Eros Grau,ministro aposentado do STF.
A vida do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Eros Grau, se divide
entre as cidades de São Paulo, Tiradentes e Paris. Mas foi Paris que inspirou o
jurista a escrever o livro Paris-Quartier Saint-Germain-des-Près, que fala sobre
o bairro parisiense onde ele reside e onde ele diz se sentir completamente em
casa. Eros Grau começou a escrever essa obra antes da aposentadoria “para fugir
da aspereza da escrita jurídica”, como ele contou a estudantes de Direito e
Jornalismo durante uma palestra no auditório da Unibrasil, no último dia 20, em
Curitiba. Ele desafiou a plateia a “escrever simples” e evitar as “baladas de
adjetivos que não dizem nada”.
Eros é doutor, livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP) e foi professor visitante da Faculdade de Direito da Université de
Montpellier e da Faculdade de Direito da Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne).
O ex-ministro do STF conversou com exclusividade com a reportagem da Gazeta do
Povo. Falou das coisas de que mais gosta de fazer na atual fase da sua vida e se
esquivou ao máximo de conversar sobre seu antigo trabalho. Confira os principais
trechos da entrevista.
O senhor descreve o seu novo livro, Paris-Quartier
Saint-Germain-des-Près, como “solto, de quem está flanando por Paris”. O sr.
poderia contar a nós um pouco mais sobre a sua obra?
É isso mesmo, é um livro de quem está flanando por Paris. Eu comecei a
escrever no tempo em que eu ainda trabalhava no tribunal e escrevia uma prosa
cerrada, dura, em que eu tentava afirmar coisas, provar coisas. Eu já tinha
praticado a literatura e me deu uma vontade imensa de escrever solto. Ao mesmo
tempo, sempre me fez muito bem viver neste bairro em Paris. Eu sempre estive
convencido de que Paris não é uma cidade, mas um aglomerado de pequenas vilas,
pequenas cidadezinhas, onde todo mundo sabe da vida de todo mundo – é o chamado
aconchego. Comecei a escrever, foi uma coisa que surgiu naturalmente, falar das
pessoas, daquele que não é turista, que vive lá, da história, dos lugares. Então
foi uma coisa completamente solta.
Com que frequência o senhor vai a Paris?
Hoje, depois que eu me aposentei, eu vou todo mês. Na época do tribunal, eu
ia todas as férias. Ficava lá metade de dezembro, janeiro inteiro e julho
inteiro. É a minha cidade favorita. Antes de ir para o tribunal eu dei aula em
Paris, como professor visitante.
Como a atividade de professor influenciou o trabalho como ministro?
Eu imagino que me escolheram para ir para o tribunal também pelo fato de ser
professor. Acho que isso foi determinante para que eu fosse indicado.
E, depois, como a vivência como ministro influenciou o
professor?
Depois que eu fui para o tribunal e fiquei lá, não como ministro, mas como
juiz, eu reduzi muito a atividade como professor. Quando assumi como juiz,
fiquei licenciado na USP. Eu diria que não houve uma influência do exercício da
função de ministro sobre a atividade de professor. Lógico que foi uma
experiência muito grande e que, de certa forma, hoje – quando eu falo sobre
Direito, quando me convidam para dar uma palestra –, eu acabei incorporando à
minha experiência de vida tudo que eu vivi no tribunal.
O senhor acha que a visibilidade que o STF tem hoje, tem tornado o
tribunal cada vez mais palco de grandes decisões do Brasil?
Eu acho que tem e isso é muito mal.
Por quê?
Porque o ato de julgar é um ato de uma seriedade muito grande, faz parte da
intimidade de quem decide. E em nenhum lugar do mundo isso é devassado. Uma
coisa é a decisão ser pública e outra coisa é a decisão ser devassada.
O senhor fala da tevê?
De tudo, basicamente. A decisão judicial não pode ser transformada em um
espetáculo público, em um espetáculo midiático, as instituições devem ser
respeitadas e devem se dar ao respeito.
Como é que o senhor fazia para se dar ao respeito?
