domingo, 11 de agosto de 2013

Anulado acordo de cooperação técnica com a Serasa

A Ministra Presidente do Tribunal Superior Eleitoral avocou o processo administrativo no qual foi firmado o Acordo de Cooperação Técnica com a Empresa Serasa e declarou a sua nulidade. A Ministra submeterá a sua decisão ao Plenário do Tribunal em sessão administrativa.



Em sua decisão, a Presidente concluiu pela impossibilidade do seu objeto. Pela decisão da Ministra, a norma jurídica adotada como base do ajuste (al. c do § 3º do art. 29 da Res. N. 21.538/03)teria de considerar entidade autorizada apenas aquela de direito público ou de fins públicos, não se podendo incluir entidade privada sem finalidade coerente com os objetivos da Justiça Eleitoral.

Sem base legal para o Acordo, a Ministra valeu-se da súmula 346 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a Administração Pública pode anular seus atos quando eivados de vícios.

O Acordo não teve execução, porque dependia do desenvolvimento de um sistema para o acesso dos dados que poderiam vir a ser disponibilizados.

Veja a íntegra da decisão da Ministra, que será submetida ao Plenário do Tribunal.
 
Fonte: TSE

O STF inova e volta atrás

Além de inédita, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de condenar à prisão um senador da República - Ivo Cassol, de Rondônia - reabriu a questão da competência da Alta Corte para determinar a cassação dos mandatos de parlamentares que tiver condenado. Cassol foi apenado a 4 anos, 8 meses e 26 dias em regime semiaberto por fraudar licitações quando prefeito de Rolim Moura, no seu Estado. A mesma pena foi aplicada a dois de seus então colaboradores. Eles deverão perder os cargos públicos que eventualmente exercerem. Mas Cassol só será privado de seu mandato se a maioria absoluta dos seus pares, em votação secreta, assim resolver. Para o presidente do tribunal, Joaquim Barbosa, a diferença de tratamento inverte a regra segundo a qual "quanto mais elevada a responsabilidade, maior deve ser a punição".
Configurou-se, de qualquer forma, uma reviravolta. No ano passado, por 5 votos a 4, o STF entendeu que a Câmara deveria cassar compulsoriamente os mandatos dos deputados João Paulo Cunha, José Genoino, ambos do PT, Pedro Henry, do PP, e Valdemar Costa Neto, do PR, condenados no processo do mensalão. Desta vez, por 6 votos a 4, o Supremo deixou para o Senado a decisão final. A mudança resulta da nova composição do tribunal, com o ingresso de dois novos ministros, Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso. Eles transformaram em maioria a minoria de então, juntando os seus votos aos dos colegas Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Do outro lado, mantiveram as suas posições Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. Por impedimento técnico, o ministro Luiz Fux, que pensava como eles, não pôde participar do julgamento de Cassol.
Barroso disse "lamentar" que a prerrogativa do Legislativo de cassar mandatos esteja na Constituição. "Mas está aqui", argumentou. "A Constituição não é o que eu quero, é o que eu posso fazer dela." Zavascki, por seu turno, afirmou que eventual incongruência da Constituição - como a que parece existir no artigo 55, que trata da matéria - "não é problema nosso". Para Barbosa, no entanto, "estamos aqui para interpretar a Constituição". Na mesma linha, Mendes disse que "o sujeito condenado exercendo mandato parlamentar é fórmula jabuticaba: só existe no Brasil". Não está claro, de todo modo, se a nova decisão prevalecerá sobre a anterior no caso dos deputados do mensalão. É o que se começará a saber a partir desta semana, quando o STF retomará o julgamento dos primeiros embargos à condenação dos réus.
Se os recursos forem admitidos - contra a posição, já manifestada, de Joaquim Barbosa -, poderão cair as condenações por formação de quadrilha de diversos réus da ação penal, entre eles o ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o publicitário Marcos Valério e o deputado Genoino, tomadas por 5 votos a 4. (O regimento do STF prevê a acolhida de embargos infringentes a sentenças em que pelo menos quatro ministros votaram a favor dos acusados, embora a lei tenha extinguido o recurso.) Isso porque, no julgamento de Cassol, Zavascki e Barroso o inocentaram do crime de quadrilha. Como o Estado destacou sexta-feira, Barroso acompanhou o voto do colega Dias Toffoli, o qual, para absolver o senador, repetiu os argumentos que usara no processo do mensalão. Segundo ele, acompanhando a posição da ministra Rosa Weber, "ocasional concerto de vontades para a prática de crimes" não configura quadrilha.
Daí não se infere que os novos ministros necessariamente replicarão os seus votos em relação a esse item, na hipótese de a maioria da Corte divergir do seu presidente quanto à admissibilidade dos embargos. É de lembrar ainda que os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello, que haviam condenado nove réus do mensalão por formação de quadrilha, só absolveram o senador porque não chegaram a quatro os acusados das fraudes de Rondônia. Não deixa de ser significativo, de qualquer maneira, que o ineditismo do ato do STF, ao mandar para a cadeia um senador, tenha dividido a cena com a questão das cassações e o presumível efeito da sentença para o desfecho do mensalão - do qual, no dizer de Mendes, dias atrás, o tribunal continua "refém".

