terça-feira, 28 de junho de 2011

Cesare Battisti - Sustentação Oral

Uma aula de Direito Constitucional perfeita do Prof. Dr. Luís Roberto Barroso!
Vale a pena ouvir.

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Recebemos da TV Justiça, gentilmente, a gravação da sustentação oral feita pela defesa no dia do último julgamento. Para quem ainda aguentar este assunto, vai abaixo, em duas partes.






Disponível em: < http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=416>.  Acesso em: 28 jun. 2011.

Cesare Battisti - Informativo STF

O Informativo do STF desta semana divulga, em 9 (nove) entradas, a decisão final do caso. A divergência política faz parte da rotina da vida de um Estado democrático e qualquer pessoa tem o direito de manifestar contrariedade em relação à decisão do Presidente da República e à do próprio STF. Mas a mistura entre política e direito tem turvado uma questão que é juridicamente simples. O STF decidiu três questões de direito ao longo do processo: 1. Refúgio político é ato vinculado. Quanto a esse ponto, o Tribunal mudou o seu entendimento anterior. Com o respeito devido e merecido, a decisão não parece boa no particular. A concessão ou não de refúgio pelo Poder Executivo é ato político, que só deve ser controlada quanto à competência, forma e finalidade, mas não quanto ao mérito, salvo situações teratológicas. 2. Em segundo lugar, o Tribunal entendeu que a decisão do STF em matéria de extradição é meramente autorizativa, cabendo ao Presidente da República a palavra final sobre a entrega ou não do extraditando. Aqui, o STF manteve jurisprudência antiga e tradicional. É verdade que nunca houvera um precedente em que o Presidente da República não tenha feito a entrega autorizada. Mas tampouco havia precedente de anulação de refúgio. 3. Por fim, o STF assentou, na última sessão, que a decisão do Presidente que entrega ou não entrega é um ato de soberania, insuscetível de controle judicial. Tudo o mais envolve discussão sobre fatos e concepções políticas. Já estava na hora de acabar este assunto.

by Luís Roberto Barroso

Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=411. Acesso em 28 jun. 2011.

O advogado que garantiu a liberdade de Battisti

Recomendo a leitura!
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Rodrigo Haidar, jornalista da Revista Eletrônica Consultor Jurídico, publicou um artigo intitulado ”O Advogado que Garantiu a Liberdade de Battisti”. A matéria foi baseada em uma hora de conversa que mantivemos no dia seguinte ao julgamento e faz uma avaliação excessivamente generosa do meu papel. Mas elogio é sempre bom! Rodrigo é um dos maiores conhecedores dos bastidores do STF, sendo querido e respeitado por Ministros e advogados. Como natural, a matéria deixou algumas informações de fora. Duas observações, para ser totalmente preciso. A primeira: estou passando o semestre em Harvard como Visiting Scholar, uma posição reservada a professores estrangeiros, com obrigações de pesquisa e de apresentação de um texto, e não em função docente. A segunda: ao início do trabalho, Fred Vargas pagou ao escritório um valor modesto, simbólico, que remunerou parte do trabalho dos advogados mais jovens que atuaram no caso. Quando esse valor se exauriu, o escritório arcou com essa obrigação. Minha atuação pessoal foi inteiramente pro bono. 

