domingo, 30 de dezembro de 2012

Os novos atores políticos

Um dos fatos mais relevantes de 2012 foi a transformação dos juízes do Supremo Tribunal Federal em novos atores políticos. Já há algum tempo o STF virou protagonista de primeira grandeza nos debates políticos nacionais, ao arbitrar grandes questões ligadas à vida nacional em um ambiente de conflito. Por tal razão, vemos hoje um fato absolutamente inédito na história nacional: juízes do STF reconhecidos por populares.
Durante décadas, a Suprema Corte era um poder invisível para a opinião pública. Ninguém via no Supremo a expressão de um poder que poderia reverberar anseios populares. Hoje é inegável que algo mudou, principalmente depois do julgamento do chamado “mensalão”, no qual o tribunal procurou traduzir em ações as demandas sociais contra a corrupção. Nesse contexto de maior protagonismo do STF, algumas questões devem ser colocadas.
Fala-se muito da espetacularização do Judiciário, que seria sensível aos apelos da mídia e de setores da opinião pública. Isto principalmente depois da criação de um canal de televisão, a TV Justiça, pelo qual é possível acompanhar julgamentos do STF. Se levado a sério o argumento, teríamos de afirmar que tal espetacularização é um fenômeno a atingir a democracia como um todo, e não apenas um de seus poderes. Na verdade, melhor isso do que os momentos nos quais juízes do Supremo podiam dizer que julgavam “de costas para a opinião pública”. A democracia exige o regime da máxima visibilidade dos entes e processos públicos.
Segundo, que juízes se vejam como atores políticos não deveria ser visto como problema. Só mesmo um positivismo jurídico tacanho acreditaria que a interpretação das leis pode ser feita sem apelo à interpretação das demandas políticas que circulam no interior da vida social de um povo. Interpretar uma lei é se perguntar sobre o que os legisladores procuravam realizar, qual o núcleo racional por trás das demandas que se consolidaram através da enunciação de leis. Que juízes se vejam, atualmente, com tais incumbências, eis algo que não deveria nos preocupar.
Há, porém, duas questões urgentes que merecem nossa atenção diante deste novo momento do Judiciário. Primeiro, a tripartição dos poderes foi feita com vistas à possibilidade de constituir um sistema de mútua inspeção. Um poder deve ter a possibilidade de servir de contrapeso aos demais. Para isso, todos os três poderes devem ter o mesmo grau de legitimidade e todos devem ter mecanismos simétricos de controle.
O único fundamento de legitimidade reconhecido pela democracia é a soberania popular. Ela se manifesta na escolha do Poder Executivo e do Legislativo. Mas está completamente ausente no interior do Poder Judiciário. O sistema de escolha e nomeação dos integrantes do STF, com suas indicações do Executivo e sabatina do Legislativo, é completamente opaco e antidemocrático. Haja vista as recentes inconfidências do ministro Luiz Fux a esse respeito. Nem sequer procuradores do Ministério Público são escolhidos por deliberação popular. Um poder que deseja um protagonismo político respeitado deve se abrir para a participação popular direta. Há uma criatividade institucional necessária que deve ser mobilizada para sairmos de um sistema “monárquico” de constituição do Judiciário, com suas indicações por compadrio ou “serviços prestados”, seus cargos sem tempo fixo de mandato.
O problema do controle do Judiciário não deve, no entanto, ser posto necessariamente na conta de tentativas de amordaçamento. Todos os poderes têm mecanismos de controle. Por exemplo, podemos aplicar impeachment em um presidente, cassar o mandato de um deputado, mas o que fazer quando um juiz do STF demonstra-se inapto ao cargo? Um poder democrático é aquele que deixa claro seus mecanismos de entrada e de saída, ou seja, como ele escolherá seus integrantes e como afastará quem se demonstra inabilitado para o cargo. Nos dois casos, nosso Judiciário tem muito no que avançar.
É necessário que a sociedade brasileira tenha a serenidade para discutir mecanismos de reforma do Judiciário, principalmente agora que compreendemos a importância de sua função. A democracia tem muito o que construir no que diz respeito à legitimidade popular de seus juízes.
 
 
 
 
 

Com mensalão, STF julgou maior processo de sua história

Originalmente com 40 réus, a ação produziu mais de 50 mil páginas e demandou a oitiva de 600 testemunhas.
 
“Vocês nunca mais vão ouvir falar de uma ação tão longa, de um julgamento tão complexo.” Foram com essas palavras que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, encerrou o julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, após mais de quatro meses de trabalho. Responsável por conduzir o caso na condição de relator, Barbosa admitiu que o mensalão trouxe “traumas” e que chegou a ter dúvidas sobre a conclusão do julgamento.
Além do grande impacto político, a complexidade da Ação Penal 470 vem da própria estrutura do processo. Originalmente com 40 réus, a ação produziu mais de 50 mil páginas e demandou a oitiva de 600 testemunhas. O julgamento durou 53 sessões e consumiu 204 horas de funcionamento do plenário, monopolizando o trabalho do STF no segundo semestre – em geral, a Corte leva até quatro sessões para julgar casos mais complexos.
 
A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2006 apontava indícios de funcionamento de esquema de pagamento de propina a políticos e desvio de dinheiro público entre 2003 e 2004. Depois de anos de apuração, o procurador-geral, Roberto Gurgel, concluiu que o mensalão foi “o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil".
Os crimes descritos pelo Ministério Público foram corrupção, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira, evasão de divisas e formação de quadrilha. Entre os denunciados estavam políticos ligados ao governo, parlamentares, assessores, donos e funcionários de empresas da área financeira, publicitária e de corretagem e um funcionário público.
Dos 40 réus iniciais, três não chegaram a ser julgados pelo STF. Ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira fez um acordo com o Ministério Público e prestou serviços comunitários; José Janene, ex-líder do PP na Câmara dos Deputados, morreu em 2010; e o empresário Carlos Alberto Quaglia, dono da corretora Natimar, será julgado pela Justiça comum devido a um erro processual no STF.

O julgamento do mensalão começou no dia 2 de agosto, depois de quase sete anos de tramitação na Suprema Corte, com a solução de questões preliminares e a apresentação das teses de acusação e de defesa. A fase de condenações e absolvições começou em 16 de agosto e terminou apenas em outubro. Dos 37 réus, 25 foram condenados e 12 absolvidos.
A etapa da fixação das penas começou no dia 23 de outubro e só acabou no início de dezembro. A Corte decidiu que 11 réus devem cumprir a pena em regime inicialmente fechado, 11 em regime semiaberto, um em regime aberto e dois tiveram a pena substituída por medidas restritivas de direito, como pagamento de multa e proibição de exercício de função pública. Ao todo, as condenações somaram 273 anos, três meses e quatro dias de prisão, e as multas superaram R$ 20 milhões em valores ainda não atualizados.

A partir de 5 de dezembro, os ministros decidiram questões residuais, ajustando penas e autorizando a perda de mandato de parlamentares. O julgamento terminou em 17 de dezembro, mas a ação penal continua tramitando. É esperada para o início de 2013 a publicação do acórdão, documento que sintetiza os principais acontecimentos do julgamento. Somente com o acórdão as sentenças podem ser executadas ou recorridas pelos advogados, que já prometeram acionar o STF para contestar as condenações e penas aplicadas.


Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?tl=1&id=1331287&tit=Com-mensalao-STF-julgou-maior-processo-de-sua-historia. Acesso em: 30 dez. 2012.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Dois novos livros: Dr. Luís Roberto Barroso

O primeiro chama-se O Novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. O livro comemora os meus 30 anos de vida acadêmica e é dividido em duas partes. A primeira contém seis artigos escritos ao longo desses anos. Cada um deles é antecedido de uma Nota Introdutória na qual procuro contextualizar o momento em que foi escrito e o propósito a que se destinava. Na segunda parte do livro, narro os bastidores, teses jurídicas e curiosidades de cinco casos em que atuei no STF: anencefalia, células-tronco embrionárias, uniões homoafetivas, nepotismo e Cesare Battisti. O segundo intitula-se A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: A construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Trata-se da versão em português do trabalho que escrevi durante minha estada, no ano passado, como Visiting Scholar na Universidade de Harvard.
 