Barroso propõe racionalidade aos julgamentos no STF

Em sua primeira sessão plenária no Supremo Tribunal Federal, o ministro Roberto Barroso propôs uma mudança para dar racionalidade e poupar tempo nos julgamentos da corte. O ministro se dispôs a encaminhar as conclusões de seus votos nos processos em que é relator aos colegas, para que todos tenham conhecimento antecipado de como irá decidir a matéria discutida.
Na prática, o sistema faria com que os ministros que concordam com a tese do relator não tivessem de investir tempo para elaborar seus votos sobre o tema. A proposta ajuda inclusive aqueles que pretendem divergir, já que podem contrapor as razões do relator com mais propriedade. A proposta foi feita ao fim do voto de Barroso em Mandado de Segurança (MS 28.160) que contestava decreto presidencial que desapropriou, para fins de reforma agrária, um imóvel rural na cidade de Chorozinho, no Ceará. Os ministros mantiveram a desapropriação.
Barroso acompanhou o voto da relatora, Rosa Weber, e então sugeriu o encaminhamento das conclusões de votos antes do julgamento. Isso porque ele poderia dedicar tempo a analisar outros processos, em vez que estudar e elaborar um longo voto sobre um caso em que concorda com todos os argumentos do relator.
Os ministros não chegaram a discutir a proposta de Barroso no julgamento. O decano do tribunal, ministro Celso de Mello, disse à revista Consultor Jurídico que considera a proposta viável. Segundo ele, o sistema não interfere na independência dos ministros e facilita o trabalho porque evitaria longas considerações sobre os julgamentos. “A sugestão poderia trazer mais racionalidade aos julgamentos”, afirmou.
Já o ministro Marco Aurélio não se mostrou favorável à ideia. Questionado, apenas respondeu: “Há 34 anos eu não troco figurinhas”. O ministro Dias Toffoli lembrou que costuma distribuir seus votos como relator na hora da sessão e voltou a defender que as questões mais simples sejam julgadas por meio de um plenário virtual. O ministro colocaria seu voto no sistema e haveria um prazo para que os demais votassem. E isso tudo franqueando pleno acesso aos advogados. Assim, as sessões do Plenário físico ficariam livres para julgar os temas mais complexos e de maior alcance.
A prática proposta por Roberto Barroso é nova no âmbito do Supremo, mas não é novidade para ministros e juízes de outros tribunais. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, o sistema já funciona com sucesso há anos na maior parte das turmas e seções do tribunal. Na 2ª Turma do STJ, os ministros trocam os votos dos processos pautados entre si dois dias antes da sessão de julgamento. Se o ministro pauta mais de 50 processos, a regra é encaminhar os votos com ao menos quatro dias de antecedência.
O encaminhamento já provoca uma discussão eletrônica entre os juízes. É comum os ministros apontarem precedentes em sentido contrário ao voto encaminhado e o voto ser reajustado. Isso evita debates desnecessários e faz com que a produtividade suba. Com a troca dos votos, os advogados e seus clientes também têm garantia de que, mesmo nos julgamentos em lista, todos os ministros tomaram conhecimento da questão.
Na 4ª Turma do STJ o sistema funciona de forma muito semelhante ao da 2ª Turma. Claro, essa é a regra. Há as exceções de casos mais complexos ou outros nos quais os ministros querem resguardar suas posições até o momento do julgamento. Nestes casos, os votos ou suas conclusões não são adiantados. Na maioria dos colegiados do STJ há algum tipo de procedimento do gênero para dar celeridade à análise dos julgamentos.
Barroso expunha ideias para racionalizar os trabalhos no STF antes de tomar posse do cargo. Em entrevista à ConJur, concedida no dia em que foi nomeado, o ministro afirmou que “o tribunal constitucional que julga 80 mil processos não tem condições de desempenhar adequadamente seu papel de tribunal constitucional”. E em artigo publicado no final do ano passado, Barroso defendeu a ideia colocada aos seus colegas nesta quarta-feira (1º/8).
À época advogado, Barroso escreveu: “O voto do relator deve circular pelos ministros antes da sessão de julgamento, para que tenham conhecimento do seu teor. Ou, pelo menos, a tese central desenvolvida e a conclusão devem ser informadas. Isso permitirá que aqueles que estejam de acordo possam simplesmente aderir, sem o trabalho desnecessário de preparar outro voto para dizer a mesma coisa — e sem consumir tempo precioso nas sessões plenárias. Os que divergirem já poderão chegar à sessão com sua posição alinhavada em um voto. Assim, minimiza-se a necessidade de pedidos de vista, abreviando-se o tempo de duração dos processos”.
 