Dia 8 de junho de 2011. Às 22h, na parte de trás do prédio que abriga o plenário do Supremo Tribunal Federal, o advogado Luís Roberto Barroso sacode vagarosamente uma cópia do alvará de soltura de Cesare Battisti que lhe chegou às mãos, com um sorriso que não lhe cabia no rosto, e pergunta, para si mesmo, e para os advogados de sua equipe que o cercam: "E agora? Como se tira uma pessoa da cadeia?". Certamente, um problema bem menos angustiante do que a equipe enfrentou nos últimos meses.
A vida do advogado às vezes parece uma montanha russa. O trabalho de equipe é fundamental, mas as principais decisões são solitárias. Todo profissional é familiarizado com frustrações e os mais experientes sabem o quanto é importante dosar a emoção na hora da vitória. O caso que Barroso acaba de enfrentar, contudo, permite a exceção.
Seis horas antes, Barroso ocupara a tribuna do Supremo em defesa da liberdade do italiano, ex-integrante de grupos de extrema esquerda nos anos 1970 na Itália, preso há quatro anos no Brasil por conta de pedido de extradição feito pelo governo daquele país. Pela primeira vez, tinha subido nervoso à tribuna que ocupa com frequência.
"Raramente me exalto e dificilmente fico nervoso. Este foi um dos poucos dias da minha vida que me senti como um corredor de Fórmula 1, que chega à última volta com chances de ganhar, mas morrendo de medo de bater. Era essa a sensação", afirmou o advogado à revista Consultor Jurídico. Barroso ganhou a corrida, sem cobrar um centavo pelo trabalho. Foi a estrela do processo. Sem seu empenho, provavelmente Battisti estaria, a esta altura, num avião com destino à Itália.
A defesa do caso Battisti foi um ponto fora da curva na carreira de Luís Roberto Barroso. O advogado nunca havia trabalhado em um processo que envolve questões criminais e não deve voltar a fazê-lo. "Embora tenha sido uma experiência pessoal, humana e profissional extraordinária, eu acho que este caso basta", afirmou. Daí sua dúvida sobre o procedimento diante do alvará de soltura.
Habituado a lidar com teses judiciais abstratas, em que não é necessário olhar nos olhos dos milhares de pessoas que são afetadas pelas decisões, o advogado teve de mudar sua rotina e se preparar para a batalha em um terreno ainda desconhecido por ele. Não era o primeiro caso polêmico que assumia no Supremo, mas era uma novidade sob todos os ângulos.
O advogado atuou no processo que se transformou na Súmula Vinculante que vedou o nepotismo nos três poderes da República, participou como amicus curiae da ação que legitimou as pesquisas com células-tronco embrionárias e liderou a ação na qual o tribunal equiparou a união homoafetiva à união estável entre casais convencionais. Saiu vitorioso em todos os casos. Está à frente, também, da ação que pede que as gestantes possam interromper a gravidez em casos de fetos anencéfalos.
Nada foi tão avassalador em termos pessoais quanto a defesa de Battisti: "A intensidade das paixões que ele mobilizou eu não sou capaz de identificar a origem. Nem a discussão da anencefalia ou do nepotismo, em que muita gente foi afetada, causou tamanha reação. Esse foi o único caso em que eu recebi muitos insultos, e-mails e mensagens de pessoas dizendo coisas horrorosas".
O que não quer dizer que se arrependa. "Não tive qualquer dúvida. Tive alguns sofrimentos pessoais, porque, muitas vezes, as pessoas se convencem tanto de suas próprias razões que acham que não precisam se comportar bem. Mas faria tudo novamente", garante.
Luís Roberto Barroso nunca havia colocado os pés em um presídio, mas passou a ir ao Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, com regularidade. "Nas primeiras vezes, não sabia nem como me comportar. Visitava o Cesare pelo menos uma vez por mês. Às vezes, duas." Para um advogado que vivia em um mundo mais de ideias do que de gente, foi um show de vida real.
Em 13 de abril de 2009, pouco mais de dois anos antes de conseguir a liberdade do italiano, o advogado assumiu sua defesa ao lado do colega Luiz Eduardo Greenhalgh. Na nota em que anunciou a entrada no processo de extradição que tramitou no Supremo, Barroso afirmou que "viola as tradições jurídicas e humanitárias brasileiras o encarceramento perpétuo de uma pessoa não perigosa e de longa data ressocializada, tendo se passado mais de 30 anos dos episódios que deram causa à condenação criminal".
Começava aí seu trabalho, que terminou na madrugada de quinta-feira (9/6) quando entregou a Cesare Battisti, na Papuda, seu alvará de soltura. Agora, o caso de Battisti está de volta às mãos de Greenhalgh.
Causa bonita
Barroso assumiu a defesa de Cesare Battisti a pedido da escritora francesa Fred Vargas. No começo de 2009, o advogado recebeu uma ligação da escritora que lhe contou o caso e pediu sua intervenção. O pedido foi feito pouco depois de o então ministro da Justiça, Tarso Genro, ter concedido refúgio ao italiano, em janeiro daquele ano. Na ocasião, se vislumbrava um longo caminho a ser percorrido. O ministro Cezar Peluso, relator da ação, já havia sinalizado não ser simpático à causa de Battisti.
A primeira condição de Barroso foi que sua entrada no processo tivesse a concordância de Greenhalgh, o colega que, até ali, cuidava sozinho da ação. Tratava-se de uma questão ética. "Um advogado não entra na causa de outro, salvo por pedido ou convite do próprio advogado. Ou quando ele é destituído, o que não era o caso."
Depois da ligação de Greenhalgh o convidando para atuar, recebeu o substabelecimento e foi estudar os 18 volumes da ação, que continha todos os detalhes dos processos em que Battisti foi condenado por quatro homicídios entre os anos de 1977 e 1979.
Sua equipe fez a leitura de todas as peças e uma seleção do que achava relevante que o próprio Barroso estudasse. "Quando acabei de ler o processo, já não tinha nenhuma dúvida de que lado eu queria estar nessa briga. Teria de defender o Cesare", disse. Barroso se convenceu que as ações contra Battisti não seguiram o devido processo legal e que seu direito à ampla defesa fora desrespeitado.
O primeiro obstáculo foi vencer a desconfiança dos próprios familiares. Ouviu do pai, da sogra, da mulher e dos amigos próximos a mesma pergunta: "Por que você aceitou esse caso?". Não foi diferente com seus clientes: "Barroso, um velho comunista?". As explicações iniciais foram uma preparação singela perto do que viria mais à frente.
"O senso comum é todo o contra o Cesare porque é pragmático. O senso comum questiona por que o Brasil tem de se indispor com a Itália para defender um sujeito não tem nada a ver com o país. Não quer saber se é um cidadão que teve direitos fundamentais desrespeitados. Como disse, é pragmático", opina Barroso.
Por que, então, embarcar nessa aventura? "A causa era bonita", justifica. O advogado viu beleza no fato de defender "um velho comunista, que faz parte do lado derrotado da história, e que a Itália, 30 anos depois, veio perseguir no Brasil". Acima de tudo, Barroso acreditou em Battisti. "O Cesare me olha nos olhos e diz: 'Não participei de nenhum desses homicídios'. Eu acredito no que ele me diz. Mas, independentemente da minha certeza subjetiva, a leitura do processo traz muitas dúvidas objetivas", explica.
Para abraçar a causa, Barroso somou a crença nas palavras do italiano às falhas dos processos que geraram sua condenação na Itália. De acordo com o advogado, não havia provas suficientes para embasar as condenações pelos homicídios.
"Não havia armas apreendidas, perícias, nada. Apenas testemunhos que se contradiziam. Cesare foi levado a julgamento junto com outros membros dos PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) e não foi sequer acusado de cometer os assassinatos. Foi condenado por subversão. Depois, quando ele já estava na França, um dos líderes do grupo, Pietro Mutti, acusado pelos homicídios, colocou a culpa em Cesare e foi beneficiado pela delação premiada", conta Barroso.
E completa: "Julgado pela segunda vez à revelia, dez anos depois, com a defesa feita por um advogado que nunca falou com ele e que foi constituído pelos membros do grupo que estavam se livrando graças à delação, foi condenado”, afirma Barroso. O advogado cita as mesmas contradições nos processos italianos que o próprio Battisti apontou em entrevista exclusiva concedida à ConJur antes do julgamento pelo Supremo. Esses foram os fatos que o convenceram, aliados à palavra de seu mais famoso cliente.
Como todo bom advogado sabe, quando o juiz começa seu voto elogiando a sustentação oral, é porque votará contra os interesses do advogado. Ao falar da Itália, Barroso usa do mesmo expediente. Frisa que respeita o país e suas instituições, para, então, fazer as ressalvas. Como crer que na Itália, uma pujante democracia já naquela época, não foi respeitado o devido processo legal? "Provavelmente, a democracia italiana era mais truculenta do que a ditadura brasileira", justifica.
Estratégia de defesa
Convencido de que a causa era justa e valia à pena, Barroso passou a estudar sua estratégia, bolar as teses e se debruçar sobre a jurisprudência do STF que dizia respeito ao tema. Foram vários brainstorms e conference calls com suas equipes dos escritórios do Rio de Janeiro e de Brasília.
A primeira tese, que inicialmente aparentava ser a mais segura, estava à mão: quando o governo concede refúgio a um preso, o processo de extradição contra ele é arquivado pelo Supremo. Três anos antes de o advogado assumir a causa, a Corte tinha decidido exatamente isso no processo do colombiano Padre Medina, integrante das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
O advogado iniciou o périplo pelos gabinetes dos ministros do Supremo, como é praxe. Foi recebido pessoalmente por sete dos nove ministros que votaram no caso — nos gabinetes de Ellen Gracie e Gilmar Mendes foi atendido por assessores. "Muito bem atendido", ressaltou. Entregou memoriais e defendeu suas razões.
Nos encontros, percebeu, mesmo antes do julgamento, que a tese de que o refúgio faz arquivar o processo de extradição corria riscos. "Não faço prognósticos. Mas, evidentemente, faço uma contabilidade íntima. Como os ministros não dão pistas, você passar a fazer leitura corporal, facial, e com base no que conhece da Corte, faz suas apostas."
Barroso tinha para si que o placar, contrário ou favorável, seria apertado. Isso fez com que lançasse mão de outros argumentos técnicos que, na sua avaliação, davam conforto jurídico à defesa. O prazo de prescrição dos crimes, a anistia brasileira e as razões ponderáveis do refúgio eram três deles.
O advogado tinha ciência de que a discussão sobre o caráter político dos crimes seria polêmica. "Não é uma questão banal a qualificação do que seja um crime político, mas a qualificação do que seja devido processo legal é razoavelmente simples", sustenta. E este foi outro ponto técnico que usou em sua defesa. Consistia em demonstrar que seu cliente foi julgado uma segunda vez, com base em delação premiada dos membros do PAC e defendido por um advogado indicado pela organização. "Em qualquer lugar do mundo se acenderia uma luz amarela, de que ali não houve devido processo legal."
O receio de Barroso se confirmou e sua primeira tese foi derrubada pelo Supremo em novembro de 2009. Por cinco votos a quatro, os ministros decidiram que o ato de refúgio do ministro da Justiça é sujeito ao controle judicial. Em consequência, acolheram o pedido de extradição do governo italiano. O advogado insistia — e ainda insiste — que se trata de um ato político, discricionário: "Com o respeito devido e merecido, o Supremo errou".
Barroso ressalva que mesmo o ato político tem de ser plausível. Ou seja, se o ministro da Justiça concede refúgio a um estrangeiro com o argumento de que seres de Marte invadiram o Brasil e tentaram abduzi-lo, o ato pode ser anulado. Por motivos óbvios. "Mas o ato embasado no fato de que, no clima que vivia a Itália no início da década de 1980, não era possível assegurar as garantias de um acusado de extrema esquerda ao devido processo legal, é bastante plausível", diz o advogado ao defender o ato do atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro.
A virada
A possibilidade, que veio a se confirmar, de perder na discussão sobre a tese de que o refúgio não poderia ser anulado pelo Supremo, fez com que Luís Roberto Barroso, antes do julgamento, se dedicasse a uma nova frente de batalha. O advogado trabalhou para manter a jurisprudência da Corte de que a última palavra em extradição é do presidente da República.
Havia o receio de que o tribunal mudaria sua posição tradicional também nesse quesito. Assim, no julgamento de 2009, eram duas as preocupações da defesa. Não perder por um placar muito elástico na extradição e resguardar a competência do presidente da República para que ele pudesse ratificar, com base em outros fundamentos, a posição do ministro Tarso Genro.
Nesse ponto, Barroso venceu. Pelo mesmo placar de cinco a quatro, o STF manteve a competência presidencial e abriu o caminho para a vitória final do advogado na última quarta-feira (8/6). Um placar elástico pela nulidade do refúgio e em favor da extradição colocaria o presidente em uma situação politicamente difícil para negar a entrega de Battisti diante do Supremo.
Efetivamente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou seus fundamentos ao decidir não entregar Battisti para a Itália. Tarso fundou sua decisão do refúgio na falta de devido processo legal na Justiça italiana. Lula se baseou na animosidade demonstrada pelos italianos em relação a Battisti.
O êxito se deveu também à mudança de foco da defesa no curso do processo. Quando Barroso sentiu que não seria capaz de mudar a percepção pública sobre Battisti, partiu para a batalha em torno da autonomia do chefe de Estado para conduzir suas relações internacionais. Nesta autonomia, incluem-se decisões sobre extradição.
"As pessoas já tinham a sua opinião formada e nós não tínhamos espaço na imprensa para reconstruir a imagem do Cesare. A tal ponto que quando saiu o parecer do procurador-geral da República da época, Antonio Fernando de Souza, segundo o qual a concessão de refúgio extinguia o processo de extradição, nós não conseguimos que isso fosse noticiado em nenhum órgão da grande imprensa", lembra Barroso.
Mais do que isso. O advogado explicou para mais de um jornalista importante que tratar Battisti como terrorista era incorreto pelo fato de que ele nunca havia sido acusado ou condenado por terrorismo nos processos italianos. Ouvia como resposta que o termo seria usado por conta da linha editorial do órgão. Barroso lamenta: "Desculpe-me, mas isso não é uma questão de linha editorial. Isso é um fato. É ou não é. No caso, não é".
De qualquer forma, depois de ganhar no quesito competência do presidente da República, o advogado foi a campo. Sem muitos contatos políticos, marcou audiências com autoridades do Planalto pelos meios convencionais e, exatamente como fez com os ministros do Supremo, defendeu suas convicções e entregou memoriais com sua versão e defesa do caso. Falou com o então chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, com o ministro da Justiça Luís Paulo Barreto e com o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.
A tarefa não foi simples. Barroso teve como adversário Nabor Bulhões, um dos mais respeitados advogados do país, em defesa da Itália, além de dois ministros aposentados do Supremo Tribunal Federal: Carlos Velloso, que emitiu parecer em favor da extradição, e Francisco Rezek, que deu declarações públicas em apoio ao pleito italiano.
Depois da passagem pelos gabinetes, a defesa de Battisti, e o próprio, tiveram um longo período para exercitar a virtude da paciência. O trabalho estava feito e era necessário apenas esperar. Mais de um ano depois da primeira decisão do STF sobre o caso, no último dia de seu segundo mandato, em 31 de dezembro de 2010, o presidente Lula decidiu não entregar Battisti à Itália.
Luís Roberto Barroso logo entrou com pedido de liberdade no Supremo. Com o ato de Lula e a decisão da Corte que mantinha sua competência, a defesa alegou que restava apenas libertar Cesare Battisti. Não foi o que entendeu o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso. A Corte ainda analisaria se o presidente havia cumprido os limites do tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália.
O governo italiano também recorreu pedindo que Battisti não fosse solto até nova manifestação do STF e alegou que Lula havia descumprido a decisão do tribunal. Ganhou a primeira e perdeu a segunda.
Battisti ficou preso até o novo julgamento, na última quarta-feira, cinco meses depois do ato de Lula. Mas os ministros decidiram, por seis votos a três, que é legal o ato do ex-presidente, que negou a extradição de Battisti pedida pelo governo da Itália. Mais: que o governo italiano sequer poderia ter contestado o ato, por uma questão de soberania nacional. Ou seja, um Estado estrangeiro não pode contestar, no Supremo, um ato do chefe do Poder Executivo brasileiro na condução da política internacional.
O Supremo também fixou que, depois que a Corte determina a extradição, a decisão de entregar ou não o cidadão que o Estado estrangeiro pede ao Brasil é discricionária. Ou seja, cabe apenas ao presidente da República decidir e o Judiciário não pode rever a decisão. Exatamente a tese que Barroso abraçou logo após perder o debate sobre o refúgio.
Para o bem da verdade, Barroso teve um bom reforço em seu trabalho. Os dois pareceres da Procuradoria-Geral da República que vieram ao encontro de sua tese e os quatro advogados de sua equipe que se dedicaram com afinco ao caso, principalmente no último semestre, por conta de sua estadia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, como professor visitante. Em seu blog, o advogado faz referência aos profissionais: Eduardo Mendonça, Renata Saraiva e Carmen Tiburcio, que trabalharam sob a coordenação de Ana Paula de Barcellos.
Contato pessoal
Paralelamente à batalha jurídica, coube a Barroso também o papel de conselheiro de Cesare Battisti. Depois de conversar com o italiano pela primeira vez e aceitar defendê-lo, sua orientação inicial foi que ele parasse de escrever cartas para as mais variadas pessoas, como sempre fazia. Também pediu que não concedesse entrevistas.
A ideia era fazer uma defesa técnica e evitar discussões pela imprensa. A parte das entrevistas foi simples de cumprir. O difícil para Battisti, preso, era parar de escrever as cartas. Barroso sugeriu: "Continue a escrever, mas mande as cartas para mim". Foi o que ele fez. Com isso, o advogado guarda uma rica e histórica correspondência.
No final de 2009, quando Battisti decidiu fazer greve de fome, Luís Roberto Barroso foi até a Papuda tentar demovê-lo da ideia. Foi franco. "Não posso viver sua vida e tenho de respeitar suas decisões, mas se você tivesse me perguntado, teria dito que não deveria fazer isso", disse-lhe o advogado.
Dias depois, o presidente Lula declarou que não se sentia pressionado pela greve de fome. Barroso voltou ao presídio. "Cesare, a única pessoa que pode decidir seu destino não se comoverá com essa greve de fome. Pense bem antes de continuar com isso", aconselhou.
O advogado recebeu, depois, a notícia de que Battisti havia encerrado seu protesto. Para se certificar, foi até a Papuda com uma caixa de biscoitos caseiros, feitos por sua sogra. Perguntou se ele tinha, de fato, encerrado a greve de fome. Ao receber a resposta afirmativa, Barroso emendou, para se certificar da decisão: "Então, prove um desses biscoitos." Battisti provou.
Os dois últimos conselhos de Barroso a Battisti foram dados já na madrugada de quinta-feira (9/6), pouco antes de o italiano deixar o presídio de carro junto com Luiz Eduardo Greenhalgh. Primeiro, pediu que ele espere um pouco antes de dar entrevistas, que se recomponha, retome sua vida, reveja sua família e, só então, fale. Segundo, que não critique qualquer das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o seu caso. "Olhe para frente e não cultive ressentimentos."
Barroso faz questão de destacar que nutre grande respeito e admiração por todos os ministros do Supremo, inclusive por Cezar Peluso, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, que votaram contra suas teses. "Mesmo quando me vi no dever de criticar o presidente do Supremo porque ele decidiu não libertar o Cesare, fiz a contragosto, porque achei que ele acabou por fazer prevalecer sua posição, que era vencida no julgamento. Mas, às vezes, as pessoas estão em lados opostos", disse.
Apesar da obsessão por procurar limitar seus argumentos ao campo técnico-jurídico em suas ações, Barroso confessa que escolhe as boas causas também com o coração: "Hoje, mais do que quando eu era mais jovem e a vida mais difícil, posso escolher com algum conforto de que lado eu quero estar".
Para ele, o advogado não deve fazer juízos morais. Se o profissional se comporta eticamente e dentro da lei, não importa qual é a acusação contra o seu cliente. Mas, como qualquer pessoa, pode fazer juízos políticos internos para escolher seu campo de batalha.
Se no lugar de Cesare Battisti estivesse um agente das ditaduras latino-americanas acusado de tortura, nas mesmas condições, com o argumento de que foi condenado sem o devido processo legal, o advogado Luís Roberto Barroso o defenderia? "Acho que meu coração não bateria por ele. O que não significa que o direito dele não fosse necessariamente um bom direito. Mas gosto muito de uma frase do Julio Cortázar: 'Eu sei onde tenho o coração e por quem ele bate'."

Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=402>. Acesso em: 28 jun. 2011.

domingo, 26 de junho de 2011

O princípio da busca da felicidade e o direito à saúde

Qual o quadro atual de gerenciamento das políticas públicas da saúde no Brasil? Podemos ilustrar com a realidade. Dentro dessa perspectiva, iremos trabalhar o direito à saúde guiado pelo princípio constitucional da busca da felicidade. (Grifo Nosso).
Qual o quadro atual de gerenciamento das políticas públicas da saúde no Brasil? Podemos ilustrar com a realidade. Uma anciã pleiteou fraldas geriátricas porque não conseguia reter sua evacuação [01]. Mães pobres de crianças com síndromes graves tentam alcançar a cura para seus filhos [02]. Um idoso diabético não teve acesso a um remédio que constava expressamente na lista de medicamentos fornecidos pelo SUS no Estado do Rio Grande do Norte [03]. Em Sobral, no Ceará, mesmo após o Brasil ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em razão do caos nos manicômios do município [04], recém nascidos eram expostos a bactérias mortais [05]. No Piauí, pessoas morriam à espera de atendimento médico junto ao SUS pelo fato de não terem sido cadastradas no Sistema no Estado do Piauí, mas em outros Estados [06].
Eis o quadro. Infelicidade. Dentro dessa perspectiva, iremos trabalhar o direito à saúde guiado pelo princípio constitucional da busca da felicidade. Faremos, ao final, um estudo de caso. Tudo real. Nada de misticismos acadêmicos.