 
Para quem tiver interesse, vai abaixo os capítulos introdutórios dos dois novos livros.
 
 
 
 
 
Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=618. Acesso em: 27 dez. 2012.

STF revê súmula que trata do nepotismo



O STF (Supremo Tribunal Federal) deverá reformular o texto da Súmula Vinculante 13, que proíbe a prática de nepotismo nos Três Poderes da República. O Presidente da Corte, Ministro Cesar Peluso, disse. No CNJ, que as decisões tomadas pelo STF em relação ao nepotismo, desde a aprovação da sumula, em 2008, não são conflitantes com o entendimento dos conselheiros do Conselho sobre o assunto. O comentário foi feito a partir da análise de processos envolvendo casos de nepotismo ligados ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
 
O relator, Ministro Jorge Hélio, argumentou que o STF trata a Súmula Vinculante 13 com "relativismo" ao apreciá-la. Para ele, o nepotismo "atenta contra tudo o que é ético e deve ficar fora do princípio que tem que nortear a administração pública e os direitos fundamentais". Alguns conselheiros do CNJ não veem uniformidade de pensamento sobre a questão do nepotismo no STF.
 
A Súmula 13
 
A Súmula 13 prevê que viola a Constituição Federal a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau [como tios e sobrinhos], inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas.
 
 
 
 
 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Eterno enquanto dure

Com a saída de Ayres Britto e a chegada de Teori Zavascki, volta a discussão sobre o caráter vitalício do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. Se não se despedem voluntariamente antes -como já fizeram Nelson Jobim e Ellen Gracie-, eles são despejados compulsoriamente aos 70 anos.
É assim que o decano Celso de Mello e o peculiar Marco Aurélio jogaram a toga sobre os ombros aos 43 anos para se enfurnarem no Supremo por um quarto de século. O mundo dá voltas, a política brasileira faz piruetas e lá estão os dois sobrevivendo a Collor, Itamar, FHC e Lula -e convivendo com Dilma.
Dias Toffoli assumiu aos 41 anos e, sendo bom ou ruim, se quiser ou aguentar, poderá ficar lá até outubro de 2037, num total de 28 anos. Há dúvidas sobre o quanto isso é bom para o tribunal e para o próprio juiz. Tanto que o debate vai e volta.
Na Alemanha, na Itália e em Portugal, os ministros da alta corte têm mandato fixo. No sistema alemão, que Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa conhecem bem, esse mandato era de 12 anos e foi reduzido para nove, tempo razoável para função tão importante, sem reeleição e sem coincidência com a eleição presidencial.
É um critério bem melhor do que o corte de 70 anos. Para uns, idade muito avançada. Para outros, nem tanto.
Ayres Britto foi nomeado aos 60 e sai compulsoriamente por completar 70 hoje. Pelo "amor ao STF" e pelo vigor intelectual, poderia ficar uns bons anos a mais, mas dez anos lhe parecem de bom tamanho.
Britto chegou ao tribunal maduro (de ideias, de sabedoria, de experiência) e sai ainda cheio de vida e de projetos para além-toga. Vai continuar morando em Brasília, fazendo pareceres especiais, escrevendo poesia, lendo romances. E defendendo mandato fixo para o Supremo.
Como diz Cármen Lúcia, "vitaliciedade é coisa do Império, transitoriedade é própria da República".
 
 
 
 

República!!!

“Eleitos não podem fazer qualquer coisa com o interesse público”
 
 O professor Carlos Luiz Strapazzon, professor de Direito Constitucional e autor do blog “República Inacabada”, fala sobre a confusão que se faz sobre República e Democracia e por que é preciso entender esses conceitos.
A República, como “coisa pública”, é muito confundida com a ideia de democracia, de um país governado pelo povo. O senhor concorda com essa ligação entre República e governo do povo?
Países republicanos nunca foram governados pelo povo e sim por representantes. O povo participa do poder político, seja elegendo ou tomando decisões pontuais em plebiscitos, referendos. Não quer dizer que o sistema precise que o cidadão dedique seu tempo para a administração da coisa pública. As democracias trouxeram uma visão de que o governo seria do povo. Na República, representantes de divindades e tradições estão fora. Todos os tipos de discursos que justificam a existência do poder orientados por razões e índole popular se transformaram em governo do povo, mas isso só ocorreu com os gregos. Não é assim hoje. Nós escolhemos quem governa, acompanhamos o que os governantes estão fazendo, mas estamos cuidando das nossas vidas particulares.
A população parece estar bem distante do governo. Será que ela acompanha, realmente, o que ocorre?
É claro que acompanha. Em alguns momentos, com mais intensidade e, em outros, menos. Não decide diariamente coisas de interesse público. Porém, critica, apoia as boas decisões e faz isso dependendo do assunto implicado. É ela quem escolhe a elite que a dirige. As democracias de certo modo misturaram as coisas, tentando dizer que a autoridade e o povo se confundem. Não é assim.
O que estamos falando quando citamos a cultura republicana?
É o regime no qual o governo procura proteger o interesse público. É uma das primeiras características, mas não é só isso porque, em uma ditadura, um governo autoritário pode agir em nome do interesse público. Muitas autoridades públicas tomam atitudes em nome de “interesse públicos”, praticando atos que não são republicanos. A República tem essa marca fundamental de ser um regime orientado pela preservação do interesse público, mais do que o interesse do povo, ou da elite governante. Se a maioria do povo não quer a união homoafetiva não quer dizer que o Estado não vai proteger essas minorias. É o respeito de direitos fundamentais.
Quando fica perfeita a união da democracia com a República?
Depois do século 19 é difícil separar. Na atualidade republicana, os que foram eleitos não podem fazer qualquer coisa com o interesse público. A diferença fundamental entre as repúblicas e as democracias é que os regimes democráticos têm processos competitivos de escolha de quem vai governar. Já os regimes republicanos têm critérios dos mais diversos para escolha de governantes, o que importa é que o interesse público esteja no governo. Uma democracia sozinha não é capaz de garantir um governo com interesse público. Pode-se eleger governos demagógicos, nos quais o que vale é a vontade do povo que o elegeu e não o interesse público.
Você entende que a população está compreendendo mais a função republicana de defesa do interesse público?
Essa dimensão republicana começa a ficar mais clara e isso quer dizer que vamos exigir outras coisas. Por exemplo, não se aceita um regime arbitrário. Aquilo que é orientado pelo interesse público tem de ser justificável, precisa ser razoável. Todos precisam entender as razões de uma decisão. E isso para que ele possa ser controlado nos seus excessos ou nas suas omissões.
Podemos dizer que o Brasil caminha para um amadurecimento dessa cultura republicana?
Há evidências de uma republicanização progressiva. A Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Acesso à Informação são evidências claras. É um Estado orientado pela legalidade. A nossa Constituição tem tradição republicana, com separação de poderes. Há sistema de controle recíproco, criou o Ministério Público só para exercer a função de controle.
Porém, somente a instituição não garante uma república real.
Sem dúvida. As repúblicas jovens precisam de uma institucionalidade republicana que seja reconhecida desta forma e de uma cultura cívica. Mas as instituições republicanas podem gerar uma cultura cívica. Uma coisa afeta a outra.
Nesse sentido, é possível dizer que o julgamento do STF sobre o caso mensalão pode ajudar nessa nova cultura no Brasil?
É difícil de perceber no meio do turbilhão o que vem adiante. O que é claro é a superexposição dos ministros do Judiciário. Muita gente não fazia ideia de como funcionava e de repente vêm esses caras com capas pretas mandando figurões para a cadeia. Isso tem uma simbologia. O STF está deixando claro o que é o interesse público e o que é interesse privado.
 