 

Luís Roberto Barroso toma posse como ministro do STF

O advogado Luís Roberto Barroso tomou posse do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (26/6). Nomeado pela presidente da República, Dilma Rousseff, ele assumiu a vaga do ministro Ayres Britto, que se aposentou em novembro do ano passado ao completar 70 anos de idade.
O novo ministro já tem inclusive montada sua equipe de gabinete. A chefe será a advogada Renata Saraiva, que já trabalhou com Barroso. Eduardo Mendonça, braço direito do então advogado em Brasília, também fará parte do staff. Dois outros juízes auxiliares no gabinete já foram advogados em seu escritório: Frederico Montedonio e Marcelo Leonardo Turim.
Participaram da solenidade os presidentes do Senado, Renan Calheiros; da Câmara, Henrique Alves; o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; o senador José Sarney; ministros aposentados do STF, presidentes de tribunais e outras autoridades, além de familiares e amigos do novo ministro.
Nascido na cidade de Vassouras, no Rio de Janeiro, Barroso tem 55 anos e chega ao STF depois de figurar em listas de nomes cotados para o posto por dez anos. A posse foi prestigiada e muito comemorada no meio jurídico. O novo ministro tomou posse em meio à onda de manifestações por reformas que toma as ruas do país. Nesta terça, Barroso disse que ficava feliz de chegar a um cargo no poder público com a juventude e o povo na rua: “Essa é a energia que move a história. Energia do bem e da paz. A violência e a depredação não constroem nada de bom” — clique aqui para ler.
Barroso já era figura conhecida na tribuna do Supremo. Nos últimos anos, como advogado, atuou na maioria dos casos paradigmáticos julgados pela Corte. Foi a partir de uma ação por ele elaborada, por exemplo, que a corte veio a editar a Súmula Vinculante 13, que veda o nepotismo nas três esferas de poderes da República. A lista dos processos em que se sagrou vitorioso é longa. O reconhecimento do direito da gestante interromper a gravidez de fetos anencéfalos, a legitimidade de pesquisas com células-tronco embrionárias, o reconhecimento da união homoafetiva e a rejeição da extradição do ex-militante da esquerda italiana Cesare Battisti são alguns dos relevantes casos em que o advogado fez a diferença.
Para o ministro, o Judiciário não deve ser pautado pela maioria, já que uma de suas atribuições é exatamente a de ser contramajoritário para garantir direitos fundamentais das minorias. Mas não é de todo ruim que as decisões tenham legitimidade social: “A permeabilidade do Judiciário à sociedade não é em si negativa. Pelo contrário. Não é ruim que os juízes, antes de decidirem, olhem pela janela de seus gabinetes e levem em conta a realidade e o sentimento social” — clique aqui para ler.
Em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico, concedida no dia de sua nomeação, o ministro afirmou que não existe “um surto de ativismo judicial” em curso no país. O tema deu o tom de sua sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Segundo ele, a quantidade de leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo é ínfima e, mesmo em casos emblemáticos, o tribunal tem como característica a deferência ao Congresso Nacional. “Por exemplo, no julgamento sobre a possibilidade de se fazer pesquisas com células-tronco embrionárias, o Supremo manteve a lei que foi editada pelo Congresso. Não há um padrão rotineiro de ingerência indevida”.
 