1.A Busca da Felicidade - Raízes

Em 1693, John Locke afirmou que "a mais elevada perfeição da natureza intelectual encontra-se em uma busca cuidadosa e constante da felicidade verdadeira e sólida" [07]. Stephanie Schwartz Driver entende que "em uma ordem social racional, de acordo com a teoria iluminista, o governo existe para proteger o direito do homem de ir em busca da sua mais alta aspiração, que é, essencialmente, a felicidade ou o bem-estar [08]."
O resultado foi a consolidação do seguinte registro histórico: "Consideramos as seguintes verdades como autoevidentes, a saber, que todos os homens são criaturas iguais, dotadas pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade".
O registro acima consta da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Os norte-americanos poderiam afirmar que a felicidade era um direito inalienável, mas não o fizeram. A expressão retrata uma forte marca da personalidade americana. Fala da "busca" da felicidade. Não há promessa de acesso à própria felicidade, mas a garantia de que todos têm o direito de buscá-la.
Esse ideal que a Declaração de Independência fez questão de alimentar no povo norte-americano não se converteu em promessa inconsequente. Pelo contrário. Inúmeras vezes a Suprema Corte daquele país se valeu do princípio da busca da felicidade como reforço argumentativo na fundamentação de posições.
Tenta-se transformar o místico em algo concreto. A felicidade deixa de ser uma aspiração distante e passa a assumir sua posição de realidade.
Felicidade. Todos tem o direito de buscá-la e o Estado deve, além de não atrabalhar esse intento, auxiliar esta busca. (Grifo Nosso). Eis o anúncio do novo horizonte.

2.A Busca da Felicidade – Suprema Corte dos Estados Unidos

O Estado da Louisiana, em 08 de março de 1869, aprovou uma lei que concedia a empresa estatal o direito exclusivo, por 25 anos, de explorar matadouros, postos de desembarques de gado e estaleiros que abrigavam o gado destinado à venda ou abate, dentro das regiões de Orleans, Jefferson, e São Bernardo.
Todo o comércio de gado deveria ser exercido em sistema de monopólio pelo referido matadouro estatal, o qual poderia cobrar taxas para a utilização de cada espaço voltado ao abrigo, abate ou comercialização do gado, incluindo, até mesmo, taxas que incidiam, no abate, sobre as cabeças, patas, sangue e vísceras, com exceção dos suínos.
A questão foi levada à Suprema Corte [09].
A Corte registrou que "quando as colônias se separaram da mãe-pátria, nenhuma outra garantia foi tão reconhecida e devidamente incorporada à Lei Fundamental senão aquela que diz que ‘todos os sujeitos livres no império britânico tinham o direito de exercer a sua felicidade por seguir qualquer um dos comércios estabelecidos no país, sujeitos apenas às restrições que afetava a todos os demais’".
Fez-se menção à Declaração de Independência, segundo a qual são "verdades auto-evidentes que o Criador dotou todos os homens com certos direitos inalienáveis, e que entre estes estão a vida, liberdade e a‘busca da felicidade’" [10].
Doze anos depois a Suprema Corte continuava a discutir a questão dos monopólios de matadouros no Estado da Lousiana. Mais uma vez ela assentou que "o direito de seguir qualquer uma das ocupações comuns da vida é um direito inalienável, que foi formulada, como tal, sob a frase ‘busca da felicidade’ na declaração de independência, que teve início com a proposição fundamental de que ‘todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; que entre estes estão a vida, à liberdade e à busca da felicidade’" [11].
Em 1886 foi a vez de analisar a constitucionalidade de um decreto municipal que autorizava o Poder Executivo a conceder a exploração de lavanderias públicas baseando-se em critérios de raça entre as pessoas, sem aferir qualquer quesito voltado à competência ou adequação do local escolhido para o exercício da atividade [12].
Segundo a Corte "direitos fundamentais à vida, liberdade e à ‘busca da felicidade’, considerados como um patrimônio individual, estão protegidos pelas máximas do direito constitucional, monumentos que mostram o progresso vitorioso da corrida para garantir aos homens as bênçãos da civilização sob o reinado justo e igual das leis, de modo que, na linguagem do famoso Bill of Rights from Massachusetts, o governo da República "deve ser um governo de leis, e não dos homens" [13].
Em 1923 a Corte se deparou com um caso inusitado. Um professor foi punido por ensinar alemão para uma criança de dez anos em uma escola paroquial. Havia, ao tempo, legislação estadual determinando o ensino exclusivo do inglês e prevendo punição para quem lecionasse outros idiomas.
Segundo a Corte, além de não se poder impor pena que recaisse sobre o corpo, dever-se-ia reafirmar "o direito do indivíduo de contrato, de participação em qualquer das ocupações comuns da vida, de adquirir conhecimentos úteis, de casar, de estabelecer uma casa, de educar os filhos, de adorar a Deus segundo os ditames de sua própria consciência e, geralmente, de gozar desses privilégios reconhecidos como essenciais para o exercício regular de ‘felicidade’ por homens livres" [14].
Em 1925 foi a vez de apreciar a constitucionalidade de uma Lei do Estado de Oregon que obrigava, salvo exceções, que os pais, tutores ou aqueles que detinham controle sobre crianças entre oito e dezesseis anos fossem obrigados a levarem-nas para a escola pública no bairro onde residiam, no ano anterior ao início do ano letivo.
Indagava-se se isso seria uma interferência excessiva na liberdade dos pais e encarregados de orientar a educação dos filhos.
A Corte, relembrando lição do Justice Brandeis, registrou que "a proteção garantida pela 4ª e 5ª emendas é muito mais ampla. Os criadores de nossa Constituição se comprometeram a garantir condições favoráveis ​​à ‘busca da felicidade’"[15].
Por fim, em 1967, foi levado a julgamento lei do Estado da Virgínia que impedia casamentos entre pessoas levando em consideração critérios raciais.
O Chief Justice, Earl Warren, argumentou que "a liberdade para se casar há muito tem sido reconhecido como um dos direitos vital e pessoal essenciais para o exercício regular de ‘felicidade’ por homens livres" [16].
Não há dúvida. Os Estados Unidos abraçam o princípio da busca da felicidade como vetor hermenêutico dotado de máxima efetividade a regular questões envolvendo direitos fundamentais. O princípio da busca da felicidade é mencionado, lá, com a expressão The Pursuit of Happyness.

3.A Busca da Felicidade – Expansão Internacional

A Constituição do Japão, no seu artigo 13, dispõe que todas as pessoas têm direito à busca pela felicidade, desde que isso não interfira no bem-estar público, devendo o Estado, por leis e atos administrativos, empenhar-se na garantia às condições por atingir a felicidade [17].
A Constituição sul coreana, no seu artigo 10, diz que todos têm direito a alcançar a felicidade, atrelando esse direito ao dever do Estado em confirmar e assegurar os direitos humanos dos indivíduos [18].
Ainda dentro dessa perspectiva internacional, o Reino do Butão estabelece, pelo artigo 9º da sua Constituição, a adoção do INFB como indicador social, o Índice Nacional de Felicidade Bruta, que considera indicadores que envolvem bem-estar, cultura, educação, ecologia, padrão de vida e qualidade de governo.
Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o objetivo primordial do Estado Democrático é "a proteção dos direitos essenciais do homem e a criação de circunstâncias que lhe permitam evoluir espiritual e materialmente e atingir a felicidade [19]."
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no § 2º do artigo 5º que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". Possibilitou-se, assim, que o nosso país adotasse o princípio da busca da felicidade (The Pursuit of Happyness).
Essa adoção fará toda a diferença para Marcos José.