 
 
 
 
 

domingo, 4 de novembro de 2012

Pós-Mensalão

A Revista PODER, da Joyce Pascovitch, publica uma entrevista comigo sobre o Mensalão. Na verdade, não sobre o julgamento, propriamente dito, mas sobre as lições que se podem extrair do episódio. Há um modo ruim de se fazer política no Brasil que vem de muitas décadas e esta é uma boa oportunidade para repensar o sistema eleitoral e o sistema partidário. O país precisa de uma reforma política urgente e não há como realizá-la agradando a todos. Será preciso fazer escolhas. O próximo ou próxima Presidente da República deveria investir todo o capital político do início de mandato para mudar este modelo. A entrevista foi feita pela jornalista Andrea Michael. Apesar de ter sido bem reduzida, foi editada com competência e fidelidade. Clique abaixo para ver.
 
 
Revista Poder – Pós-Mensalão
 
 
by Prof. Dr. Luís Roberto Barroso
 
 
Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=606. Acesso em: 04 nov. 2012.
 

Um matemático desviado pelo Direito

António Castanheira Neves não perdoa o Direito por ter lhe desviado das suas duas grandes paixões: a Matemática e a Literatura. A influência do avô advogado foi mais forte e ele acabou se tornando uma grande referência em Teoria do Direito e Filosofia do Direito, apesar de ele mesmo considerar que ninguém é referência em nada. O catedrático jubilado da Universidade de Coimbra, em Portugal, esteve em Curitiba, na última semana, para proferir uma palestra no Instituto Professor Luiz Alberto Machado. Apesar de se definir como alguém que não é de falar muito, o acadêmico conversou com exclusividade com a reportagem da Gazeta do Povo e expôs suas críticas a questões, como a valorização exacerbada da Constituição.

Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo / O senhor procura entender o Direito por meio do problema jurídico. O que o levou a escolher este caminho?
 
O nosso pensamento jurídico eminente realmente se dogmatizou em um sistema que deixou de pensar verdadeiramente o Direito. Há um sistema de dogmatização de pressupostos que se afirmam como a expressão do próprio Direito, mas não são. Porque, frequentemente, essa dogmatização tem soluções, tem as figuras midiáticas, mas realmente há alguma coisa de mais importante do que isto. É o problema que está por trás. Este problema tem sido de tal forma esquecido que o Direito tem sido mobilizado para consequências que o atraiçoam. Eu, por exemplo, combato o neoconstitucionalismo porque me parece que esta atribuição absoluta, quase mitificada à Constituição, é um grave perigo para o próprio Direito. O que é a Constituição? É um projeto político judicializado e, portanto, é uma forma vazia. Se formos atribuir essa absolutização à Constituição, esvaziamos o Direito.
Como o senhor avalia a situação aqui do Brasil, onde a Constituição é muito valorizada?
Aqui no Brasil, com as vossas emendas sucessivas, com as vossas medidas provisórias, o que é isso, se não tornar a Constituição com uma contingência contínua? Afinal de contas, a configuração da Constituição é um instrumento político quase acrítico. Está esquecido aí propriamente o problema do Direito. No Brasil, a Constituição tem uma enorme importância pelas circunstâncias históricas. A Constituição foi uma espécie de contraponto a certa situação política e social. Eu compreendo isso. Mas, há um risco. Entendamos a situação de uma maneira mais global: esta dogmatização do Direito é um projeto moderno que o tornou um instrumento definido e definitivo. E, obviamente, a história não é definitiva. É definitiva na sua evolução, não nas soluções. O que quiseram fazer foi absolutizar uma só solução histórica que teve a sua contingência com todas as soluções históricas. Se nós continuarmos inermes, acríticos perante este modelo, estamos a absolutizar de novo um modelo que é apenas historicamente contingente. Se o absolutizarmos, estamos a esquecer o que ele foi, que foi a tentativa de resolver um certo problema histórico. Portanto ao continuarmos absolutizá-lo estamos a ver a solução, mas esquecemos o problema. É preciso que reconheçamos que esta solução, com a sua contingência, implica um problema que há de ser repensado.
As emendas constitucionais que o senhor citou não podem ser interpretadas como uma maneira de não se deixar dominar pelo passado?
Não. É uma tentativa de adaptar de uma forma totalmente política e contingente a Constituição, que é o pior que pode acontecer.


leia na íntegra aqui.

País produz 30 novas normas tributárias ao dia

Mesmo com um excesso de normas, a legislação sobre o sistema tributário precisa ser revisada no Brasil para facilitar a vida de contribuintes e advogados.
Levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que, desde que a Constituição Federal entrou em vigor, em 1988, foram criadas 290.932 normas tributárias no país. Em média, foram cerca 30 novas normas tributárias editadas por dia, nos últimos 24 anos. O estudo do IBPT, chamado “Quantidade de Normas no Brasil: 24 anos da Constituição Federal de 1988” apurou, ainda, que, neste período, foram feitas 14 reformas relativas ao Direito Tributário.
A quantidade não tem sido sinônimo de qualidade. A professora de Direito Tributário da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Betina Treiger avalia que as mudanças no Direito Tributário têm sido mais frequentemente negativas, já que a intenção é agravar a tributação. “Evoluíram os procedimentos administrativos de fiscalização, diante da informatização, mas isso não é devido à legislação”, constata a professora.
O presidente do IBPT, João Eloi Olenike, observa, ainda, que as reformas “não foram aprofundadas, na raiz dos problemas, mas casuais.” As melhorias, na opinião dele, foram para o governo, já que a arrecadação aumentou. “Foi bom para aumentar o consumo, com desoneração. Este tipo de ação só é feita pela política econômica e não pela população.”
Mudanças necessárias
Apesar da quantidade de normas já existentes, os especialistas em Direito Tributário reconhecem que é necessário revisar a legislação atual. A carga tributária brasileira é a 15ª do mundo e equivale a 35% do Produto Interno Bruto (PIB).
O professor de Direito Tributário da Universidade Federal do Paraná (UFPR) José Roberto Vieira observa que a carga é ainda mais pesada devido ao grande índice de evasão, ou seja, aqueles que pagam, pagam pelos que sonegam. Além disso, o retorno que o contribuinte tem é muito baixo se comparado ao que paga.
O presidente do IBPT defende que não é preciso fazer uma reforma ampla, geral e irrestrita, de uma só vez. Ele sugere que este trabalho seja feito de forma paulatina, fatiada, começando pela contribuição do Programa de Integração Social (PIS) e pela Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Confins). A cada ano, sustenta Olenikeiria, deveria se tratar de um assunto distinto, até que, em três ou quatro anos, houvesse uma reforma completa.
A professora Betina defende uma revisão que tenha como foco a “sustentabilidade do sistema tributário”. Segundo ela, se o sistema continuar como está “vamos absorver riquezas tributáveis por meio dos impostos e vai chegar um momento em que não haverá o que ser tributado”. Por isso, ela argumenta que qualquer novidade na lei precisa visar à manutenção das riquezas para que continuem a ser tributadas.
Operadores do Direito
Uma revisão ou organização mais eficaz das leis se faz necessária não apenas para reduzir a carga tributária, defendem os especialistas, mas também para que os operadores de Direito, que lidam com o assunto no dia a dia, tenham mais clareza de quais normas devem levar em conta ao executar seus trabalhos.
De todas as normas sobre Direito Tributário criadas desde 1988, apenas 7,5% estavam em vigor no início de outubro deste ano. Para Vieira, se a legislação vigente fosse obedecida, boa parte dos problemas seria resolvida. Ele chama atenção para o fato de o Código Tributário Nacional (CTN) determinar no artigo 212 que, até o dia 31 de janeiro de cada ano, os Poderes Executivos federal, estaduais e municipais devem expedir por decreto a “consolidação em texto único, da legislação vigente, relativa a cada um dos tributos”. Isto, diz ele, poderia ser um bom remédio para a confusão sobre qual decreto, lei ou resolução seguir.
Vieira descreve a situação como “caótica, em termos de confusão legislativa”. Por outro lado, ele reconhece que a grande dificuldade para se lidar com a variedade leis em boa parte justifica o trabalho do advogado, já que se torna praticamente impossível para o cidadão comum lidar com tamanha complexidade legislativa.
 
leia na íntegra aqui.
 