 

Cultura do lítigio: empresas transferiram seu call center para o Judiciário

Em 2012, o Superior Tribunal de Justiça recebeu 275 mil novos recursos judiciais e julgou 362 mil processos, entre decisões individuais de seus ministros e coletivas, proferidas pelas turmas e seções do tribunal. Feitas as contas, descontados os dois meses de recesso judicial e os três ministros que não participam destes julgamentos (presidente, vice e corregedor), cada um dos 30 ministros do STJ proferiu 1.200 decisões por mês. Um volume que não encontra precedente em corte superior de nenhum outro país.
É com os olhos nestes dados que o ministro Luis Felipe Salomão, presidente da 4ª Turma do STJ, afirma que o papel da Corte foi desvirtuado por “um sistema recursal anárquico” que transformou o tribunal em terceira instância e o impede de cumprir a contento sua missão de uniformizar a interpretação da legislação federal no país. E, principalmente, julgar as questões que são realmente importantes para a cidadania. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, concedida para a composição do Anuário da Justiça Brasil 2013, que será lançado em março, o ministro aponta saídas para o engarrafamento judicial.
Para o STJ, a tábua de salvação é a aprovação pelo Congresso Nacional da proposta que institui a chamada relevância da questão federal — mecanismo semelhante à repercussão geral já em uso pelo Supremo Tribunal Federal. Para o Judiciário de forma geral, a solução é a criação de um caldo de cultura de conciliação e mediação e a percepção de que a lentidão judicial provocada pelo volume não é um assunto apenas da Justiça. “Trata-se de um problema de política pública, que demanda o envolvimento dos três poderes da República e da sociedade em geral”, afirma Salomão.
O ministro aposta que o trabalho em cima de métodos alternativos de resolução de conflitos, que evite que todo e qualquer litígio chegue à Justiça, é um caminho para diminuir o fluxo processual: “Sobretudo as chamadas demandas de massa poderiam ser resolvidas com um sistema de mediação mais adequado”. Na Presidência da Comissão de Reforma da Lei de Arbitragem do Senado, Salomão acredita que poderá começar a estudar as possibilidades de evitar que os conflitos deságuem todos no Judiciário. “Não temos a tradição de trabalhar soluções alternativas. Nas universidades não há cadeiras que tratem de mediação ou conciliação. Só cadeiras que ensinam a redigir petição inicial, contestação, recurso”, lembra o ministro.
Para Salomão, é preciso acabar com o “jogo de empurra” que interessa apenas a quem ainda usa a lentidão judicial como forma de ganhar dinheiro: “Todos estão acomodados. As empresas estão acomodadas. Os grandes litigantes do Judiciário estão acomodados porque transferiram o seu call center para a Justiça”. O ministro também enfatiza a necessidade de se aprimorar as técnicas de gestão eficiente do serviço judicial.
Leia os principais trechos da entrevista
ConJur — É possível construir uma jurisprudência que leve em conta a doutrina, as leis e as aspirações populares?Luis Felipe Salomão — Há alguns anos, a professora Maria Tereza Sadek fez uma pesquisa encomendada pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Uma das perguntas era o que os juízes levavam em conta na hora de decidir: o impacto social, o impacto econômico, o impacto popular. A pesquisa detectou que os juízes calibram bem todos os aspectos em suas decisões. O juiz não é um ser extraterrestre que não leva em consideração nenhum desses fatores para decidir. Leva sim, claro! Quando o juiz vai decidir, ele pondera valores, trás toda a bagagem cultural de sua vida e procura ver a solução mais justa para o caso concreto, mas também com o olho na consequência de suas decisões. A maioria age dessa forma. A doutrina tem um papel importantíssimo. A opinião da academia é valiosa. Nem sempre é correta para os casos em julgamento, mas é considerada. O juiz tem, sim, de observar os impactos sociais e econômicos de suas decisões. Mas o peso que será dado a esses fatores depende do assunto, das circunstâncias e da história de vida do juiz que vai prolatar a decisão.