4.A Busca da Felicidade - Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF), na voz do Ministro Celso de Mello, enxerga o princípio da busca da felicidade (The Pursuit of Happyness)como consectário "do princípio da dignidade da pessoa humana". Isso porque, a Constituição Federal não o trouxe de modo explícito, contudo, dispôs sobre sua fonte primeira, o princípio da dignidade da pessoa humana, alçado, pelo inciso III do art. 1º, como um dos fundamentos da República.
O STF tem posições fundamentadas no princípio da busca da felicidade (The Pursuit of Happyness), mormente quando o tema cuida de direitos fundamentais.
O Ministro Carlos Velloso, em 2005, ponderou no Plenário da Corte: "convém registrar, que uma das razões mais relevantes para a existência do direito está na realização do que foi acentuado na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, de 1776, o direito do homem de buscar a felicidade. Noutras palavras, o direito não existe como forma de tornar amarga a vida dos seus destinatários, senão de fazê-la feliz. [20]"
Esse registro feito pelo Ministro Carlos Velloso mostrar-se-ia fundamental para a vida de um jovem estudante universitário residente em Recife, no Estado de Pernambuco. Dois anos depois, em 2007, a vida colocaria o jovem diante de um desafio quase insuperável: buscar a sua felicidade ou sucumbir em face de obstáculos quase intransponíveis para os quais não concorreu de modo algum. Um inocente deveria optar entre lutar ou desistir.
Ainda em 2005, o Ministro Marco Aurélio destacou "o direito do homem à constante busca da felicidade, da realização como ser humano, passando o fenômeno pela reconstrução familiar" [21].
O Ministro Celso de Mello, construindo o alicerce constitucional que ampararia esse postulado universal, discorreu o seguinte:
"o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. [22]"
Recentemente, ainda o Ministro Celso, julgando improcedente a Ação que questionava a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias, afirmou que "o luminoso voto proferido pelo eminente Ministro Carlos Britto permitirá a esses milhões de brasileiros, que hoje sofrem e que hoje se acham postos à margem da vida, o exercício concreto de um direito básico e inalienável que é o direito à busca da felicidade e também o direito de viver com dignidade, direito de que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado. [23]"
Esse movimento tem raízes históricas no ocidente e chegou ao Brasil pelos braços da jurisprudência garantista da Suprema Corte. Ele também envolveu positivamente o Congresso Nacional que recebeu, em 2010, duas propostas de emenda à Constituição visando alterar o seu art. 6º para incluir o direito à busca da felicidade no rol dos direitos sociais[24].
A PEC nº 19, de 2010, é de autoria do senador Cristóvan Buarque (PDT/DF). Já a PEC nº 513, de 2010, tramita na Câmara dos Deputados e é de autoria da deputada Manuela d’Ávila. Tanto o senador Cristóvan, quanto a deputada Manuela d’Ávila, registraram na justificação de suas propostas:
Na Declaração de Direitos da Virgínia (EUA, 1776), outorgava-se aos homens o direito de buscar e conquistar a felicidade; na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789) há a primeira noção coletiva de felicidade, determinando-se que as reivindicações dos indivíduos sempre se voltarão à felicidade geral. Hoje, o Preâmbulo da Carta Francesa de 1958 consagra a adesão do povo francês aos Direitos Humanos consagrados na Declaração de 1789, dentre os quais se inclui toda a evidência, à felicidade geral ali preconizada.
Esse registro mostra a trajetória histórica do princípio da busca da felicidade e demonstra como ele está presente nos mais importantes documentos libertários e garantidores de direitos fundamentais, a exemplo da própria Declaração de Direitos dos Homens e do Cidadão.
No Brasil, o Ministro Celso de Mello, do STF, ao proferir seu voto na questão do reconhecimento jurídico das relações homoafetivas, registrou que "o direito à busca da felicidade representa derivação do princípio da dignidade da pessoa humana, qualificando-se como um dos mais significativos postulados constitucionais implícitos cujas raízes mergulham, historicamente, na própria Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 04 de julho de 1776".
Para o Ministro Celso de Mello, "o postulado constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o princípio da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais".
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o princípio da busca da felicidade tem sido utilizado como vetor hermenêutico capaz de fornecer um ideal de justiça a inspirar o julgador quando deparado com delicadas questões voltadas para o direito de família.
Um casamento válido foi dissolvido culminando, posteriormente, com ações de reconhecimento de uniões estáveis concomitantes. Na hipótese, o cidadão direcionou "seu afeto para um, dois, ou mais outros sujeitos, formando núcleos distintos e concomitantes, muitas vezes colidentes em seus interesses".
Segundo a Ministra Nancy Andrighi, "ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade" [25].
O princípio da busca da felicidade foi utilizado como reforço argumentativo para decidir ação de reconhecimento de união estável post mortem e sua consequente dissolução, tendo ocorrido, no caso, concomitância de casamento válido [26].
Pedido de guarda provisória em favor de menor no seu interesse também ganhou o reforço do princípio da busca da felicidade[27].
O princípio teria encontra marcado com um jovem garoto brasileiro.

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by Saul Tourinho Leal

Fonte: Jus Navigandi

União homoafetiva, caso Battisti e marcha da maconha

O STF vem enfrentando nos últimos tempos temas ideologicamente muito polêmicos. Primeiro foi o reconhecimento jurídico da união homoafetiva. Depois veio a marcha da maconha, como liberdade de expressão e de reunião e o caso Battisti (comunista que acabou não sendo extraditado). Em breve vem o aborto anencefálico e assim por diante.
Por mais que a Justiça brasileira possa ser criticada (em razão da morosidade, sobretudo), não se pode negar o quanto nosso direito avançou em razão das decisões corajosas do STF, que se mostra progressista em temas onde prospera um terrível e anacrônico conservadorismo.
Todos os assuntos citados (que afetam diretamente ou afligem diariamente milhares de cidadãos) estão exigindo posicionamento do STF porque, em regra, estão fora do âmbito do "legislável", pelo menos de acordo com a atual composição do Congresso Nacional, onde é impossível qualquer tipo de consenso entre as antagônicas ideologias lá presentes.
É preciso reconhecer que dentro do Congresso Nacional (assim como em toda sociedade: aliás, ele é um retrato da sociedade) existem muitas tribos (somos o terceiro chimpanzé, não se pode esquecer) que falam linguagens distintas (ou seja, que possuem crenças, sentimentos, fé e ideologias enormemente diferentes).
Por falar em ideologia, que se entende por isso? No seu sentido "fraco", diz Bobbio, ideologia é o "sistema de crenças ou valores que é utilizado na luta política para influir sobre o comportamento das massas, para obter consenso, enfim para fundamentar a legitimidade do poder" (Dicionário de Filosofia, Abbagnano).
Todos nós contamos com uma história, com uma experiência de vida, ou seja, todos nós temos crenças, sentimentos e fé. A partir dessas crenças (a partir das nossas ideologias) formamos nossas pré-compreensões, nossos pré-juízos, nossos preconceitos e tentamos impor esses padrões para a coletividade. Os juízes, incluindo os Ministros do STF, não fogem dessa regra.
União homoafetiva, marcha da maconha, extradição de um comunista, aborto anencefálico, utilização de embriões etc.: cada um vê o mundo de acordo com suas pré-compreensões (ideologias). A hermenêutica, como teoria da interpretação, está vinculada a essas pré-compreensões (essa é a tese de Heidegger).
Nossa Suprema Corte, que não foge da regra, vai conformando o direito (vai dando os contornos do direito "vivente"), de acordo com sua visão do mundo (sua predominante ideologia).
Todos os temas muito controvertidos acabam encontrando normas no ordenamento jurídico que dão margem no mínimo a uma dupla interpretação. A profusão de normas (regras e princípios) é enorme, sobretudo em sistemas jurídicos abertos (e prolixos), como é o nosso.
Tomemos como exemplo a marcha da maconha: ela pode ser compreendida como liberdade de expressão do pensamento (CF, art. 5º, inc. IV) ou como abuso dessa liberdade, visto que ela não poderia estar acima do valor saúde. A reunião de pessoas que pedem a descriminalização da maconha pode ser vista como expressão de um direito constitucional (direito de reunião pacífica) ou como apologia de crime (CP, art. 287) ou induzimento do uso de drogas (art. 33 da lei de drogas).
Há fragmentos normativos tanto em favor de juízes liberais nessa questão (esse foi o posicionamento do STF) como de juízes conservadores (que querem conservar o statu quo). O que define, então, a decisão num sentido ou outro? É a ideologia de cada juiz, a sua inclinação preconcebida, as suas pré-compreensões. As normas, em princípio, servem de base tanto para os proibicionistas como para os liberais.
Nosso cérebro, no momento que temos que decidir, vê as normas favoráveis e ignora ou refuta as normas contrárias. Os juízes geralmente decidem uma controvérsia com forte carga ideológica sem levar em conta (racionalmente) os prós e contras da questão. Falta o que Gadamer chama de alteridade do texto (ver o outro lado).
Os estudos neurocientíficos demonstram (consoante afirmação de Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo de 15.06.11, p. C10) que nosso inconsciente (em razão da história, da experiência e das memórias de cada um) chega logo a um veredito, de acordo com nossas pré-compreensões, sentimentos, inclinações, crenças (ideologias). Depois a parte racional do cérebro se põe a elaborar argumentos para justificar a pré-conclusão (muitas vezes fundada num pré-conceito, num pré-juízo, totalmente infundado).
Assim as decisões (em geral) são tomadas e exteriorizadas pelos juízes. Assim, em regra, as opiniões (dos jornalistas, comentaristas, professores, profissionais do direito etc.) são emitidas.
Nós somos o espelho daquilo que entrou na nossa janela de visão do mundo, que é formada por quatro linhas: duas horizontais (a inferior que vai de ombro a ombro, enquanto a superior passa rente à nossa cabeça) e duas verticais (que ligam as demais). Essa é a nossa janela de compreensão do mundo, que é dominada pelo inconsciente que, como dizia Freud, constitui uma força incontrolável que existe dentro de nós. Razão tinha Ortega y Gasset: eu sou eu e minhas circunstâncias (nós somos nós e nossas circunstâncias).

