domingo, 7 de abril de 2013

O humanismo ético de Ronald Dworkin como atitude hermenêutico-jurídica

O falecimento do jurista norte-americano Ronald Dworkin (1931-2013), ocorrido em 14 de fevereiro, marca uma irreparável perda ao mundo acadêmico e, sobretudo, ao pensamento filosófico e prático do Direito. Ao mesmo tempo, é marco para celebração das ideias de um dos mais profícuos pensadores do Direito contemporâneo.
O autor, consagrado e influente no universo jurídico brasileiro por meio de obras como “Levando os Direitos a Sério” e “Uma Questão de Princípio”, entre outros, contribuiu em peso para a formação de um ponto de vista teórico sobre o Direito, essencialmente hermenêutico e comprometido com a integridade deste e dos ideais políticos, em integração com diferentes formas de saber humano.
A fluência conceitual e interpretativa do autor são marcantes e memoráveis, e essa marca decorrente tanto de sua competência argumentativa quanto dos próprios traços de seu ordenamento jurídico de base contribuem para a articulação da interpretação do Direito brasileiro, articulando o raciocínio jurídico feito a partir de nossos preceitos vigentes.
A relação entre enfrentamentos conceituais e casos práticos também acentua as qualidades intelectuais do autor, que propõe tanto uma leitura da teoria geral do direito quanto a sua projeção em casos concretos, vinculando ambas as dimensões.
Com isso, o autor reafirma a indissociabilidade de teoria e prática coadunadas na compreensão do Direito enquanto uma série de atitudes compreensivas, enunciativas e discursivas em torno de conceitos interpretativos, manejados a partir de compreensões sobre a própria natureza do direito (enquanto corpo de atitudes: interpretativa, autorreflexiva, contestadora, construtiva e fraterna).
De todas as questões de Ronald Dworkin, pode-se destacar, como celebração de seu pensamento e, sobretudo, de sua cosmovisão jurídico-política, a presença marcante da noção de um “ideal humanista”, o qual é explicitado na obra “A Virtude Soberana”, mas que marca toda a produção do autor.
Para Dworkin o “ideal humanista”, que orienta o direito nas democracias e Repúblicas contemporâneas, seria um ponto de convergência da liberdade, da igualdade e da responsabilidade como valores políticos e cívicos. Tais valores devem ser pensados e praticados a partir e em conjunto aos demais valores políticos e morais e também devem ser compreendidos holisticamente.
A marca da estética no pensamento dworkiniano firma-se também no modo em que recomenda a visualização desse “ideal humanista”, em que se integram os valores cívicos e políticos: tal como uma “cúpula geodésica” (estrutura arquitetônica desenvolvida por Richard Buckminster Füller), formando uma “estrutura humanista” coerente com a virtude da integridade do direito, em que um valor articula e intensifica o outro, em uma sustentação recíproca e na construção de um todo protetivo do seu interior (o ser humano).
O “humanismo ético” ínsito a essa estrutura assume a dimensão de individualismo ético, determinante do valor associado à vida humana, conforme conceitua Dworkin. A compreensão da “vida humana” proposta pelo pensador é complexa e se aproxima aos preceitos fundamentais da filosofia da libertação, que entende a vida como modo de realidade do sujeito em comunidade. O movimento que conhece a realidade e a valora a partir dos valores do direito (ou de um referencial ético) é similar.
Nesse contexto, tem-se que pensamento de Dworkin é profícuo no manejo de conceitos interpretativos (liberdade, igualdade, responsabilidade, democracia, direito, humanismo), que são problemáticos e expansivos em essência e que demandam o movimento construtivo do intérprete.
A atitude interpretativa, portanto, se coaduna no labor e esforço hermenêutico, construindo-se os sentidos na prática cognoscente e argumentativa, estabelecendo-se os compromissos e propósitos, contemporizando os espaços de divergências característicos da democracia, verificando-se legitimidades e pleitos determinados.
A concepção do Direito integrada por meio de corpo de atitudes permite, assim, o manejo amplo dos sentidos depreensíveis das categorias jurídicas, em especial a potencialidade dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, vetorizando-lhes aos demais princípios e objetivos constitucionais.
Tal potencial se afirma quando as interpretações jurídicas podem ser pensadas diante da ontologia fundamental do ser humano e de sua vida (considerando-se as vidas individuais concretas), em comprometimento com a “manutenção das vidas afirmadas” e “transformação das vidas negadas” (conforme expressões de Celso Ludwig).
Assim, o “ideal humanista” de Dworkin, enquanto referencial de compreensão da própria natureza do Direito, por meio do individualismo ético que enfoca o valor associado à vida humana pela comunidade político-jurídica, orienta o manejo dos conceitos interpretativos jurídicos, permitindo, assim, a formatividade da metáfora do domo geodésico humanista, que expressa a integridade do Direito e estabelece o pressuposto inicial hermenêutico-jurídico.
by Eliseu Raphael Venturi, advogado, é especialista em direito público pela Escola da Magistratura Federal no Paraná e mestrando em direitos humanos e democracia pela Universidade Federal do Paraná.
 
 

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