domingo, 4 de novembro de 2012

Um matemático desviado pelo Direito

António Castanheira Neves não perdoa o Direito por ter lhe desviado das suas duas grandes paixões: a Matemática e a Literatura. A influência do avô advogado foi mais forte e ele acabou se tornando uma grande referência em Teoria do Direito e Filosofia do Direito, apesar de ele mesmo considerar que ninguém é referência em nada. O catedrático jubilado da Universidade de Coimbra, em Portugal, esteve em Curitiba, na última semana, para proferir uma palestra no Instituto Professor Luiz Alberto Machado. Apesar de se definir como alguém que não é de falar muito, o acadêmico conversou com exclusividade com a reportagem da Gazeta do Povo e expôs suas críticas a questões, como a valorização exacerbada da Constituição.

Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo / O senhor procura entender o Direito por meio do problema jurídico. O que o levou a escolher este caminho?
 
O nosso pensamento jurídico eminente realmente se dogmatizou em um sistema que deixou de pensar verdadeiramente o Direito. Há um sistema de dogmatização de pressupostos que se afirmam como a expressão do próprio Direito, mas não são. Porque, frequentemente, essa dogmatização tem soluções, tem as figuras midiáticas, mas realmente há alguma coisa de mais importante do que isto. É o problema que está por trás. Este problema tem sido de tal forma esquecido que o Direito tem sido mobilizado para consequências que o atraiçoam. Eu, por exemplo, combato o neoconstitucionalismo porque me parece que esta atribuição absoluta, quase mitificada à Constituição, é um grave perigo para o próprio Direito. O que é a Constituição? É um projeto político judicializado e, portanto, é uma forma vazia. Se formos atribuir essa absolutização à Constituição, esvaziamos o Direito.
Como o senhor avalia a situação aqui do Brasil, onde a Constituição é muito valorizada?
Aqui no Brasil, com as vossas emendas sucessivas, com as vossas medidas provisórias, o que é isso, se não tornar a Constituição com uma contingência contínua? Afinal de contas, a configuração da Constituição é um instrumento político quase acrítico. Está esquecido aí propriamente o problema do Direito. No Brasil, a Constituição tem uma enorme importância pelas circunstâncias históricas. A Constituição foi uma espécie de contraponto a certa situação política e social. Eu compreendo isso. Mas, há um risco. Entendamos a situação de uma maneira mais global: esta dogmatização do Direito é um projeto moderno que o tornou um instrumento definido e definitivo. E, obviamente, a história não é definitiva. É definitiva na sua evolução, não nas soluções. O que quiseram fazer foi absolutizar uma só solução histórica que teve a sua contingência com todas as soluções históricas. Se nós continuarmos inermes, acríticos perante este modelo, estamos a absolutizar de novo um modelo que é apenas historicamente contingente. Se o absolutizarmos, estamos a esquecer o que ele foi, que foi a tentativa de resolver um certo problema histórico. Portanto ao continuarmos absolutizá-lo estamos a ver a solução, mas esquecemos o problema. É preciso que reconheçamos que esta solução, com a sua contingência, implica um problema que há de ser repensado.
As emendas constitucionais que o senhor citou não podem ser interpretadas como uma maneira de não se deixar dominar pelo passado?
Não. É uma tentativa de adaptar de uma forma totalmente política e contingente a Constituição, que é o pior que pode acontecer.


leia na íntegra aqui.

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