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domingo, 26 de maio de 2013

Quem detém a última palavra sobre o significado da Constituição?

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 33 altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para a declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição. Também estabelece que, caso o Congresso Nacional se manifeste contrariamente à decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, a controvérsia seja submetida à consulta popular.
Como encarar essa proposta de emenda à Constituição? Ela é reação vingativa do Poder Legislativo contra o Poder Judiciário ou mera disputa de poder entre os juízes e legisladores para definir quem tem a última palavra sobre o significado da Constituição? A PEC 33 pode abrir novas possibilidades na forma como se encara a separação entre os poderes e a forma de cada um exercer suas competências e funções?
A PEC 33 pode representar a possibilidade de se estabelecer uma reflexão mais profunda e também mais profícua sobre a separação entre os poderes e como deve se dar a interação entre eles, especialmente quando essa relação envolve o significado, conteúdo e alcance dos direitos e deveres previstos pela Constituição de 1988.
Nesse sentido, ao se afirmar que ao Supremo Tribunal Federal (STF) cabe a defesa da Constituição e daí se concluir que só ele, e apenas ele, pode definir qual é o significado da Constituição tem-se uma compreensão limitada, desprovida de justificação, conteúdo e legitimidade. Se é certo que o constituinte definiu no art. 102 da Constituição da República que ao STF cabe a guarda da Constituição, o significado dessa norma não é dado como a leitura mais apressada ou mais ingênua quer fazer crer. Ao contrário, o conteúdo e alcance dessa norma deve ser construído, definido pelo intérprete. O STF ao interpretar esse seu dever previsto pela Constituição estabeleceu que ele, como guardião da Constituição, é quem detém a última palavra sobre a interpretação da Constituição. Vale aqui a seguinte pergunta: por que razão é o STF o intérprete privilegiado da Constituição e sua palavra, terminal, em relação ao que quer dizer a Constituição?
Há, assim, uma supremacia do órgão judicial (o STF) em relação à interpretação da Constituição. Contudo, do ponto de vista democrático e deliberativo sobram motivos para não naturalizar essa atividade como absoluta e exclusiva do STF, bem como para criticá-la. Essa postura da supremacia judicial não fomenta uma ação conjunta, coordenada e colaborativa entre os Poderes na definição do que é a Constituição e dela resulta uma disputa (e não um diálogo) entre os poderes sobre quem então deve ter a última palavra. Assim, ao invés dos poderes buscarem de forma dialógica e colaborativa a melhor resposta sobre o significado da Constituição, eles passam a disputá-la, não importando se a resposta será boa ou ruim; se protegerá ou não nossos direitos fundamentais.
O que queremos, portanto, sublinhar e defender nesta brevíssima análise é a possibilidade de a PEC 33 ser compreendida como uma tentativa de se estabelecer um verdadeiro diálogo institucional entre os poderes, bem como de devolver ao povo a decisão final sobre o significado da Constituição quando não houver entendimento entre o Judiciário e o Legislativo sobre uma determinada controvérsia constitucional. Ao contrário de leituras precipitadas e levianas, as quais endeusam o Judiciário e demonizam o Legislativo (ou vice e versa), entendemos que um tal arranjo pode servir para melhorar não só as relações entre os poderes, mas também no interior dos próprios poderes e, sobretudo, responder a pergunta sobre quem e o que deve se beneficiar com a separação de poderes, isto é, o povo e, consequentemente, a concretização de seus direitos fundamentais.
Outro ponto importante a ser considerado é que a PEC 33 prevê a solução da controvérsia mediante consulta popular, a qual, em geral, é realizada por meio de plebiscito. No entanto, é preciso ressalvar que o plebiscito a ser realizado deve oportunizar um debate coletivo, nacional, entre os cidadãos, para que a resposta a ser dada pelo povo seja fruto de uma discussão, deliberação, ampla, pública, robusta e não a mera constatação de posições individuais.
Diante disso, por um lado, a PEC 33 pode promover esse debate ausente sobre como se deve encarar a separação entre os poderes no Brasil, sobre as formas de atuação e interação dos poderes no exercício de suas funções e competências, especialmente sobre a interpretação e significado da Constituição. Por outro lado, e é importante que se afirme, o que não é digno de consideração é o uso da PEC 33 como raivosa reação do Congresso Nacional às atuações do STF ou como mera resposta revanchista que busca mitigar o papel do STF na interpretação da Constituição. Nesse caso, ela se apresenta como uma proposta não apenas injustificada, mas também demagógica.
A forma como os poderes e a sociedade brasileira irão lidar com a PEC 33 – como mera disputa por poder entre o Legislativo e o Judiciário ou como possibilidade de se repensar a forma de atuação e interação entre os poderes – será reveladora do compromisso que ambos têm (ou não) com o seu conteúdo, isto é, com a realização de um constitucionalismo e de uma democracia genuínos.
 