by Luiz Flávio Gomes é Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Julgamento do Caso Cesare Battisti pelo STF

Caso Battisti: Itália recorrerá a Corte de Justiça de Haia

Para a ministra da Juventude da Itália, Giorgia Meloni, a negativa de extradição é a "enésima humilhação" às vítimas do terrorismo.
O governo da Itália anunciou, na madrugada desta quinta-feira, que entrará com recurso na Corte de Justiça de Haia, na Holanda, para tentar reverter a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que ontem determinou a imediata soltura do ex-ativista italiano Cesare Battisti, negando sua extradição. Battisti deixou o presídio da Papuda, em Brasília, no início da madrugada. O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, expressou "desgosto" diante do veredicto.
Para a ministra da Juventude da Itália, Giorgia Meloni, a negativa de extradição é a "enésima humilhação" às vítimas do terrorismo. Por 6 votos a 3, o STF considerou que a decisão do então presidente Lula de negar a extradição de Battisti ao governo italiano foi um ato soberano e não podia sequer ser analisado pelo tribunal - que havia autorizado, antes, a extradição. O ex-ativista esteve preso no Brasil desde março de 2007 a pedido da Itália, cuja Justiça o condenou à prisão perpétua por quatro homicídios. O governo italiano contestava no STF a decisão do ex-presidente.
Cronologia
Entenda o caso Battisti desde o início:

1979 – Battisti é preso na Itália, acusado de assassinato.
1981 – Integrante do grupo Proletários Armados pelo Comunismo, Battisti é condenado a 12 anos e 10 meses de cadeia. No mesmo ano, foge da prisão.
1982 – Battisti foge primeiro para o México. Em 1990, iria para a França. Lá, graças a uma decisão do presidente François Miterrand, consegue retomar uma vida normal, inclusive passando a escrever e publicar romances policiais.
1993 – O ex-ativista é condenado em Milão à prisão perpétua por quatro assassinatos. O julgamento foi feito à revelia, sem a presença do réu.
2004 – Depois de a França assinar sua extradição para a Itália, Battisti, que já estava há 14 anos no país, foge novamente.
2007 – Battisti é preso no Rio de Janeiro.
2009 – O ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, decide dar asilo político a Battisti. O STF julga o caso e deixa a decisão sobre a permanência de Battisti no Brasil para o presidente.
2010 – Lula decide manter Battisti no país.
2011 – O ministro Gilmar Mendes, do STF, nega liberdade a Battisti, que vai a julgamento novamente no tribunal. Corte decide que decisão de Lula é ato soberano e manda soltar o ativista italiano.

Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade

Recomendo a leitura do artigo de Boaventura de Sousa Santos.

Os Direitos Humanos na Pós-Modernidade

STF concede liberdade a Cesare Battisti


Por 6 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na noite desta quarta-feira (8), que o italiano Cesare Battisti deverá ser solto. Ao proclamar o resultado do julgamento, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, afirmou que o italiano somente poderá ser libertado se não estiver preso por outro motivo. Battisti responde a uma ação penal no Brasil por uso de documento falso.
Para a maioria dos ministros, a decisão do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva de negar a extradição de Battisti para a Itália é um “ato de soberania nacional” que não pode ser revisto pelo Supremo. Esse foi o entendimento dos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Marco Aurélio.
“O que está em jogo aqui é um ato de soberania do presidente da República. A República italiana litigou contra a República Federativa do Brasil”, reafirmou o ministro Fux, que já havia expressado o mesmo entendimento ao votar pelo não conhecimento da reclamação ajuizada pelo governo da Itália para cassar o ato do ex-presidente Lula.
Para a ministra Cármen Lúcia, uma vez não conhecida a reclamação do governo italiano, o ato do ex-presidente permanece hígido. “Considero que o caso é de soltura do então extraditando”, disse. Ela acrescentou que o ex-presidente, ao acolher os fundamentos de parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) para negar a extradição, não estava vinculado à decisão do Supremo, que autorizou a extradição.
O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que, quando analisou o pedido de extradição, em novembro de 2009, se convenceu que Cesare Battisti foi condenado por cometer crimes contra a vida. “Mas neste momento não é essa a questão que está em jogo”, ressaltou. Para Lewandowski, o ato do ex-presidente da República ao negar a extradição é uma verdadeira razão de Estado. “Entendo que o presidente da República praticou um ato político, um ato de governo, que se caracteriza pela mais ampla discricionariedade”, concluiu.
O ministro Joaquim Barbosa concordou. “Se o presidente assim o fez (negou a extradição) e o fez motivadamente, acabou o processo de extradição”, disse. Ele acrescentou que, como magistrado do Supremo, não tem outra alternativa a não ser determinar a imediata expedição do alvará de soltura de Battisti.
De acordo com o ministro Ayres Britto, cabe ao Supremo autorizar ou não o pedido de extradição. “O papel do STF é entrar nesse circuito extradicional para fazer prevalecer os direitos humanos para certificar que o pedido está devidamente instruído”, ressaltou. Ainda segundo ele, não é possível afirmar que o presidente descumpriu o tratado firmado entre Brasil e Itália.
Ayres Britto defendeu que o tratado “prima pela adoção de critérios subjetivos” ao vedar a extradição em caso de existirem razões ponderáveis para se supor que o extraditando poderá ter sua condição pessoal agravada se for extraditado. Foi exatamente esse o argumento utilizado no parecer da AGU, e acolhido pelo ex-presidente Lula, ao opinar contra o envio de Cesare Battisti à Itália.
O ministro acrescentou que “tratado é um ato de soberania” e que o controle do ato do ex-presidente da República, no caso, deve ser feito pelo Congresso Nacional, no plano interno, e pela comunidade internacional, no plano externo.
O ministro Marco Aurélio uniu-se à maioria que já estava formada ao afirmar: “Voto no sentido da expedição imediata, que já tarda, do alvará de soltura”.
Divergência
Os ministros Gilmar Mendes (relator do processo), Ellen Gracie e Cezar Peluso votaram no sentido de cassar o ato do ex-presidente da República e determinar o envio de Cesare Battisti para a Itália. “O senhor Presidente da República, neste caso, descumpriu a lei e a decisão do Supremo Tribunal Federal", concluiu o ministro Cezar Peluso, que finalizou seu voto por volta das 21h desta quarta-feira.
Antes, em longo voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o ex-presidente da República negou a extradição de Battisti com base em argumentos rechaçados pelo Supremo em novembro de 2009, quando o pedido do governo italiano foi autorizado. Ele acrescentou que o Estado brasileiro, na pessoa do presidente da República, é obrigado a cumprir o tratado de extradição e que um eventual descumprimento deveria sim ser analisado pelo Supremo.
“No Estado de Direito, nem o presidente da República é soberano. Tem que agir nos termos da lei, respeitando os tratados internacionais”, afirmou. “Não se conhece, na história do país, nenhum caso, nem mesmo no regime militar, em que o presidente da República deixou de cumprir decisão de extradição deste Supremo Tribunal Federal”, observou. Para ele, o entendimento desta noite caracteriza uma “ação rescisória da decisão do Supremo em processo de extradição”.
Na mesma linha, a ministra Ellen Gracie concordou que o ato do ex-presidente da República está sujeito ao controle jurisdicional como qualquer outro ato administrativo. Ela ressaltou a necessidade do sistema de “pesos e contrapesos” e “formas de revisão e reanálise” dos atos de um Poder da República pelo outro.
“Li e reli o parecer oferecido pela AGU ao presidente e ali não encontrei menção a qualquer razão ponderável, qualquer indício que nos levasse à conclusão de que o extraditando fosse ser submetido a condições desumanas (se enviado à Itália)”, ressaltou. A ministra observou que o tratado é a lei entre as nações e que sua observância garante a paz. “Soberania o Brasil exerce quando cumpre os tratados, não quando os descumpre”, concluiu.