 
 
 
 
 

Condenações não mudarão história do Brasil, diz ex-presidente do STF

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Sepúlveda Pertence, 75 anos, acredita que as condenações do mensalão não terão o efeito de inibir de maneira significativa a corrupção no país.
Para Pertence, o modelo de presidencialismo de coalizão e a sofisticação dos crimes de colarinho branco ""incluídos os de políticos"" são fatores que continuarão a produzir uma conjuntura favorável para delitos como os do mensalão.
Em entrevista ao "Poder e Política" , projeto da Folha e do UOL, Pertence reconheceu que "não é rotineiro no Brasil" um julgamento como o do mensalão. "Há um dado positivo. O mecanismo judiciário funcionou", afirmou. Mas fez uma ponderação: "Não creio que isso vá transformar a história do Brasil. O que se passa para o leitor de jornal, o telespectador ou o leitor de revistas é que é histórico porque se está condenando. Mas isso é relativo".
 
leia na íntegra aqui.
 
 

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Crédito-prêmio de IPI deve compor base de cálculo do IR

O crédito-prêmio de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) causa acréscimo patrimonial e deve compor a base de cálculo do Imposto de Renda (IR). Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acatou recurso da Fazenda Nacional em litígio contra a Gerdau.
O benefício foi criado na década de 60 para estimular as exportações e a formação de reservas cambiais. Com ele, as fabricantes e exportadoras de manufaturados nacionais podiam compensar o tributo pago nessas vendas com o IPI devido nas operações no mercado interno.
O relator do caso, ministro Castro Meira, em seu voto-vista seguiu o ministro Herman Banjamin, que afirmou que "o crédito-prêmio do IPI tem caráter reparatório das despesas realizadas internamente à operação de venda, criado para incentivar o aumento da produção de bens destinados à exportação, razão pela qual não pode compor a receita de exportação, a título de lucro operacional, já que tal benefício fiscal acabaria acarretando um aumento na receita líquida da empresa (fato gerador do Imposto de Renda), fragilizando a própria finalidade do instituto".
Ao rever seu voto, o ministro Castro Meira, esclareceu que não se discute a equiparação do crédito-prêmio à receita de exportação ou operacional para incidência do IR, mas se o benefício fiscal, que aumenta o patrimônio da empresa, pode repercutir na base de cálculo do imposto. Para ele, o Imposto de Renda, amparado no princípio da universalidade (artigo 153, parágrafo 2º, I, da Constituição), incide sobre a totalidade do resultado positivo da empresa, observadas as adições e subtrações autorizadas por lei.
“Todo benefício fiscal, relativo a qualquer tributo, ao diminuir a carga tributária, acaba, indiretamente, majorando o lucro da empresa e, consequentemente, impacta na base de cálculo do IR. Em todas essas situações, esse imposto está incidindo sobre o lucro da empresa, que é, direta ou indiretamente, influenciado por todas as receitas, créditos, benefícios, despesas etc.”, concluiu o ministro.
Meira também afastou a preocupação com a anulação do efeito do benefício pela tributação, já que não há correspondência direta, nem equivalência quantitativa, entre o valor do crédito e o valor do imposto. Com a decisão, o crédito-prêmio será incorporado aos demais valores que compõem a base de cálculo.
Para a Turma, como há inegável acréscimo patrimonial decorrente do crédito-prêmio e não há autorização legal expressa de dedução ou subtração desses valores, eles devem compor a base de cálculo do IR.
O relator lembrou, ainda, que há um único precedente do STJ sobre o tema, de 2002, decidido de forma diversa. Naquele julgado, o ministro Garcia Vieira havia entendido que a adição do crédito-prêmio à receita de exportação seria inviável porque aumentaria, na mesma proporção, a receita líquida, contrariando o regulamento do IR de 1980 (data dos fatos), e fragilizaria o caráter reparatório e a finalidade do crédito-prêmio.

REsp 1135354

Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-out-15/credito-premio-ipi-compor-base-calculo-imposto-renda. Acesso em: 16 out 2012.

domingo, 14 de outubro de 2012

Corajosa decisão do CNJ

Com a valiosa ajuda de Eduardo Mendonça, Felipe Monnerat e Renata Saraiva, conseguimos uma vitória difícil e importante no CNJ para uma causa republicana. Como é público, no concurso para juiz de direito do Tribunal de Justiça de São Paulo, foram aprovados 216 candidatos para a prova oral. Tais candidatos haviam vencido a primeira etapa, que era o provão, a segunda, consistente em prova escrita de sentença, e a terceira consistente no psicotécnico. Pois bem: quando chegou a quarta fase, da prova oral (que é identificada), o Tribunal decidiu submeter os candidatos, além da prova de conhecimento, a entrevistas reservadas, sem gravação ou testemunha. Em tais entrevistas, foram feitas aos candidatos perguntas íntimas e pessoais, sobre religião, estrutura familiar, se o marido iria mudar-se para a comarca, se a candidata pretendia engravidar, qual a opinião sobre aborto de anencefálicos etc. Ao final de tal inusitado questionário, que nada tinha a ver com conhecimento jurídico, a banca reprovou 146 candidatos — dois terços do total! Nunca aconteceu nada semelhante em uma prova oral em qualquer concurso público no Brasil. Houve outras coisas erradas, como violação do lacre dos envelopes e sessão secreta de escolha dos 70 aprovados. O Conselho Nacional de Justiça, em decisão histórica, anulou parcialmente o concurso e determinou a realização de novas provas orais com todos os que foram indevidamente excluídos. E proibiu, doravante, a realização de tais entrevistas reservadas. Veja abaixo a sustentação oral feita por mim no CNJ e duas matérias do Consultor Jurídico sobre o tema.
 
Sustentação oral

Consultor Jurídico 1 

Consultor Jurídico 2
 
 
by Luís Roberto Barroso, Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ desde 1982. Mestre pela Yale Law School, e doutor e livre-docente pela UERJ (1990).
 
 
Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=603. Acesso em: 14 out. 2012
 
 

RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

O artigo propõe-se a delinear, sem pretensão de esgotar um assunto de tão relevante complexidade, diversos aspectos no que tange à responsabilidade tributária, dentro do vasto tema da responsabilidade tributária de terceiros, contida nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional. Trabalharemos na linha que leva à sujeição passiva indireta, hipóteses que esta comporta, e fi nalmente chegaremos ao estudo da responsabilidade de terceiros em suas modalidades: solidária e pessoal. Porém, esses terceiros obrigados, como veremos em nosso estudo, precisam de um vínculo pessoal ou profi ssional, sendo o caso de pessoa jurídica, com os sujeitos passivos da obrigação tributária, devem ter relação mesmo que indiretamente com a situação que constitui o fato gerador. Neste contexto, pode-se dividir a responsabilidade tributária de terceiros por transferência ou por substituição.
Portanto passamos a delinear pontos importantes deste instituto de grande importância para o sistema tributário nacional.
 
