Assim, além de garantia, incluiu a promoção de meios para que este e demais direitos fundamentais fossem devidamente observados e respeitados pelo Estado, bem como assegurados mediante regulamentações específicas, prevalecendo, inclusive, seu poder coercitivo. Tal idéia se confirma ao longo de seus artigos e sua promulgação fez referência expressa à saúde como parte integrante do interesse público e como princípio-garantia em benefício do cidadão.
Decorre do arcabouço principiológico e programático, além do enunciado constitucional, as muitas normas regulamentadoras que direcionam a sistematização da saúde, profissionais correlatos, incluindo toda e qualquer participação através da Administração Pública, bem como a parceria com setores privados.
A flexibilização do sistema universalista, este fundado no atendimento das necessidades, ou seja, um sistema único e para a necessidade de transformação das ações de saúde em bens sociais gratuitos sob responsabilidade do Estado, a partir de uma base eficaz de financiamento, possibilitou a organização da iniciativa privada sob as formas básicas de seguros e medicina pré-paga e suas derivações.
Este sistema de proteção social, em sua concepção originária, tornou-se indispensável ao sadio desenvolvimento, bio-psico-social da população, em perfeita consonância com os fundamentos do Estado Democrático de Direito.
No entanto, à pressão dos custos, resultante de diversos fatores, entre os quais o envelhecimento das populações, o incremento incessante de tecnologias custosas e as alterações epidemiológicas com o aparecimento de novas patologias e agravos da saúde, os sistemas universalistas, fundados no atendimento das necessidades, passam por intensas transformações.
Neste contexto, abre-se espaço para o exercício da livre iniciativa, ou seja, a atuação do setor privado baseado pela própria Constituição Federal de 1988, que seu artigo 199 dispõe: "(...) o qual delega às instituições privadas a possibilidade de assistência à saúde".
A insegurança e a precariedade dos serviços públicos de saúde levaram os cidadãos a se vincularem, em curto espaço de tempo, ao modelo de prestação de serviço em que os planos de saúde atuam como "intermediadores", ou seja, atravessam a relação médico-paciente, sendo responsável pelo repasse dos honorários ao profissional, mediante o pagamento mensal realizado pelo usuário à operadora do plano. Certo é que há garantia constitucional à participação do setor privado na saúde, desde que haja respeito a este direito e ao interesse da coletividade.
Uma vez que a saúde abrange um conceito mais amplo do que apenas ações curativas, todo e qualquer intuito de "atendê-la" pretenderá não apenas seu restabelecimento, mas sua promoção por meio da atuação preventiva, concretizando-se com uma sadia e digna qualidade de vida, efetivada a partir da afirmação diária e contínua da cidadania plena.
Dados atuais do Conselho Federal de Medicina informam que no Brasil há 347 mil médicos em atividade, cadastrados no mesmo conselho e 1044 operadoras de planos de saúde médico-hospitalares, que movimentaram R$ 64,2 bilhões em 2009. Projeções indicam que em 2010 este montante alcançou R$ 70 bilhões[1].
O cidadão, titular do direito constitucional à saúde foi, ao longo dos anos, compelido a ter assegurado tal direito, mediante pagamento a uma operadora de saúde titular do direito à livre iniciativa.
Todavia, ainda que sob a permissão estatal, fato é que os cidadãos, ressalta-se, consumidores nesta relação de prestação de serviços, permanecem em terreno incerto, vez que a insatisfação dos profissionais credenciados põe em xeque a qualidade do atendimento.
Cita-se recente comparação da própria ANS[2], demonstrando valores pagos a diversos profissionais liberais, em que uma consulta médica custa em média R$ 38,93 e, por exemplo, um pintor cobra R$ 80,00 para pintura de 10m2 de uma parede.
Cabe então a seguinte reflexão: como é possível garantir à saúde, se o valor pago ao profissional como honorário não condiz com o seu direito fundamental à dignidade da pessoa humana?
Ademais, as operadoras de planos de saúde, não satisfeitas com os lucros obtidos, exercem constante interferência na relação médico-paciente, na tentativa de limitar o número de exames a serem solicitados e procedimentos prescritos, inclusive sugerindo que o montante excedente seja descontado de seus honorários.
Significa dizer que o Estado concede aos planos a "administração" da saúde da população e o profissional divide com o usuário esses custos. A ANS, através da Súmula normativa nº16, pretende aumentar o rigor no combate à interferência e flagrante constrangimento imposto aos profissionais.
Mais recentemente, no último dia 07 de abril, presenciou-se a paralisação dos profissionais médicos no tocante aos atendimentos eletivos para usuários de planos de saúde, na tentativa de chamar à atenção para os valores pagos como honorários, sem reajuste nos últimos anos, embora as mensalidades pagas pelos usuários tenham acompanhado os reajustes concedidos pelo Estado.
Infelizmente a Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão do Ministério da Justiça rechaçou o movimento, também ofuscado pelo desastre de Realengo, não sendo amplamente divulgado pela mídia como deveria, dada à relevância do debate.
Em tempo, o Conselho Federal de Medicina obteve liminar suspendendo a medida da SDE, que proibia as entidades médicas organizar tais movimentos de paralisação. A antecipação de tutela foi confirmada em 19 de maio.
A participação popular no intuito de favorecer a clareza de contratos, a exigência por serviços de qualidade revelam sua fundamental importância, frente a um Estado ainda letárgico apesar de dispor de instrumentos legais suficientes para a garantia dos direitos fundamentais aos seus cidadãos.
[1] Fonte: APM/Datafolha-Pesquisa Nacional
[2] Valor médio nacional de consulta médica de plano de saúde individual - Fonte: ANS/2010. Dados das entidades médicas mostram valores ainda menores, abaixo de R$ 25,00 por consulta.
OBS: Valores médios de mão-de-obra de outros serviços. Fonte: Datafolha/Datacasa - Pesquisa de preços realizada com base em informações cedidas por agências especializadas em serviços domésticos e anúncios dos principais jornais na cidade de São Paulo.
Arianne Gaio é bacharel em Direito e membro do projeto de pesquisa "Livre iniciativa e dignidade da pessoa humana - ano III", do Centro Universitário de Curitiba - UniCuritiba. Graduada em .Enfermagem e Obstetrícia (PUC-PR).
Disponível em: http://www.parana-online.com.br/colunistas/348/87687/. Acesso em: 21 set. 2011.
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