- Julgamento conjunto: Rcl 11243 e Ext. 1085
Fonte: STF

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Artigo do ministro Cezar Peluso sobre PEC dos Recursos

Leia abaixo artigo do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, enviado à imprensa sobre a Proposta de Emenda à Constituição que busca dar maior celeridade à prestação jurisdicional – PEC dos Recursos.

EM DEFESA DE UMA JUSTIÇA EFICIENTE
Cezar Peluso
Minha proposta de emenda constitucional conhecida como PEC dos Recursos ataca frontalmente dois dos mais graves, se não os dois mais graves problemas do sistema judicial brasileiro: a lentidão dos processos e a impunidade. Para tanto, altera a Constituição para acabar com a chamada “indústria dos recursos”, em que manobras protelatórias retardam o andamento dos processos e impedem a execução das sentenças judiciais.
Em termos simples, o projeto estabelece o final do processo após duas decisões judiciais. O Brasil é o único país do mundo em que um processo pode percorrer quatro graus de jurisdição: juiz, tribunal local ou regional, tribunal superior e Supremo Tribunal Federal (STF). O sistema atual produz intoleráveis problemas, como a “eternização” dos processos, a sobrecarga do Judiciário e a morosidade da Justiça.
Pela PEC dos Recursos, os processos terminarão depois do julgamento do juiz de primeiro grau e do tribunal competente. Recursos às cortes superiores não impedirão a execução imediata das decisões dos tribunais estaduais e regionais. Tais decisões, aliás, em geral são mantidas pelas cortes superiores. Em 2010, por exemplo, o STF modificou as decisões dos tribunais inferiores em apenas 5% dos recursos que apreciou.
Os recursos continuarão existindo como hoje, e, em especial, o habeas corpus, remédio tradicional contra processos e prisões ilegais. Quem tiver certeza de seu direito continuará a recorrer aos tribunais superiores. Os recursos, no entanto, já não poderão ser usados para travar o bom andamento das ações judiciais. Aqueles que lucram com a lentidão da Justiça perderão um importante instrumento que agora atua em favor da impunidade e contra o bom funcionamento do sistema judicial.
A imprensa tem realçado o caso de um assassino confesso que, mediante uso de uma série infindável de recursos (mais de 20), retardou sua prisão por onze anos. Se a PEC dos Recursos já estivesse em vigor, esse réu estaria cumprindo sua pena há mais de cinco anos.
O projeto não interfere em nenhum dos direitos garantidos pela Constituição, como as liberdades individuais, o devido processo legal, a ampla defesa, o tratamento digno do réu. O que se veda é apenas a possibilidade da utilização dos recursos para perpetuar processos e evitar o cumprimento das decisões.
Com a PEC dos Recursos, as ações serão mais rápidas, e o sistema judiciário terá uma carga muito menor de processos. Além de combater a morosidade dos processos da minoria da população que busca o Judiciário para a solução de conflitos, a medida contribuirá também para ampliar o acesso à Justiça por parte da grande maioria da população, que hoje não recorre ao sistema judiciário porque sabe que a causa pode arrastar-se por anos.
Uma Justiça rápida e eficiente é do interesse de toda a sociedade. O Direito deve ser um instrumento eficaz de pacificação dos conflitos. Processos excessivamente longos criam insegurança jurídica. Por acelerar os feitos judiciais, a PEC dos Recursos aumenta a segurança jurídica e fortalece a Justiça, um dos mais essenciais dos serviços públicos.
A proposta atende também aos interesses dos profissionais do Direito. A medida reforça a responsabilidade dos juízes e dos tribunais locais e regionais, que terão seu desempenho avaliado mais de perto pela sociedade. Também interessa à grande maioria dos advogados, que vive da solução de litígios e não se vale de manobras protelatórias junto a tribunais superiores.
A Constituição brasileira assegura a todos a razoável duração e a celeridade da tramitação dos processos. A morosidade corrói a credibilidade da Justiça, favorece a impunidade e alimenta o descrédito no Estado de direito e na democracia. É disso que trata o debate sobre a PEC dos Recursos. A quem pode interessar a lentidão do sistema judicial?

Fonte: STF

Especialistas falam sobre julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Em continuidade ao Fórum Internacional Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário, o último painel apresentado foi sobre o tema “Julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos”, presidido pelo diretor do comitê de relações governamentais da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Paulo Camargo. Segundo ele, este é um dia histórico, tendo em vista o debate de temas importantes e significativos tanto para a imprensa quanto para o Judiciário brasileiros.
Liberdade de expressão e democracia
O primeiro a falar foi o jurista venezuelano, ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos e atual presidente da Comissão Internacional de Juristas, Pedro Nikken. Ele avaliou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos fez importantes contribuições sobre a questão da liberdade de imprensa.
Ele se lembrou da primeira opinião consultiva – a de nº 5 – levada à Corte Interameticana que dizia respeito à estreita vinculação entre a liberdade de expressão e a democracia. Na oportunidade, a Corte chegou à conclusão de que a liberdade de expressão é uma “pedra angular na existência de uma sociedade democrática”. Nesse sentido, conforme Pedro Nikken, “uma sociedade que não é plenamente informada não é plenamente livre”.
O jurista venezuelano comentou um caso exemplar sobre censura, quando foi proibida no Chile a veiculação do filme “A última tentação de Cristo”. De acordo com ele, a censura prévia viola a Convenção que apenas permite a responsabilidade posterior pelo que foi compartilhado. Nikken ressaltou que a Corte Interamericana incluiu dentro do direito à liberdade de expressão o acesso à informação, inclusive a dados públicos.
Outro ponto abordado por Pedro Nikken diz respeito às limitações válidas à liberdade de expressão. Para ele, tais limitações devem ser estabelecidas somente por lei formal, aprovada por parlamento, tendo em vista o princípio da legalidade. “Não se admite obstáculos de caráter geral, como, por exemplo, os costumes, mas é necessário que as limitações sejam expostas taxativamente”, explicou.
Quanto às sanções, Nikken disse que devem ser aplicadas, em regra, penalidades civis, tendo em vista que a responsabilidade penal é excepcional e, conforme a Corte Interamericana, é possível aplicá-la teoricamente. A Corte entendeu que as sanções penais, em alguns casos concretos, violavam a liberdade de expressão estabelecida no artigo 13.
Direito comparado
A advogada, mestre em direito pela USP e consultora da Folha de S. Paulo, Tais Gasparian, também falou nesse painel. Ela escolheu dois aspectos principais da jurisprudência da Corte Interamericana e traçou um paralelo com alguns julgados brasileiros, fazendo uma comparação a fim de demonstrar as semelhanças e diferenças.
Inicialmente, ela abordou a questão da censura judicial. Assim como Pedro Nikken, Tais Gasparian ressaltou que o artigo 13 da Convenção, em seu item 2, estabelece que não é possível a censura prévia, somente a responsabilidade ulterior.
A consultora considerou mais grave a censura judicial do que aquela praticada na época da ditadura militar. Isso porque na ditadura havia um censor que lia o conteúdo a ser publicado e aprovava ou não sua veiculação. No entanto, ela disse que o Poder Judiciário não tem acesso ao teor das matérias que proíbe, ao exemplificar que, em um material de sete reportagens, caso as primeiras sejam vetadas, o Judiciário entende que as posteriores terão o mesmo conteúdo, mesmo sem analisá-las.
O segundo e último ponto apresentado por Tais Gasparian refere-se ao acesso às informações públicas. “Existem julgados da Corte Interamericana que determinam que sejam fornecidos dados da administração pública para que a sociedade possa se informar”, complementa.
Legislativo x Judiciário
Já o advogado, mestre em Direito, consultor da ANJ e da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), Alexandre Jobim, comentou que no Brasil há centenas de projetos de lei que tentam fazer algum tipo de restrição aos meios de comunicação, sejam eles escritos ou eletrônicos. “Nós temos legisladores que ora trazem projetos dessa natureza como retaliação a críticas que recebem, ora como os chamados falsos populismos, ou seja, sabendo que uma matéria é inconstitucional mesmo assim a vota e depois culpa o Poder Judiciário”, disse.
Jobim ressaltou que o direito de resposta não se mistura com o direito de retificação. “Quem tem direito a retificar é aquele que tem algo que necessita de retificação e o direito de resposta do Brasil, infelizmente, sempre tem sido utilizado para ser um novo gravame”, afirmou o palestrante.
Ao final, o consultor fez ponderações quanto ao direito eleitoral. Segundo ele, a Lei 9.504 apresenta várias restrições aos meios de comunicação na cobertura jornalística do processo eleitoral. “O Supremo tem ainda a Lei 9.504 trazendo um privilégio ao direito de igualdade de candidaturas em detrimento do direito de liberdade de expressão, ou seja, cada vez mais existem restrições”, avaliou. Ele também salientou que estrangeiros que lerem a lei brasileira encontrarão, “com todo o respeito aos legisladores e com todo o respeito aos julgados já existentes, farta gama de violação aos direitos da Convenção Interamericana de Direitos Humanos”.
Críticas procedentes
O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ayres Britto, acompanhou junto à plateia presente à Sala de Sessões da Primeira Turma da Corte todas as palestras da programação vespertina do Fórum Internacional "Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário”. Para ele, as críticas relativas à necessidade de aprimoramento da legislação brasileira feitas pelos palestrantes, mais especificamente quanto ao Código Civil e à Lei Eleitoral, são procedentes.
“A legislação eleitoral, por exemplo, precisa ser, senão revista, reinterpretada conforme a Constituição. Ela comporta um novo olhar interpretativo a partir da Constituição, que favorece a liberdade de imprensa. Por isso as críticas foram procedentes porque sabemos que, aqui e ali, ainda há uma certa resistência do Poder Judiciário à compreensão de que não pode haver censura prévia, por exemplo. E a censura prévia é absolutamente inadmitida pela Constituição brasileira”, ressaltou.
Fonte: STF