Leia na íntegra aqui


A recuperação de créditos de ICMS e a dívida pública

Tenho a nítida percepção de que a dívida pública brasileira é maior do que a contabilizada e controlada pelos órgãos públicos, tais como a Secretaria do Tesouro Nacional e Tribunais de Contas. Isto decorre de algumas dívidas que não vejo registradas nos documentos disponibilizados pelos entes públicos — salvo pontualíssimas exceções. Destaco três, dentre outras:
a) O valor a ser devolvido pelos estados aos contribuintes que pagaram mais ICMS do que o devido, seja em face de exportação (créditos de ICMS-Exportação), seja em face de Substituição Tributária praticada a maior.
b) O valor a ser devolvido aos litigantes que efetuaram depósitos judiciais. A União pode utilizar integralmente e estados e municípios até 70% do montante depositado. Ora, se o litigante vencer a demanda, o valor utilizado lhe deverá ser devolvido. Logo, se trata de uma espécie de “adiantamento” ou de “empréstimo” que o particular faz ao Poder Público, dependente de decisão judicial.
c) O valor dos precatórios devidos e não pagos, anteriores a 5 de maio de 2000, data da publicação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que passou a obrigar seu registro como dívida pública. A Resolução 40/2001 do Senado Federal criou uma distinção que jamais existiu na LRF, qual seja, a divisão do estoque da dívida pública com precatórios em antes e depois de 5 de maio de 2000. Logo, para fins de apuração do endividamento, o valor anterior à LRF não é computado.[1]
Estou convencido que a LRF focou nas dívidas financeiras, não dando tanta importância a estas outras dívidas, que se acumulam no quotidiano e não estão sendo devidamente contabilizadas. Não se há de esquecer que o “estoque de dívida” é muito importante para os estados e municípios, pois se caracterizam como um limite para novos endividamentos. Foi divulgado esta semana que a União autorizou o estado de São Paulo a aumentar seu endividamento financeiro em mais R$ 10 bilhões. O argumento é que a dívida pública paulista era de 2,27 vezes sua Receita Corrente Líquida e foi reduzida para 1,44. Duvido que os milhares de credores de precatórios paulistas subscrevam esta análise contábil — segundo estimativas da OAB-SP a dívida de SP com precatórios chegou em 2012 a mais de R$ 18 bilhões. É claro que o estado de SP financia seu desenvolvimento à custa do descumprimento de ordens judiciais.
Poderia discorrer sobre os três itens acima, mas isso demandaria texto demais para um só artigo, motivo pelo qual neste tratarei apenas de como o contribuinte pode recuperar o valor que os Estados devem de ICMS em face da exportação. Dos demais temas tratarei posteriormente.
A Constituição Federal de 1988 originalmente outorgava aos estados-membros a possibilidade de, “nos termos de lei complementar”, tributar a exportação de mercadorias através do ICMS.
Tratava-se de um erro, pois as questões envolvendo exportação dizem respeito ao balanço de pagamentos, às relações de comércio exterior, que só devem ser tributadas em face de aspectos regulatórios pelo Estado Nacional, jamais pelos entes subnacionais. No Brasil atual, compete à União estabelecer o Imposto de Exportação, com finalidade eminentemente extrafiscal. Deixar a possibilidade de os estados-membros criarem uma incidência tributária sobre bens exportados foi um erro crasso de nossa Carta, felizmente consertado após muito debate jurídico, judicial e político — mas não de forma plena, pois até os dias atuais permanecem efeitos deletérios daquele erro original.
O “conserto” veio com a Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), no artigo 3º, II, que afastou a incidência do ICMS sobre as exportações. Porém, por ser um imposto plurifásico, era necessário também afastar as incidências anteriores para que realmente houvesse a desoneração das exportações. Fazer apenas na ponta final do processo não afastaria integralmente o custo fiscal, pois os créditos de ICMS utilizados na aquisição dos insumos não seriam recuperados uma vez que a etapa seguinte estava desonerada.
A possibilidade de aproveitamento dos créditos anteriores de ICMS consta do artigo 21, parágrafo 2º e, em especial, do artigo 25, parágrafo 1º, da Lei Kandir, que permitiu que os saldos credores de ICMS fossem: “I — imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado; II — havendo saldo remanescente, transferidos pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito”. Esta matéria foi constitucionalizada pela Emenda 42/03, que alterou o artigo 155, parágrafo 2º, X.
Observe-se que nesta situação os polos ativo e passivo da relação de crédito se invertem, pois o Estado passa a ser devedor, e o contribuinte se torna credor. Logo, é o inverso de uma relação tributária, caracterizando-se como uma obrigação financeira do Estado para com o particular.
Duas possibilidades se abrem nesta relação em face do artigo 25, parágrafo 1º, da LC 87/96: (I) O Estado é obrigado a acatar a imputação dos saldos credores de ICMS realizada pelo credor privado a qualquer estabelecimento seu no Estado (podendo contestar eventual incorreção de valores). Ou ainda, (II) na hipótese de haver saldo remanescente - e apenas nesta hipótese — o credor privado (originalmente sujeito passivo da obrigação tributária) poderá transferir estes valores a outros contribuintes do mesmo estado.
Neste segundo caso (II), a norma exige que o estado (devedor) emita um documento que reconheça (declare) a dívida pública para com aquele credor privado, a fim de permitir a cartularização do crédito — nada além disso. Não se trata de um documento que tenha caráter constitutivo, mas meramente declaratório, pois o débito do estado para com o credor privado já está constituído em face da existência de saldos credores acumulados.
Fazendo um paralelo com as normas tributárias, esta apuração dos saldos credores equivaleria ao lançamento por declaração, onde o contribuinte informa ao Fisco os dados solicitados e este procede ao lançamento — só então o contribuinte estará obrigado ao pagamento. Haveria uma espécie de “fiscalização prévia” por parte do Fisco neste tipo de lançamento.
Ocorre que, como é de todos sabido, o lançamento por declaração, que era predominante até meados dos anos 80 do século passado, tornou-se peça de museu, em face da adoção rotineira do lançamento por homologação, ou autolançamento, onde o contribuinte apura e paga o tributo, pendente de atuação do Estado (fiscalização ou homologação, mesmo que tácita) posterior ao lançamento. Isto ocorreu porque o Fisco não possuía pessoas e tecnologia suficiente para fazer este procedimento prévio à arrecadação. Por este motivo, pouco a pouco, a sistemática foi sendo alterada, obrigando o contribuinte a pagar primeiro e depois aguardar o procedimento fiscal. Portanto, o que era ”por declaração” tornou-se “por homologação”. Recordemos que, em ambos os casos, o lançamento não constitui o crédito, apenas o declara, pois este é preexistente àquele. A obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador e o crédito se materializa (torna-se cártula) com o lançamento — são velhas lições que devem ser retomadas.
No caso em tela, de devolução do valor pelo estado ao credor-exportador, a situação é semelhante. O estado, mediante a emissão deste documento, apenas declarará a existência do saldo de crédito, jamais o constituirá. O saldo de crédito é preexistente e decorre das operações anteriores à exportação. A função deste documento será apenas de cartularizar o crédito que o credor privado possui contra o Fisco, recebível através de dinheiro ou de compensação, que pode ser negociada com terceiros.
Assim, sendo pré-existente o crédito, a função do estado ao “emitir o documento que reconheça o crédito” é apenas a de transformá-lo em cártula, a fim de facilitar sua comercialização e, principalmente, realizar os devidos registros contábeis. Afinal, na hipótese do inciso II, haverá uma compra e venda, que será registrada contabilmente entre as partes privadas envolvidas, e este documento facilitará tal procedimento.
Mas, será este documento fiscal imprescindível para a realização desta operação de compra e venda de créditos? Se o estado não expedir ou retardar a emissão desse documento (que tem caráter declaratório) o credor/contribuinte não poderá vender estes créditos? Trata-se de um elemento essencial ao reconhecimento do crédito?
Entendo que não. O estado não pode se eximir ou retardar indefinidamente (o que, na prática, produz o mesmo resultado) a emissão deste documento. Pode até discutir se o valor está ou não adequado, se foi apurado de forma correta jamais se negar ou protelar sua expedição.
A base jurídica para contestar esta inação do estado tem alguns caminhos, dentre eles o Princípio da Razoável Duração do Processo, (inciso LXXVIII, art. 5º, CF)[2].
 