ConJur — O maior gargalo da Justiça ainda é a lentidão no julgamento dos processos. Recentemente a Corte Europeia de Direitos Humanos condenou a Grécia a indenizar um cidadão vítima da lentidão judicial. O senhor acha que isso pode ocorrer no Brasil?Salomão — Se não houver prova de desídia e de má-fé do juiz ou de servidor, penso que não há direito a indenização. Mas a condenação do tribunal europeu não se deu só com a Grécia. A Itália é um país que tem uma série de condenações por lentidão judicial e até hoje tem uma legislação processual intrincada. Eu gostaria de ver a renovação de uma pesquisa feita pelo professor Mauro Cappelletti (doutor em Direito pela Universidade de Florença e professor da Universidade de Standford) em parceria com o professor Bryant Garth (doutor em Direito pela Universidade de Standford) que resultou no livro Acesso à Justiça. Eles compararam o tempo de duração dos processos em países variados, o custo e as soluções para resolver os problemas. A pesquisa foi feita há mais de 20 anos, com o apoio da Fundação Ford. Não conheço trabalho semelhante no mundo. O Banco Mundial financia algumas pesquisas...
ConJur — Mas o foco é outro, mais econômico, não? É o foco da segurança jurídica para investimentos.Salomão — São os negócios internacionais. Segurança jurídica para o ambiente de negócio. Seja como for, o fato é que precisamos cuidar da questão do tempo, da duração da demanda, que é um problema que aflige a maioria dos países civilizados. O Judiciário tem, sim, sua parcela de responsabilidade pela lentidão. Mas esse é um problema de política pública. Não é um problema isolado. É necessário trabalhar as soluções alternativas à jurisdição ou métodos alternativos de resolução de conflitos, sem que tudo acabe chegando à Justiça. Sem trabalhar fórmulas alternativas, não diminuiremos o fluxo de entrada, que hoje é muito volumoso. Sobretudo as chamadas demandas de massa poderiam ser resolvidas com um sistema de mediação mais adequado. Mas fica um jogo de empurra. Há também, por outro lado, a necessidade relativa ao treinamento mais adequado dos juízes e servidores para o tema da gestão judicial.
ConJur — Tem-se a impressão que há uma acomodação, uma resignação com o fato de que a Justiça é lenta, quase como se essa fosse uma característica intrínseca.Salomão — Todos estão acomodados. As empresas estão acomodadas. Os grandes litigantes do Judiciário estão acomodados porque transferiram o seu call center para a Justiça.
ConJur — Por quê?Salomão — Talvez porque isso implique redução de custos. Deve ser mais barato deixar acionar o Judiciário do que manter um call center que efetivamente resolva os problemas. Virou uma indústria em que muitos ganham dinheiro. Em todas as demandas se acrescem pedidos de indenização por danos morais e os recursos se multiplicam. Nós não temos a tradição de trabalhar soluções alternativas. Nas universidades não há cadeiras que tratem de mediação ou conciliação. Só cadeiras que ensinam a redigir petição inicial, contestação, recurso. O advogado aprende apenas a litigar, quando o foco, hoje, deveria ser compor conflitos.
ConJur — O que é preciso fazer para solucionar isso?Salomão — Dar um cavalo de pau. O CNJ vem atuando voluntariosamente com a Semana da Conciliação, por exemplo. É um esforço louvável. Mas é necessário o envolvimento dos três poderes da República e da sociedade organizada para resolver o problema. E, sobretudo, criar um caldo de cultura de mediação de conflitos. É questão de política pública do Estado Brasileiro, não só do Judiciário.