Eu simplesmente ignorava aquele negócio lá. Para mim aquilo não existia. Como
eu já disse isso em um livro, eu posso dizer agora: aquilo só vai acabar no dia
em que alguém levar um tiro.
Um ministro?
Um ministro. Porque amanhã ou depois um juiz toma decisões que interferem na
sua vida, você é meio doidão, marca a cara do sujeito e quando ele passar na rua
você dá um tiro.
O senhor foi o relator da ADPF 153 (ação movida pela OAB que pedia
revisão na Lei da Anistia) e se posicionou contra, mesmo tendo sido uma das
vítimas da Ditadura. O assunto voltou à tona com o processo contra o major Curió
e um novo questionamento da OAB no STF. O senhor acha que o STF vai manter o
mesmo posicionamento?
Eu não tenho bola de cristal, só tendo uma bola de cristal...
A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem pressionado o Brasil
para que esse tipo de crime seja julgado. O senhor acha que o STF pode mudar de
opinião?
[10 segundo de silêncio]Você seria capaz de botar entre aspas o que eu vou
dizer?
Sim, estou gravando e eu vou tomar nota...
Eu fico apavorado com a possibilidade de o Poder Judiciário sofrer pressão e
decidir sob pressão. Se um dia um juiz decidir sob pressão, tudo estará
perdido.
Isso tanto para o caso da ADPF, quanto no caso do Major
Curió?
Isso é o que eu te respondi. Se um dia um juiz decidir sob pressão, fuja
imediatamente para outro país, você não vai ter segurança de mais nada.
Sobre o caso do ICMBio e das medidas provisórias, em que o Supremo
voltou atrás na decisão...
Ah! Não li. Juro! Eu desliguei completamente. Vou te contar uma história
verdadeira. Deu esse negócio das medidas provisórias e encontrei um amigo que eu
não via há muito tempo e ele falou: “rapaz, esse tribunal em que você trabalhou,
que confusão que está!”. Eu falei: “João, não era eu. O cara era um homônimo
meu, tinha um nome que nem o meu, mas não era eu.” Ou seja, eu desliguei, virei
a página. Não quero, acabou. É como uma namorada, se ela vai embora, acabou.
O senhor é assim com todos os projetos em sua vida?
Acabou, acabou. Eu não vivo do passado.
Então a minha pauta com relação ao STF...
Acabou, esgotou.
O senhor também não chegou a acompanhar a questão do CNJ estar
querendo investigar mais detalhadamente os magistrados?
Ah! Eu não vejo isso. Eu prefiro ver... sabe que leio umas coisas do Maurício
de Souza que é meu colega lá na Academia Paulista de Letras. Grande sujeito!
Sério mesmo.
Mas o senhor não tem nem curiosidade?
Prefiro umas histórias melhores que essa do CNJ [risos].
E quando esses jornalistas chatos ficam perguntando sobre o STF, o
que o senhor pensa?
Eu procuro ser gentil, desviar a conversa, falo dos meus amigos [risos].
Jamais seria indelicado.
Como é a sua relação com o Direito hoje?
Eu voltei a trabalhar com o Direito, eu dou parecer, trabalho em um ou outro
caso, ativamente.
O senhor voltou à USP?
Não, porque eu me aposentei. Eu fiz 60 anos [risos]...Mas estou em plena
atividade, escrevendo, fazendo literatura e dando parecer.
O que o senhor prefere fazer hoje?
Eu adoro fazer uma porção de coisas: cozinha, viajar, dar parecer, escrever.
Adoro fazer coisas, estou mostrando para mim que eu estou vivo. E uma das coisas
que gosto de fazer também é o que esses dois moços aí estão fazendo [aponta para
os fotógrafos].
O senhor cozinha bem?
Dizem que sim...
O senhor já está pensando em outros projetos de livro?
Tenho umas duas ou três ideias, mas estou decidindo ainda o que vai ser.
Talvez alguma coisa sobre alguns personagens de Paris...
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/entrevistas/conteudo.phtml?tl=1&id=1243683&tit=O-ministro-do-Supremo-que-virou-a-pagina. Acesso em: 13 abr. 2012.
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