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Fonte: Conjur

Ditadura militar

Grupo fará resgate da resistência no Paraná
Pesquisadora na área de Direito Cons­titu­cional, a professora da Universidade Federal do Paraná Vera Ka­­ram tem entre seus campos de pesquisa os direitos humanos e o estado de exceção. É uma das coordenadoras do Observatário de Direitos Humanos do Paraná, formado no mês passado. O grupo tem como objetivo auxiliar a Comissão Nacional da Verdade na análise da violação de direitos humanos no Paraná durante a ditadura militar. Uma das metas é localizar corpos de opositores do regime. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela mostra posição dura em relação a quem cobra também a explicitação dos crimes praticados pela esquerda durante a ditadura.
Quais as primeiras tarefas do Observatório dos Direitos Humanos?
As primeiras atividades devem se concentrar nos aspectos relativos à justiça de transição, que é o processo de passagem de um regime de exceção para a democracia. Como ficam os crimes cometidos pelos agentes do Estado em relação àqueles que desapareceram, foram torturados, mortos? Será que vão ser isentos de responsabilidade? No primeiro momento, a ideia é colaborar com o Fórum Paranaense de Resgate da Verdade, Memória e Justiça, instalado e capitaneado pela UFPR.

O Paraná foi palco de um episódio marcante na queda da ditadura, com o primeiro comício das Diretas Já, mas pouco se fala sobre a resistência no estado. O que ainda está por vir à luz?
Uma das funções do Observatório será colaborar com as Comissões da Verdade que estão sendo instituídas. Apuraremos informações colhidas dos mais diversos meios [depoimentos, testemunhos, arquivos, material impresso] e ajudaremos a organizá-las. Assim, as comissões poderão ter o registro de como foi a resistência no Paraná, quem foram os personagens destacados.
 
O que se sabe sobre isso até agora?
O que se sabe é o que se tem disponível nos arquivos públicos. Posso falar com mais propriedade da Faculdade de Direito da UFPR. Professores como Larmartine Corrêa de Oliveira, Rene Dotti, Acir Breda, Francisco Muniz e tantos outros tiveram papel fundamental na defesa de estudantes perseguidos. Temos um arquivo que precisa ser mais bem investigado, depoimentos de professores e ex-alunos que foram personagens da História. Queremos formar uma rede para fornecer informações à Comissão Nacional da Verdade, que entrega seu relatório em 2014. Demanda é o que não falta.

Algum ponto específico?
São demandas de direitos humanos, algo que já vem sendo trabalhado na universidade. No núcleo de prática jurídica, por exemplo, há uma discussão intensa sobre moradia, ocupação do espaço urbano. Por que as cidades são tão excludentes, por que cada vez mais as pessoas com menor poder aquisitivo são expulsas para as periferias?
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A polêmica do novo tipo de usucapião

Possibilidade criada na lei do programa Minha Casa, Minha Vida garante, após dois anos, o direito de propriedade para o cônjuge que permanecer no imóvel.
 
Medida desperta críticas.
A possibilidade de um dos cônjuges perder o direito à propriedade do imóvel, por ter saído de casa, tem criado controvérsias, desde que a nova norma que prevê esta medida entrou em vigor. A Lei 12.424, de junho de 2011, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos em área urbanas, tornou-se polêmica ao instituir um novo tipo de usucapião, que requer um prazo menor para se concretizar: apenas dois anos.
A nova lei acrescentou ao Código Civil o artigo 1.240-A, com a previsão de que quando um cônjuge ou companheiro exerce “por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
Críticos deste novo tipo de usucapião consideram que esta possibilidade pode levar ao aumento do número de divórcios. Ao sair de casa no que poderia ser apenas um “tempo para pensar”, um dos cônjuges pode se preocupar em fazer logo a partilha com receio de perder os direitos sobre o imóvel por meio da usucapião.
O professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Xavier Leonardo considera que a usucapião não deve existir dentro dos conflitos conjugais. Ele ressalta que, na prática, muitos casais divorciam-se e esperam mais algum tempo antes de fazer a partilha dos bens, esperando um estado psicológico melhor para realizar a divisão. “Isto é norma de gabinete, é norma de quem não conhece a vida”, critica Xavier, ao referir-se ao dispositivo da nova lei.
A coordenadora do curso de especialização em Direito de Família da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Regina Beatriz Tavares da Silva, por outro lado, defende que dois anos não é um período curto para se aplicar este tipo de usucapião por se tratar de uma situação em que as pessoas já se conhecem e viviam juntas. “É um prazo mais do que razoável para que aquele que deixou a casa tome uma medida judicial no sentido de querer legalizar a situação.”
Segundo Xavier, entretanto, já existiam mecanismos legais para resolver litígios quando um dos cônjuges saía de casa, como pretensões indenizatórias por benfeitorias realizadas no imóvel e, inclusive, as hipóteses de usucapião que já existiam na legislação anterior, em que aquilo que é uma posse comum passaria a ser uma posse exclusiva.
Xavier destaca também que há diversas situações em que um dos companheiros se afasta do lar por questões de segurança, seja a própria segurança ou para evitar cometer ação violenta em um momento de descontrole. Esta é justamente outra crítica recorrente à lei: na prática, as vítimas de violência doméstica teriam menos garantia para proteger seu patrimônio ao sair de casa.
Abandono
Para o professor de Direito Civil da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Carlos Eduardo Pianovski, a nova lei é interessante desde que seja aplicada de acordo com os limites compatíveis com o Direito de Família contemporâneo. Na opinião dele, a intenção do legislador não foi ressuscitar a discussão sobre o abandono de lar, que era previsto no Código Civil de 1916 e se referia à violação da obrigação de residir no domicílio conjugal. “O abandono a que se refere a lei é efetivamente um abandono moral e material e, mais do que isso, trata-se do tipo de circunstância em que ocorre por parte do cônjuge um afastamento sem qualquer tipo de contato com a vida da família.”
Pianovski defende que a lei 12.424/2011 simplifica a situação para aquele que permanece no imóvel em caso de desaparecimento do cônjuge. Na prática, para se levar a efeito a partilha, aquele que ficou precisaria fazer a ação de divórcio, com citação por edital do cônjuge cujo paradeiro é desconhecido e, por fim, a pessoa ficaria em condomínio com o ex-companheiro desaparecido. “Isso gera graves dificuldades para administração do bem e, sobretudo, para a sua disposição.”
Regina Beatriz Tavares da Silva observa que o casamento ou a união estável trazem deveres e que os deveres só existem se houver sanções. A usucapião conjugal, como ela chama a nova modalidade, seria justamente uma sanção.
 