ConJur — Mas o senhor identifica algum fator chave que dá combustível à lentidão judicial?Salomão — São inúmeros fatores. Outro fator importante, além daqueles já mencionados, é o sistema processual. Temos um sistema de recursos anárquico, que permite transformar o STJ e o STF em terceira e quarta instâncias, desvirtuando o papel dessas cortes. Eu acredito também que dentro de pouco tempo deverá ser feita uma discussão séria a respeito da transformação da Suprema Corte do país em Corte Constitucional. Nós temos o sistema europeu de julgamento de recursos com o modelo americano de Corte Suprema. É hibrido. E isso leva a distorções. O desvirtuamento do papel do STJ e do Supremo está chegando a um ponto em que será preciso pensar em novos perfis adequados para estes dois tribunais.
ConJur — Esse desvirtuamento justifica o que se chama de jurisprudência defensiva? Explica o maior rigor na admissibilidade de recursos?Salomão — Infelizmente, sim. Sobretudo nos tribunais superiores, mas o desvirtuamento é tamanho que ela está se espalhando para os tribunais locais também. O volume está crescendo vertiginosamente, especialmente no caso das chamadas demandas de massa. Então, a jurisprudência defensiva é uma deformação do sistema anárquico de recursos. A solução para isso é que o STJ adote, à semelhança da repercussão geral para o Supremo, a relevância da questão federal. Tecnicamente não há outra saída.
ConJur — O respeito à súmulas não seria um bom começo? As súmulas do STJ têm sido seguidas pelas instâncias inferiores?Salomão — As súmulas são instrumentos poderosíssimos de segurança jurídica e têm o respeito da comunidade jurídica e dos tribunais. Mas venho notando que há uma gama tão grande de assuntos novos no campo do Direito Privado e uma multiplicidade e variação do mesmo tema que hoje as súmulas já não têm mais a precisão que tinham no passado. A sociedade mudou, os negócios jurídicos mudaram e os temas têm variados perfis. Logo, as súmulas também sofrem do problema da interpretação. Tornou-se muito difícil a redação de uma súmula prever tantas variações que decorrem de determinado tema. Como disse, a súmula é um instrumento poderoso, mas que também precisa ser adequado aos tempos atuais.
ConJur — Como?Salomão — Com subvariações de uma mesma súmula, com a diversificação do catálogo de súmulas. Na Comissão de Jurisprudência do STJ, que eu integro, sugeri que as súmulas que decorrem de julgamentos de recursos repetitivos sejam destacadas das demais súmulas. O ideal seria criar numeração nova para estas súmulas, mas teríamos de renumerar todas as outras. O ideal, então, é que se dê destaque.
ConJur — Arbitragem, mediação e conciliação são formas efetivas para desafogar a Justiça? Qual será o foco da Comissão de Reforma da Lei de Arbitragem e Mediação do Senado, que o senhor presidirá?Salomão — O Senado me honrou com o convite para coordenar os trabalhos dessa comissão, que eu reputo importantíssima. Não porque a Lei da Arbitragem tenha algum problema. Ao contrário, necessita apenas de pequenas adequações e atualizações. A história da lei é uma história de sucesso. Há, porém, espaço para trabalhar a questão da mediação, que não está regulada, e outras modalidades de soluções alternativas de conflitos que não estão previstas na lei. É nesse campo que eu acredito que a comissão possa ter um forte trabalho. A comissão será instalada em breve e o que me animou a integrá-la foi justamente o olhar pelo ângulo do acesso à Justiça. Das soluções que podem ser criadas para que esse acesso seja efetivo, por meio do Judiciário ou não.