Miguel Gualano de Godoy, mestre e doutorando em Direito Constitucional, é pesquisador do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia (UFPR). Vera Karam de Chueiri, vice-diretora da Faculdade de Direito da UFPR, é coordenadora do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia (UFPR).

Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/artigos/conteudo.phtml?tl=1&id=1370813&tit=Quem-detem-a-ultima-palavra-sobre-o-significado-da-Constituição. Acesso em: 26 mai.2013.
 

terça-feira, 1 de maio de 2012

O STJ e sua (ir)racionalidade jurídica

Criado através da Constituição Federal de 1988 e instalado no ano seguinte, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme é cediço, tem a nobre missão de uniformizar a interpretação das leis federais em todo o país, seguindo os princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de Direito.

Ocorre, porém, que passados mais de vinte anos da criação do tribunal, surgem diversas indagações sobre o modo com que vêm sendo combatidos os recursos de estrito direito, mormente após o pedido de implementação no Congresso Nacional do instituto da “repercussão geral”.
Em 14 de março do corrente ano, o presidente do STJ, Ministro Ari Pargendler, entregou ao Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que institui a repercussão geral no Superior Tribunal de Justiça. Inclusive, para uma melhor visualização acerca do tema, podemos afirmar que a repercussão geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “reforma do judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do plenário, selecione os recursos extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica.
Pois bem. Tal atitude causou diversas manifestações entre os profissionais do Direito, mais especificamente entre os advogados, haja vista que estes acreditam em uma tentativa de se frear de forma temerária o julgamento de recursos, os quais, na maioria das vezes, são de suma importância para a concretização do Estado Democrático de Direito.
A pergunta a ser feita no presente artigo é se o ato praticado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, através de seu presidente, está apto a resolver os problemas estruturais daquele tribunal. Não podemos esquecer que a constante criação de súmulas – que por muitas vezes são dissonantes com a realidade social – e recursos repetitivos (artigo 543-C, CPC) apenas filtraram parte dos recursos, mas não trouxeram a tão sonhada razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII, CF).
Ademais, a argumentação do ministro-presidente, ao declarar que o STJ não deve julgar questões de baixa relevância (ex: multas de trânsito), não parece a mais apropriada, ainda mais quando estamos diante de uma democracia que permite a todo e qualquer cidadão a luta pelos seus direitos.
Parece-me lógico que a implementação da “repercussão geral” trará benefícios por um curto período de tempo, sendo que em alguns anos novas propostas serão remetidas ao Congresso Nacional na busca de uma maior “celeridade” e “justiça processual”.
Veja-se, ainda, que o próprio projeto de novo Código de Processo Civil – presidido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, sob relatoria da professora Teresa Arruda Alvim Wambier, e com versão definitiva entregue ao Senado em 08 de junho de 2010 – foi elaborado com vistas à celeridade processual, mas sem se atentar às efetivas necessidades dos profissionais do Direito. Tanto é verdade que o projeto prevê o “incidente de resolução de demandas repetitivas”; a exclusão do recurso de embargos infringentes; a ausência de efeito suspensivo ao recurso de apelação; a irrecorribilidade da maioria das decisões interlocutórias; porém, não se insere de forma definitiva no processo eletrônico. Vejamos:
Projeto do novo CPC. “Art. 895. É admissível o incidente de demandas repetitivas sempre que identificada controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes”.
Art. 908. Os recursos, salvo disposição legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão”.
“Art. 929. Cabe agravo de instrumento contra decisões interlocutórias: I - que versem sobre tutelas de urgência ou da evidência; II – que versarem sobre o mérito da causa; III – proferidas na fase de cumprimento de sentença ou no processo de execução; IV – em outros casos expressamente referidos neste Código ou na lei. Parágrafo único. As questões resolvidas por outras decisões interlocutórias proferidas antes da sentença não ficam acobertadas pela preclusão, podendo ser impugnadas pela parte, em preliminar, nas razões ou contrarrazões de apelação”.
É de se ressaltar, por derradeiro, que este artigo não possui o propósito de criticar a elaboração de emendas constitucionais ou um novo Código de Processo Civil, mas, sim, refletir se todo este trâmite está ocorrendo de forma inteligente e democrática. Não devemos confundir celeridade com trancamento injustificado de recursos.

Gilberto Andreassa Junior, advogado, professor universitário, mestrando em Direito, especialista em Direito Processual Civil Contemporâneo, membro efetivo do IAP, membro honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil e membro da Comissão de Juizados Especiais da OAB-PR.