Tipos de usucapião aqui
 
 

Novas alterações na relação trabalhista

As súmulas editadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que sintetizam o pensamento consolidado da corte suprema trabalhista sobre determinada matéria, embora não tenham força de lei, acabam, na prática, produzindo efeitos semelhantes. Tal fato se dá, principalmente, pela inadequação e/ou omissão da legislação trabalhista pátria, que não acompanha os reflexos da evolução socioeconômica nas relações de trabalho.
Visando impedir a obsolescência de algumas súmulas, bem como verificar a necessidade de criação de novas diretrizes, foram analisados 43 temas controvertidos na esfera trabalhista pelo TST, gerando inúmeras alterações nas diretrizes anteriormente existentes, sendo que muita delas causarão grande repercussão no dia a dia das empresas e empregados, uma vez que alteram e/ou refletem em questões rotineiras na relação de trabalho.
Um dos pontos de grande relevância foi a mudança do posicionamento acerca do adicional de sobreaviso devido ao empregado. Isto porque, agora se considera em regime de sobreaviso, com o consequente direito ao recebimento de valor adicional correspondente a 1/3 da hora normal, o empregado que, mesmo à distância, esteja submetido a controle do empregador por meio de instrumentos telemáticos e informatizados (como celulares, smartphones e tablets) e permaneça em regime de plantão ou à disposição, aguardando o acionamento pelo empregador a qualquer momento durante o descanso.
Mencionada mudança pode causar a anomalia de empregados alegando que estavam à disposição 24 horas por dia, 7 dias por semana, pois, atualmente, os smartphones e tablets são uma realidade na vida das empresas e empregados e, de fato, configuram meio de comunicação que permite ao trabalhador se deslocar e aproveitar seu descanso, ainda que sabendo da possibilidade de ter que retornar ao trabalho.
Por certo essa nova interpretação trará grandes alterações na sistemática das empresas, tendo em vista que anteriormente estava pacificado o entendimento de que o uso de bip ou celular, que permitem a mencionada mobilidade, não dava direito ao recebimento de horas de sobreaviso pelo empregado.
Para que toda e qualquer ligação ou email fora do expediente não configure sobreaviso, as empresas deverão se precaver com políticas internas de utilização de celulares, smartphones e tablets após o horário de serviço, para impedir a proliferação de posteriores ações trabalhistas reclamando o pagamento de sobreaviso.
Houve, também, mudança relevante em relação à ampliação dos empregados passíveis de estabilidade. Esse direito agora atinge a empregada gestante, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado (súmula 244) e temporário, sendo o atual entendimento o exato oposto do antigo, no qual a empregada contratada por prazo determinado não era detentora dessa estabilidade.
Outra novidade importante foi a edição da súmula que presume como discriminatória a dispensa de trabalhador que seja portador do vírus HIV ou outra doença grave que suscite estigma ou preconceito, cabendo ao empregador fundamentar a dispensa e os motivos pelos quais o empregado nas condições expostas foi o escolhido para demissão e não outro, sob pena de, em princípio, ter o empregador que o reintegrar em futura ação judicial, que anulará a sua dispensa.
Louvável a elaboração da súmula acima citada, pois protege e pune a discriminação, contudo, ressalva-se um possível efeito reverso deste entendimento na prática, uma vez que os empregadores, no momento da contratação, embora proibido por lei, poderão preterir candidatos nessas condições, com receio de terem problemas no momento de eventual desligamento.
Como visto, a revisão dos precedentes e dos atuais entendimentos feita pelo TST inovou inúmeros posicionamentos sobre diversos temas, os quais já estavam em grande parte solidificados em outras vertentes, e firmou outras garantias que devem ser observadas cuidadosamente pelas empresas, pois gerarão grande repercussão na sistemática que, em geral, estava sendo observada.
Noutro passo, ainda haverá muita discussão acerca da aplicação dos novos posicionamentos, haja vista que em muitos pontos pode haver o entendimento que o TST está legislando por meio de súmulas, fato este que poderá fazer com que tais discussões cheguem ao Supremo Tribunal Federal.
by Luiz Fernando Alouche, especialista em Direito do Trabalho e pós-graduado em Direito da Economia e da Empresa, e Rodrigo Rosalem Senese, especialista em Direito do Trabalho.
 
Disponível em:http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/artigos/conteudo.phtml?tl=1&id=1303869&tit=Novas-alteracoes-na-relacao-trabalhista. Acesso em: 06 out. 2012.
 
 
 

Responsabilização civil preocupa advogados

A possibilidade de terem de ressarcir clientes, por eventuais erros na condução dos processos, leva profissionais a se prevenir por meio de seguro.
Como todo ser humano, e como em qualquer atividade profissional, os advogados estão suscetíveis a cometer erros. E, nestes casos, eventualmente, uma falha pode vir a prejudicar (e muito) o cliente. Quando isto ocorre, cabe ao advogado, a partir de sua responsabilização civil, ressarcir o cliente pelo erro ou omissão. A fim de se precaver do ônus gerado por indenizações que tenham de pagar por eventuais falhas, os advogados têm recorrido a seguros de responsabilidade civil. Não há um levantamento específico sobre o crescimento da procura, mas os profissionais da área de seguros estimam que a busca tenha aumentado algo em torno dos 50% nos últimos dois anos.
O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.096/1994) define no artigo 32 que “o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.” Portanto, quaisquer problemas como lapsos com datas, extravios de documentos ou falta de atenção à legislação vigente podem levar o cliente a pedir o ressarcimento.
O professor de Direito do Centro Universitário UniCuritiba Clayton Reis explica, entretanto, que “sendo o advogado um profissional liberal, sua culpa é subjetiva, ou seja, deverá ser objeto de prova em juízo para o efeito da sua responsabilização”. Reis, que ministra a disciplina de Responsabilidade Civil, lembra que o advogado exerce uma atividade meio e, por isso, não tem a obrigação de vencer a causa e nem poderia sofrer um processo apenas em função de resultado negativo para o cliente.
Em maio deste ano, uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) definiu que um advogado do Paraná deveria ressarcir um cliente com uma indenização de R$ 15 mil por falha (Recurso Especial 1.228.104-PR). O profissional havia sido contratado para pleitear diferenças salariais e gratificações em uma ação ordinária contra o estado do Paraná, mas, quando foi procurado posteriormente, negou que havia sido efetivamente contratado. Quase vinte anos depois, uma nova advogada contratada descobriu que a ação havia sido proposta, inclusive com recursos em tribunais superiores, e foi julgada improcedente. O relator do caso, ministro Sidnei Beneti, considerou que o cliente tinha direito a reparação por danos morais.
 
Seguros
Apesar de a procura por seguros de responsabilidade civil não ser regra, a busca tem aumentado e se tornado mais comum no Brasil. Anderson de Souza, que trabalha na Auxílio Corretora de Seguros, diz que, nos últimos dois anos, a procura por seguros de responsabilidade civil em geral cresceu cerca de 50%. Ele não consegue mensurar o aumento da procura exclusivamente por advogados, mas avalia que o crescimento foi semelhante.
Diversas situações são previstas para que o segurado tenha garantia de ser ressarcido caso sofra processo (veja box). Mas, em alguns contratos com a seguradora, pode estar previsto que atos dolosos não serão cobertos.
O Presidente do Grupo Nacional de Trabalho de Responsabilidade Civil e Seguro da AIDA Brasil (Associação Internacional de Direito de Seguro), Sergio Barroso de Mello, observa que grandes empresas consideram um diferencial para escritórios de advocacia ter um seguro de responsabilidade civil. “Sem esse seguro muitas empresas sequer recebem tais profissionais [do direito] para ouvir as suas propostas de trabalho.”
Antonio Penteado Mendonça, advogado de São Paulo, especializado em seguros, ressalta a importância de o advogado ter um seguro proporcional à sua área de atuação. “Se você advoga para uma grande empresa e defende interesses na casa dos milhões, bilhões de reais, é melhor ter um seguro, porque você corre um sério risco de ter de entregar tudo o que tem no caso de cometer uma falha.” Ele mesmo diz ter seguro em seu escritório, mas os clientes não são informados sobre isso, só ficam sabendo se perguntarem. Para Mendonça, o principal interesse em ter esta garantia é do próprio advogado.

