Ainda que muita água vá rolar por debaixo da ponte, a condenação de João
Paulo Cunha e de Marcos Valério surpreende aqueles que apostavam que tudo
terminaria em pizza
A semana que findou trouxe um novo alento aos brasileiros que ganham o pão
com o suor do trabalho diário, que pagam os impostos com o dinheiro do próprio
bolso e mostram indignação e inconformismo com a corrupção e a impunidade que
grassam soltas país afora. Para esses, o sentimento deve ser o de alma lavada
com as primeiras decisões emanadas do Supremo no tocante ao julgamento do
processo do mensalão. Por esmagadora maioria – 9 votos contra apenas 2 a favor
da absolvição – os ministros condenaram pelo conjunto das provas e evidências os
réus João Paulo Cunha, deputado federal (PT-SP); o publicitário Marcos Valério e
seus sócios; e o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato.
Os crimes a eles imputados são os de peculato, lavagem de dinheiro e corrupção
ativa e passiva; alguns dos réus ainda voltarão a ser julgados por formação de
quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
É bem verdade que o julgamento, desdobrado em núcleos para facilitar o rito,
ainda vai demandar algumas semanas para o seu fim e, desde já, é grande a
expectativa com o destino a ser dado a outros réus, entre eles o ex-ministro
José Dirceu, apontado pela Procuradoria-Geral da República como o mentor da
denominada “organização criminosa” que se instalou na cúpula do primeiro governo
Lula visando à compra de parlamentares da base aliada. Ainda que muita água vá
rolar por debaixo da ponte, a condenação de um petista de alto coturno como João
Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, por receber R$ 50 mil em propina, e de
Marcos Valério, o operador do mensalão, surpreende aqueles que apostavam que
tudo terminaria em pizza.
Demonstrando total conhecimento da matéria processual e refutando os
argumentos pueris da inexistência de provas utilizados pelos acusados e seus
advogados, os ministros do STF reconheceram a materialidade dos crimes cometidos
em sua exata dimensão de gravidade. As exceções ao colegiado foram os ministros
Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que não conseguiram ver evidências de culpa
nos atos praticados por João Paulo Cunha. No tocante a Toffoli, a se lamentar a
sua participação no julgamento, uma vez que por muitos anos militou junto ao PT
e, por isso, em respeito à toga que enverga, deveria ter se autoproclamado
impedido.
É importante também salientar que as primeiras condenações sepultam
definitivamente o mantra repetido à exaustão nas hostes petistas: o de que o
mensalão nunca existiu, tratando-se, quando muito, de desvio de recursos de
campanha não contabilizados, o conhecido caixa 2. A admissão, pela maioria dos
ministros, dos crimes cometidos por João Paulo, Marcos Valério e cia. deve ser
entendida até aqui como um claro acatamento à denúncia do procurador-geral, que
viu no mensalão uma engenhosa trama criminosa a serviço de um projeto de
poder.
O processo será retomado nesta segunda-feira, quando estará sendo decidida a
sorte de representantes de instituições financeiras envolvidos no mensalão, sob
a acusação de gestão fraudulenta. De qualquer sorte, independentemente do
resultado de mais esta etapa do processo, um ponto já pode ser considerado como
extremamente positivo: a impunidade que sempre serviu como fator de incentivo à
prática de ilícitos no setor público está em via de sofrer um sério revés. O que
se espera no porvir é que as lições deste julgamento histórico na mais alta
corte de Justiça do país descortinem um novo patamar ético para a nação, onde
não será mais admissível existir espaço para aqueles acostumados a fazer da
coisa pública um mero instrumento para a obtenção de vantagens indevidas para si
ou para grupos.
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1292793&tit=As-licoes-que-vem-do-Supremo. Acesso em: 02. set. 2012.
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