores criarem leis para âmbito que não lhes
competem. Isto é resultado, segundo especialistas, principalmente, do amplo
conjunto de atribuições da União. Fachin ressalta que uma das questões mais
difíceis para o Estado, que adota a forma federativa, é estabelecer a autonomia
dos seus membros e as suas competências.
Ana Paula Barcellos, professora de Direito Constitucional da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), observa que há uma tendência de os estados não
tentarem novamente elaborar leis sobre temas que já foram considerados
inconstitucionais para o âmbito de sua competência. Por outro lado, o próprio
STF pode mudar de opinião, lembra ela. Ana Paula recorda que a corte já foi
muito mais restritiva em relação a leis estaduais em matéria de direitos
consumidor, por exemplo.
Juristas
Diante deste quadro, que revela que oito em cada dez leis avaliadas pelo STF
afrontam à Constituição, surge a pergunta sobre como é possível que essas leis
inconstitucionais entrem em vigor, após passar por um processo minucioso de
elaboração pelo Legislativo e pelo Executivo. Por causa deste tipo de
questionamento, é comum que alguns especialistas defendam que as leis deveriam
ser elaboradas apenas por quem entende de Direito.
Ana Paula sustenta, no entanto, que o aspecto democrático deve ser preservado
e os legisladores, sejam leigos ou conhecedores de Direito, devem ser escolhidos
pelos cidadãos. “Imaginar que elaboração de leis é uma atividade técnica e que
seria melhor desempenhada por um corpo técnico é um equivoco”, argumenta a
professora da UERJ, que, do mesmo modo que Fachin, chama atenção para o fato de
que até no STF há votações apertadas. “Se tivéssemos os ministros do STF
elaborando as leis, nem todos estariam de acordo”.
Fachin destaca que, a medida em que o processo legislativo prioriza a
técnica, pode comprometer a legitimidade política. Por outro lado, quando se tem
como foco apenas a política, os aspectos técnicos podem ser violados. “O desafio
é conciliar, manter a legitimidade da representação política e buscar
aperfeiçoar a perspectiva técnica”.
Para a professora especialista em Direito Constitucional do Centro
Universitário de Curitiba (UniCuritiba) Viviane Séllos, uma saída seria exigir
que os assessores dos legisladores tivessem conhecimento jurídico para
interpretar a Constituição e domínio de redação legislativa. “Não só a formação
em Direito é importante. Sociólogos, cientistas políticos, ambientalistas,
lideranças sociais devem ir ao Legislativo e a assessoria deve ser dividida em
setores”, opina a professora.
Política
Comissões deveriam controlar a constitucionalidade
Comissões deveriam controlar a constitucionalidade
Nas casas legislativas, antes de serem levados ao plenário, os projetos de
lei passam obrigatoriamente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que
tem a função justamente de analisar a constitucionalidade do projeto. Mas este
filtro não é tão rígido, como deveria. De acordo com o Anuário da Justiça, em
2011, por exemplo, todos os 376 projetos de lei apresentados na CCJ da Câmara
dos Deputados foram aprovados.
Não são somente os interesses jurídicos que regem as decisões das CCJs,
alertam os especialistas. A professora de Direito Constitucional da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Ana Paula Barcellos lembra que as comissões
também são órgãos políticos. “Se houver interesse de elaborar uma norma sobre
determinada matéria, vai ser muito difícil a CCJ ter uma postura imparcial ou
mais técnica. Não é muito realista esperar que ela cumpra este papel”.
Zulmar Fachin, doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR), sustenta que, além da CCJ, as inconstitucionalidades podem ser
apontadas no plenário por outros parlamentares que não são membros da comissão.
Eles podem fazer o controle constitucional simplesmente votando contra os
projetos, lembra Fachin.
Processo legislativo
Curso de Direito Constitucional, de Zulmar Fachin (Editora Forense), e professora de Direito Constitucional Viviane Séllos.
Durante o processo de criação de uma lei não é só a pertinência do projeto
que é avaliada. O controle preventivo de constitucionalidade também deve
ocorrer. Confira as fases de elaboração de uma de lei ordinária:
1. Iniciativa
Fase de elaboração do projeto de lei (PL). Apenas pessoas autorizadas por lei
podem ser autoras de PLs, como os membros do Legislativo, o representante do
Poder Executivo ou mesmo um cidadão. Neste último caso, é preciso que o PL,
antes ir para as casas legislativas, passe em forma de abaixo assinado por pelo
menos cinco estados brasileiro, nos quais é preciso atingir, no mínimo, 0,3% do
eleitorado local e o total de assinaturas deve chegar 1% do eleitorado
nacional.
2. Discussão
Nas casas legislativas, o PL passa por comissões que vão lapidar o projeto,
debatê-lo e analisar sua constitucionalidade, principalmente nas comissões de
constituição e justiça.
3. Votação no Legislativo
O projeto é levado ao plenário, para que os parlamentares se manifestem pela
aprovação ou não. Todos os que têm poder de voto devem analisar a
constitucionalidade da norma proposta que, caso seja considerada incompatível
com a Carta, será nula. Após o resultado da votação, o projeto pode ser:
rejeitado e ir para o arquivo; aprovado e seguir para a sanção do chefe do
Executivo; ou aprovado parcialmente e então serão necessárias mudanças no
texto.
4. Sanção
O chefe do Poder Executivo tem o poder de sancionar ou vetar o projeto, e
pode, assim, fazer o controle constitucional. É possível, ainda, sancionar
parcialmente o projeto, caso apenas algumas partes sejam consideradas
inconstitucionais.
5. Promulgação
Feita pelo chefe do Executivo. É a declaração formal da existência da lei. A
partir deste momento, o projeto passa a ser lei e não se fala mais em prevenção
de inconstitucionalidade, mas em controle repressivo para analisar a
constitucionalidade da lei já existente.
6.Publicação
A lei é levada ao conhecimento de todos por meio deste ato, que a torna
obrigatória e passível de ser exigida. Quando não é definida a data em que lei
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/conteudo.phtml?tl=1&id=1260549&tit=O-pais-que-nao-sabe-fazer-leis. Acesso em: 03 jun. 2012.
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