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domingo, 7 de outubro de 2012

Poder Judiciário sobrecarregado

Brasil chegou a um processo a cada meio habitante em 2010, um número sem precedentes mundiais, de acordo com especialistas. Saída estaria na tecnologia de informação.
A sobrecarga é um dos principais problemas hoje do Poder Judiciário brasileiro, de acordo com os especialistas reunidos no evento O Futuro da Justiça, que aconteceu na seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil, na última semana. A solução para a redução deste excesso de trabalho, defendem eles, passa inevitavelmente pelas novas tecnologias de informação e na unificação dos sistemas.
De acordo com dados apresentados durante o evento pela professora de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) Maria Tereza Sadek; em 2010, o Brasil chegou a 1 processo para cada 0,5 habitante, um número sem precedentes mundiais. Em 2003, a média era de 1 processo a cada 10 habitantes. “Temos uma proporção de processo por habitante sem paralelo no mundo ocidental. É uma situação de barbaridade do ponto de vista de demanda”, afirma a professora.
Leia na íntegra aqui.

domingo, 23 de setembro de 2012

O presidencialismo de coalizão e a administração Pública

A Constituição, que no próximo ano completa vinte e cinco anos, procurou dotar o país de uma administração pública capaz de dar conta dos desafios que a complexidade da sociedade brasileira, sedenta por justiça social, oportunidade e desenvolvimento, impõe. O intento se apresentava, igualmente, como uma reação a uma história marcada pelo patrimonialismo, pelo clientelismo, pelo compadrio, pela confusão recorrente entre o público e o privado. Daí a exigência de concurso público para ingresso na função pública, a fixação de princípios reitores da conduta do agente público, como o da legalidade, impessoalidade, da moralidade e da probidade, mais tarde acompanhados, em função de emenda constitucional, pelo da eficiência, todos seguidos de regras estritas vinculantes do agir administrativo. O legislador, por seu turno, aprovou uma série de leis cuidando do tema, tudo para satisfazer a exigência constitucional de uma administração pública republicana, transparente, proba e eficiente. Há, todavia, uma imensa distância entre as proclamações do constituinte ou do legislador e a realidade que o cidadão enfrenta todos os dias. Problemas de má-gestão de verbas públicas, insuficiência de equipamentos, filas nos hospitais, deficiência na prestação do serviço público educacional, déficit habitacional, falta de saneamento ou infraestrutura sucateada são mais do que evidentes. Problemas, aliás, que se arrastam, há anos, porque não são enfrentados de modo racional e planejado pelos gestores públicos. Nossa administração pública, afirme-se, não é profissional, nem eficiente.
É evidente que o planejamento, a capacitação permanente dos servidores, a boa execução orçamentária, a definição de políticas públicas adequadas a partir da eleição racional das prioridades, o tratamento do cidadão com respeito e consideração, o combate à corrupção e às más práticas administrativas, a participação dos implicados no universo das escolhas públicas, a radicalização da transparência, tudo isso conforma um feixe de sugestões úteis para a melhoria da administração pública. Ora, sobre o tema, sempre fascinante, há farta literatura e os bons gestores, com apoio nos estudos mais estimulantes, não medem esforços para aproveitá-la.
Há, todavia, uma questão que tem passado ao largo dessas discussões. E ela envolve a organização constitucional dos poderes. Promulgada a Constituição de 1988, o cientista político italiano Giovanni Sartori, em estudo sobre a engenharia constitucional comparada, apontou, entre outros, o brasileiro como um sistema de governo incapaz de funcionar. Sérgio Abranches, por seu turno, estudando a sua configuração política e constitucional, chamou de presidencialismo de coalizão o sistema que estamos a experimentar. Mais recentemente, os professores Fernando Limongi e Oscar vilhena procuraram demonstrar que, apesar da crítica de Sartori e da desconfiança de Abranches, o presidencialismo de coalizão funciona. O país, afinal, resolveu, institucionalmente, as crises pelas quais passou nos últimos anos. Mais do que isso, o Executivo tem conseguido impor as políticas que, com o apoio do Legislativo, procura implementar. Não há, portanto, paralisia governamental. Importa, todavia, perguntar, a que custo funciona? O custo, responda-se logo, é altíssimo. E não é apenas econômico.
O presidente da República, entre nós, acumula competências que, para citar apenas um exemplo, o estadunidense está longe de possuir. Tem iniciativa de lei e de emenda à Constituição, algumas leis sendo inclusive de sua iniciativa exclusiva, pode editar medidas provisórias e leis delegadas, pode nomear livremente os seus ministros (nos Estados Unidos há necessidade de aprovação do Senado), aliás em número exagerado, dispõe de milhares de cargos em comissão, pode contingenciar o orçamento que no Brasil, ao contrário de outros países, não é vinculante, inclusive as dotações derivadas de emendas parlamentares, dispondo, ainda, de verbas que distribui para estados e municípios em função de critérios políticos e, portanto, pouco racionais ou transparentes (transferências voluntárias). Pois esse presidente forte do ponto de vista jurídico; sob o ângulo político, diante da fragmentação do sistema partidário, da fragilidade dos mecanismos de sanção das condutas marcadas pela infidelidade do mandatário às diretrizes da agremiação, do modo de composição da Câmara dos Deputados (não representativo da população dos estados) e do papel exercido pelo Senado Federal (câmara revisora para todos os temas), tem dificuldades não propriamente para compor maioria, mas antes para manter a disciplina dos aliados, alguns deles fiéis, outros tantos oportunistas. Aqui reside a sua fraqueza. Que não importa em ingovernabilidade, como supunha Sartori, tanto que 85% das leis aprovadas pelo Congresso Nacional são de iniciativa ou de interesse do Executivo. O problema é o custo da governabilidade, um custo de tal modo transbordante que implica práticas transitando na contramão das promessas do constituinte em relação à boa governança e aos princípios reitores da administração pública. O mensalão representaria de modo eloquente o que vem de ser afirmado. A exigência de governabilidade, que não é garantida de modo institucional, reclamaria uma espécie de realismo político suficiente para justificar determinadas condutas administrativas heterodoxas que vão sendo aceitas com naturalidade e despudor.
Daí o grande número de cargos em comissão, que são distribuídos entre os partidos aliados, a partilha dos ministérios e de outros importantes órgãos e entes públicos entre os membros da coalizão, a distribuição de verbas para governadores politicamente próximos por meio de transferências voluntárias, o mesmo ocorrendo com organizações do terceiro setor, as obras executadas nos municípios amigos, a liberação a conta gotas, e em momentos que precedem relevantes votações no Congresso Nacional, das emendas parlamentares ao orçamento, o rigor administrativo seletivo, a advocacia administrativa impulsionando a tomada de decisões, os aditamentos de contratos, certas dispensas e inexigibilidades nos processos licitatórios, a redação pelos próprios licitantes dos editais de concorrência, a bondade na aferição da qualidade e da quantidade nas obras públicas, etc. Em síntese, todos os esforços para a melhoria da gestão pública ficam comprometidos pela lógica política perversa que contamina o que devia constituir trabalho planejado, racional, impessoal, transparente, probo e eficiente.
Nem se afirme que em outros importantes países a maioria também é composta em função de acordos ou da associação entre vários partidos. Isso é verdade, mas o resultado é distinto porque o acordo político supõe obrigatória definição de um plano de governo, sendo certo que a concertação envolve isso, tudo isso e apenas isso. Depois, em função do plano, os nomes são escolhidos e o governo governa sem as práticas comuns por aqui, podendo ser cobrado exclusivamente quanto à fidelidade de sua ação ao plano aprovado em conjunto. Percebendo isso, não podemos negar que temos um problema. O nosso problema, afirme-se nesta altura, não é propriamente cultural, como querem alguns, mas institucional. O brasileiro não é alguém especialmente vocacionado para as práticas administrativas condenáveis. São as instituições que precisam ser aperfeiçoadas. Talvez seja oportuno entender que a melhoria da administração pública, para além das medidas usualmente apontadas pelos juristas e gestores, todas sem dúvida necessárias, reclama também um olhar cuidadoso incidente sobre a nossa máquina constitucional, essa máquina que está falhando na entrega daquilo que foi prometido há quase vinte e cinco anos e que, por isso, merece reparos.
 
by Clèmerson Merlin Clève, professor-titular das Faculdades de Direito da UFPR e da UniBrasil, vice-presidente da Associação Brasileira dos Constitucionalistas Democráticos (ABCD).