ConJur — O senhor falou há pouco sobre os pedidos de indenização por danos morais que acompanham grande parte das demandas no Direito Privado. Um dos problemas das indenizações, que persiste ao longo do tempo, são valores díspares para situações semelhantes. O Judiciário pode fixar teto de valores para indenização por danos morais?Salomão — Esse é um tema recorrente porque a lei deixou ao arbítrio do julgador a fixação do valor por dano moral. E é um tema relativamente novo, que veio com a Constituição de 1988. Antes não havia a possibilidade de condenação em dano material e dano moral. Então, o debate é recente. O modelo de defesa do consumidor também se modificou e amplificou muito. E um dos instrumentos desse modelo é a ação de indenização por dano moral para a satisfação do consumidor lesado. Fala-se muito hoje em indústria do dano moral. O Judiciário ainda é um observador desse fenômeno, e só mais recentemente é que o STJ vem definindo alguns parâmetros e regras, como, por exemplo, se a indenização por dano moral é para o núcleo familiar global ou para cada um dos familiares per si, em caso de vítima que vem a morrer. Outro exemplo é o teto máximo de 500 salários em caso de morte. Há ainda diversos outros pontos a serem tratados pela jurisprudência.
ConJur — Para fixar o valor da indenização por dano moral o juiz deve dar mais peso à condição financeira e social da vítima ou à condição do causador do dano?Salomão — Deve levar em conta as duas coisas, mais as circunstâncias do fato e todo o conjunto de provas que cerca aquele caso particular. Por isso, e só por isso, é que o legislador deixou ao arbítrio do juiz a fixação do valor. O ideal é ter parâmetros, mas isso também não pode ser tarifado pelo Judiciário. Não se podem impor limites que engessem o julgador.
ConJur — Não dá para criar uma tabela.Salomão —Exatamente. Mas o valor é, de certa forma, balizado para que o dano moral não surta o efeito contrário, de falir ou quebrar uma empresa, por exemplo. Porque aí você atinge uma coletividade, que são os empregados e credores daquela empresa, para satisfazer um só cidadão. É necessário buscar o ponto de equilíbrio, e evitar a denominada “jurisprudência lotérica”, ou seja, para um fato semelhante, indenizações díspares.
ConJur — Por falar em credores, a penhora online em dinheiro deve ser medida preferencial nas execuções?Salomão — Sem nenhuma dúvida. A penhora online trouxe um avanço enorme. Há alguns senões aqui e ali, mas são exceções que confirmam a regra de que ela acabou com aquela ideia de “ganha, mas não leva”. A penhora online reduziu substancialmente o que era um dos gargalos das execuções judiciais. O sujeito passava anos para obter um título judicial executivo e, depois que obtinha, já não conseguia fazê-lo valer porque o devedor já não tinha bens.
ConJur — Mas muitos advogados reclamam que as exceções não são tão excepcionais assim. Há histórias de juízes que mandam bloquear a conta de empresas por conta de valores muito inferiores aos que estão na conta.Salomão — Eu já peguei um ou outro excesso. Mas os excessos são combatidos pelos recursos. O que não pode é cercar demais, criar muita burocracia, porque há o risco de desvirtuar o instituto e favorecer o devedor. Aí será um tiro pela culatra.
ConJur — Como o senhor vê o ano de 2012 para o STJ?Salomão — Um ano bom apesar do volume imenso de trabalho. Nós tivemos questões relevantíssimas discutidas. Mas o que precisa ser urgentemente pensado é a questão da relevância, um filtro que seja efetivo para que o tribunal possa trabalhar melhor e julgar com mais acuidade as causas mais relevantes. Há alguns outros pontos que nós temos que efetivamente melhorar. Por exemplo, dar um tratamento mais adequado aos recursos repetitivos, estruturar melhor o setor de distribuição e classificação dos processos. Mas estas são medidas administrativas que vão ser adotadas com maior ou menor brevidade. O foco principal para que o STJ continue vocacionado a atender a cidadania é a relevância da questão federal (clique aqui para ler a Retrospectiva 2012 sobre o STJ escrita pelo ministro).