sábado, 7 de abril de 2012

Anistia questionada, de novo

Embargos de declaração da OAB na ADPF 153 e recurso em sentido estrito do MPF trazem discussão à tona novamente.

A discussão sobre o julgamento de crimes cometidos durante a ditadura militar voltou à cena no último mês depois da apresentação de uma denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) e após a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) opor embargos de declaração à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que rejeitou a revisão da Lei da Anistia, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153.
No último dia 29, o STF analisaria o pedido da OAB, mas, por falta de tempo para apreciação, segundo o tribunal, a questão foi retirada da pauta. O adiamento do julgamento, ainda sem nova data definida, ocorreu no mesmo dia em que o Clube Militar, no Rio de Janeiro, promoveu um evento em comemoração aos 48 anos do golpe de 64. A festa acabou em tumulto. Também no mesmo dia, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos resolveu abrir oficialmente processo para investigar o Brasil pela não punição do assassinato sob tortura do jornalista Vladimir Herzog. O crime ocorreu em 1975.

Curió
A denúncia do MPF contra Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, à Justiça Federal do Pará, por atos criminosos durante a Guerrilha do Araguaia foi rejeitada. Os argumentos foram a própria Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) e uma decisão do STF que reconhece a validade integral da norma. Contudo, justamente inspirados em interpretações do próprio STF em outros casos, os procuradores do MPF pretendem insistir no processo.
Na tese defendia pelo MPF, o crime de sequestro, do qual o major Curió é acusado, é um crime permanente, que ainda não teve cessação, já que os corpos das vítimas não foram encontrados. Após a denúncia ter sido recusada pelo juiz João Cesar Otoni de Matos, os procuradores interpuseram um recurso em sentido estrito ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília – até o fechamento desta edição, o recurso ainda não havia sido julgado.
“O STF extraditou militares que haviam cometido crimes de sequestro em contexto muito similar, na década de 1970, 1980. O Supremo aceitou que não haveria a prescrição em razão de o crime ser permanente”, explica Ivan Cláudio Marx, um dos procuradores do MPF que apresentou a denúncia. Ele se refere à extradição 974/2009, do major uruguaio Manuel Juan Cordero Piacentini, e à extradição 1150/2010, do major argentino Norberto Raúl Tozzo, ambas para a Argentina.
O juiz João Cesar Otoni de Matos, contudo, destacou no texto da sua decisão que a ação apresentada pelos promotores deu “outra roupagem aos fatos” e argumentou que “já se sabe com razoável segurança que essas pessoas foram mortas”. Como os crimes de homicídio teriam ocorrido há cerca de 30 anos, já estariam prescritos.
Para o professor de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Tiago Bottino do Amaral, ainda que Curió mereça punição, não se pode fingir que existe um sequestro só para poder puni-lo. “O que nos diferencia como Estado de Direito de uma ditadura, é que no Estado de Direito nós observamos a lei”, diz.

ADPF 153
“A visão dos procurado­res ao processar o major Curió se adequa com a visão da OAB da imprescritibilidade­ desse tipo de crime”, afirma o presidente da Ordem, Ophir Cavalcante.
Em 2010, a OAB propôs a ADPF 153 questionando a Lei da Anistia. A Ordem argumentava que a interpretação da Lei não deveria abranger perdão aos crimes cometidos pelos torturadores – como homicídio, desaparecimento forçado e estupro –, já que não se tratariam de delitos políticos, mas meramente comuns.
O STF rejeitou, na época, a revisão da Lei da Anistia. O relator do processo, o então ministro do Supremo Eros Grau, mesmo tendo sido uma das vítimas do regime ditatorial, posicionou-se contra a ADPF 153.
O voto de Grau teve parte citada, agora, na decisão do juiz do Pará. “Quando se deseja negar o acordo político que efetivamente existiu, resultam fustigados os que se manifestaram politicamente em nome dos subversivos. Inclusive [...] nestes autos encontramos a OAB de hoje contra a OAB de ontem”.
Em entrevista à Gazeta do Povo, neste mês, Eros Grau reafirmou a sua posição. “O professor Miguel Reale Júnior publicou um artigo e esclareceu que a Lei declarou todas essas pessoas mortas. Então, eles não estão mais sequestrados. Se é isso mesmo, me parece uma incongruência.”

Discussão afeta Comissão da Verdade
O trabalho de desvendar crimes cometidos durante a ditadura deveria ser estimulado pela criação da Comissão da Verdade. Mas, por enquanto, o projeto está estagnado. A Lei 12528/2011 foi aprovada pelo Congresso no passado e sancionada pela presidente Dilma Rousseff. A presidente deveria designar os sete integrantes da Comissão, mas até agora não o fez. Dicussões sobre o alcance da Lei da Anistia podem estar por trás da demora.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, considera que, por enquanto, é “simbólico” o valor da Comissão. “A Lei foi sancionada, a comissão existe. Mas, entre a realidade e o papel, há uma distância muito grande. Enquanto não for designada a comissão, a lei é ineficaz e de nada vale”.
Para Cavalcante, a manifestação contrária à Comissão, feita por militares da reserva, pode estar influenciando a demora na definição dos membros.
Já o coordenador do Curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, Thiago Bottino, diz acreditar que o maior problema “talvez não seja só a resistência dos militares, mas o cenário em que eles ainda veem muitas pessoas querendo punir”.
Na opinião de Bottino, a ameaça de receberem punição, como estão tentando fazer os procuradores do Ministério Público Federal com o Major Curió, pode fazer com que militares resistam a revelar fatos. Segundo Bottino, a plena anistia seria uma garantia que talvez os encorajasse.
De acordo com ele, o principal objetivo da Comissão tem de ser trazer à tona o que realmente aconteceu e tirar dúvidas que persistem entre familiares dos desaparecidos. Ele sustenta seu argumento no pensamento do jurista francês Antoine Garapon: “A gente tem que fazer escolha entre poder punir e poder conhecer a verdade”.

 
 

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