STF julga constitucional inclusão do ICMS na sua própria base de cálculo

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (SFT) ratificou, nesta quarta-feira (18 maio), por maioria de votos, jurisprudência firmada em 1999, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 212209, no sentido de que é constitucional a inclusão do valor do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) na sua própria base de cálculo.
A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 582461, interposto pela empresa Jaguary Engenharia, Mineração e Comércio Ltda. contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que entendeu que a inclusão do valor do ICMS na própria base de cálculo do tributo – também denominado “cálculo por dentro” – não configura dupla tributação nem afronta o princípio constitucional da não cumulatividade.
No caso específico, a empresa contestava a aplicação, pelo governo de São Paulo, do disposto no artigo 33 da Lei paulista nº 6.374/89, segundo o qual o montante do ICMS integra sua própria base de cálculo.
Súmula
Em 23 de setembro de 2009, o Plenário do STF reconheceu repercussão geral à matéria suscitada no RE. Após a decisão do RE, o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, propôs que fosse editada uma súmula vinculante para orientar as demais cortes nas futuras decisões de matéria análoga. Assim, uma comissão da Corte vai elaborar o texto da súmula para ser posteriormente submetido ao Plenário.
O caso
A decisão da Justiça paulista afastou a alegação da empresa de que o artigo 13, parágrafo 1º, da Lei Complementar (LC) nº 87/96 (que prevê a inclusão do valor do ICMS na sua própria base de cálculo) bem como o artigo 33 da lei paulista nº 6.374/89, no mesmo sentido, conflitariam com a Constituição Federal (CF) no que diz caber a lei complementar definir os fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos.
Considerou legítima, ainda, a aplicação da taxa Selic e da multa de 20% sobre o valor do imposto corrigido, decisões essas também ratificadas pela Suprema Corte.
A empresa alegou, no recurso, que a inclusão do montante do imposto na própria base de cálculo configura bis in idem (duplicidade) vedado pela Constituição Federal. Também segundo ela seria inconstitucional o emprego da taxa Selic para fins tributários e a multa moratória fixada em 20% sobre o valor do débito teria natureza confiscatória e afrontaria o princípio da capacidade contributiva.
Decisão
Depois de procuradores do Estado de São Paulo e da Fazenda Nacional, que integram o recurso na qualidade de amicus curiae (amigo da corte), defenderem a legalidade da cobrança nos termos decididos pelo TJ-SP, o relator, ministro Gilmar Mendes, pronunciou-se no mesmo sentido.
Além da inclusão do tributo na base de cálculo, prevista na LC 87/96, eles sustentaram que a aplicação da Selic não constitui tributo nem correção monetária, sendo uma mera taxa de juros, cujo montante não excede a 1%. Quanto à multa de 20%, consideraram que essa não viola o princípio da razoabilidade tampouco é confiscatória. No dizer do ministro Gilmar Mendes, ela tem o objetivo de desestimular o não cumprimento de obrigação tributária, portanto é justa.
No caso, conforme esclareceu o ministro, não se trata de multa punitiva, que pode ser muito superior e tem natureza jurídica distinta, sendo aplicada em casos de atos ilícitos no descumprimento de obrigação fiscal acessória, dependendo seu montante da tipicidade estrita do ilícito.
O ministro Gilmar Mendes citou diversos outros precedentes, além do RE 212209, que teve como redator para o acórdão o ministro Nelson Jobim (aposentado) e é o leading case (caso paradigma) nesse assunto. E, entre os precedentes que consideraram constitucional a aplicação de multa de 20%, relacionou os REs 239964 e 220284, relatados, respectivamente, pela ministra Ellen Gracie e pelo ministro Moreira Alves (aposentado).
Discordâncias
Os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello foram votos vencidos, dando provimento ao recurso extraordinário interposto pela Jaguary Engenharia, Mineração e Comércio Ltda. Eles entenderam que a inclusão do próprio ICMS em sua base de cálculo representa, sim, dupla tributação e contraria o espírito da Constituição Federal, no que estabeleceu os princípios que devem nortear o legislador na fixação dos respectivos tributos.
O ministro Marco Aurélio lembrou que, dos atuais integrantes do STF, ele foi o único que participou do julgamento do RE 212209, em 1999, e disse que a Corte, em sua atual composição, teria a oportunidade de mudar a jurisprudência então firmada. No entender dele, essa inclusão do valor do ICMS em sua base de cálculo, via lei complementar, “foi engendrada por uma via indireta” para majorar o tributo. Isso porque o fisco passou a exigir do vendedor não o valor da alíquota sobre o negócio, mas o somatório da base de cálculo e do valor do próprio tributo.
Segundo o ministro Marco Aurélio, essa exceção no caso do ICMS abre um precedente para se aplicar a mesma sistemática também a outros impostos, como o de renda, por exemplo. Para o ministro Gilmar Mendes, entretanto, ao incluir o ICMS em sua base de cálculo, o legislador visou realmente a uma majoração do tributo, sendo completamente transparente. Tanto que, segundo ele, essa inclusão majora o tributo em 11,11%.
Também voto discordante, o ministro Celso de Mello lembrou que tem decidido em sintonia com a jurisprudência da Corte, mas que entende que esta inclusão do próprio ICMS em sua base de cálculo é incompatível com o ordenamento constitucional, ao incluir "valores estranhos à materialidade da incidência do ICMS".
Segundo o ministro Celso de Mello, a CF não cria tributos. Isso cabe ao legislador comum. Ao estabelecer o sistema tributário, a Carta Constitucional apenas dispõe sobre as regras para as pessoas políticas (os Legislativos) regulamentarem a matéria. E estas, ao incluir o ICMS na sua base de cálculo, contrariaram o disposto no artigo 155, inciso I, da CF, que prevê a não cumulatividade do tributo. Tanto ele quanto o ministro Marco Aurélio entendem, também, que a cobrança da multa de 20% constitui confisco, vedado pelo artigo 150, inciso IV, da CF.
FK/AD,CG
Processos relacionadosRE 582461

Fonte: STF