domingo, 15 de abril de 2012

'Obrigar gestação de anencéfalo é torturar a mulher'

Autor da ação que defende o aborto nesse caso, advogado afirma que situação impõe sofrimento inútil e evitável.

Passados mais de sete anos desde que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), a ação que defende o aborto de fetos anencefálicos será julgada nesta quarta-feira. A tendência do tribunal, conforme ministros, é liberar a interrupção da gravidez.
Autor da ação, o advogado Luís Roberto Barroso afirma, em entrevista ao Estado, que o julgamento desta semana não é uma etapa para a liberação do aborto. E critica aqueles que afirmam ser a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia um primeiro passo para a eugenia.
"Equiparar a antecipação de parto no caso de feto anencefálico com a eugenia é um abuso verbal, quase um uso imoral da retórica", disse.
A ação foi protocolada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) em 2004. Naquele mesmo ano, o relator do processo, ministro Marco Aurélio, deu uma decisão provisória (liminar) para a liberação do procedimento médico de interromper a gravidez nesses casos. Três meses depois, a liminar foi cassada. Em 2008, o STF convocou uma audiência pública para ouvir médicos, cientistas e organizações religiosas sobre o assunto (mais informações nesta página).
A seguir, os principais trechos da entrevista concedido ao Estado:
Que argumento o senhor usará para tentar convencer os ministros do STF?
Nós temos três teses principais. A primeira delas é de que essa hipótese não é de aborto. O aborto pressupõe a potencialidade de vida do feto. Como o feto anencefálico não tem potencialidade de vida extrauterina, nossa tese é que esse fato é atípico. Ele não é colhido pela definição de aborto do Código Penal. Por essa razão, a mulher deveria ser automaticamente autorizada a interromper a gestação.

A vida do feto, neste caso, não deveria ser protegida?
No Direito brasileiro não há uma definição do momento do início da vida, mas há uma definição do momento da morte, que é a morte encefálica, prevista na lei de transplante de órgãos. No caso do feto anencefálico, ele não chega sequer a ter início de vida encefálica. Por isso sustentamos que, por não haver vida, não há aborto.
E se o STF discordar dessa tese e disser que a vida intrauterina deve ser protegida?
Ainda que se considerasse essa hipótese como sendo de aborto, ela deveria cair nas exceções do Código Penal. O Código prevê duas exceções nas quais não se pune o aborto: em caso de necessidade para salvar a vida da mãe e em caso de estupro. Nessas duas exceções, o feto tem potencialidade de vida. Mas o legislador, ponderando a vida do feto com a vida da mãe ou com a violência física e moral sofrida pela mãe permite a interrupção da gestação. O caso da anencefalia é menos do que os casos de estupro e de aborto para salvar a vida da mãe, porque não há potencialidade de vida.
O Código Penal não prevê essa exceção. Por quê?
Essa exceção não foi prevista expressamente porque em 1940, quando o Código Penal foi elaborado, não havia meios tecnológicos de diagnosticar a anencefalia.

Qual é a terceira tese?
Ainda que se considere aborto, nessa hipótese as normas do Código Penal que criminalizam o aborto são excepcionadas pela aplicação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Esse princípio paralisaria a incidência dessas normas do Código Penal.
Por que a gravidez de feto anencefálico violaria a dignidade? Obrigar uma mulher que faz o diagnóstico (de anencefalia do feto) no terceiro mês de gestação a levá-la até o nono mês significa impor a ela seis meses de um sofrimento inútil. Essa mulher vai passar por todas as transformações físicas e psicológicas pelas quais passa uma mulher que está grávida se preparando para ter seu filho. Mas, nesse caso, a mulher estará se preparando para o filho que não vai chegar. Isso é equiparado à tortura. Impõe à mulher um sofrimento físico e psicológico inútil e evitável.


Leia na íntegra aqui.

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