domingo, 23 de junho de 2013

A escravidão do contribuinte só é abolida no dia 25 de maio, mas se renova todo ano

O brasileiro é escravo do tributo por quase cinco meses do ano e não recebe o retorno devido do Estado. Essa é a opinião do advogado tributarista Roque Antonio Carrazza, que esteve em Curitiba para participar do XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, realizado no UniCuritiba entre os dias 29 de maio e 1º de junho. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, o professor da PUC-SP afirma que é difícil acabar com a guerra fiscal no país porque os estados acabam não cumprindo o que diz o texto constitucional. Ele acredita ainda que os critérios para criação e aumento de tributos devem seguir o bom senso. “A Constituição na matéria tributária é boa”, defende Carrazza, que confessa não praticar mais tênis, pois seu treinador teve um infarto. “Concluí que nem sempre esse esporte faz bem à saúde”, conta, rindo.

O senhor sente que hoje há uma discussão maior sobre a questão tributária no Brasil? As pessoas estão mais preocupadas com o destino do próprio dinheiro?
Sem dúvida, porque as pessoas aceitam pagar tributos, mas querem fazê-lo na medida justa e adequada, vendo que o dinheiro arrecadado está sendo bem empregado. Infelizmente, há má aplicação dos recursos, e os serviços públicos essenciais não funcionam a contento. Afirmei uma vez que a carga tributária do Brasil é a maior do mundo e me corrigiram dizendo que era a da Suécia. Mas não podemos comparar o incomparável. O contribuinte sueco tem um retorno na educação, lazer, cultura que, lamentavelmente, o contribuinte brasileiro não tem, mesmo o Estado tributando muito. O brasileiro, em geral, trabalha até o dia 25 de maio só para pagar tributo. A escravidão foi abolida do Brasil no dia 13 de maio de 1888 e, em contrapartida, a escravidão do contribuinte só é abolida no dia 25 de maio, mas se renova todo ano.
O que é pior: a criação de novos tributos ou o aumento da alíquota dos já existentes?
A criação de novos tributos causa maior comoção do que o aumento dos existentes. Contudo, mesmo o aumento deve ser cauteloso para que os tributos não tomem conotações confiscatórias.
Há como acabar definitivamente com a chamada guerra fiscal?
É uma guerra difícil de ser abolida porque os estados ávidos por recursos acabam encontrando caminhos alternativos para levar vantagem em termos de ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]. O problema está na origem do tributo, pois ele tem vocação nacional.
O senhor defenderia um imposto único?
Não seria um imposto único. O ICMS deveria se inspirar em um imposto da União Europeia chamado IVA [Imposto sobre Valor Agregado]. Os tributaristas estrangeiros que nos visitam se surpreendem ao saber que o nosso IVA é um tributo regional e perguntam se isso não gera guerra fiscal. A resposta técnica diz que não, porque a Constituição determina que incentivos, deduções e benefícios fiscais em matéria de ICMS só podem ser concedidos com base em convênios ratificados por todos os estados. Mas, na prática, isso não funciona porque os estados acabam concedendo benefícios sem convênio. Essa guerra terminaria se houvesse a federalização do ICMS, o que não deve acontecer, pois exigiria uma mudança constitucional que não interessa aos legisladores. A segunda maneira seria proibir qualquer tipo de incentivo, benefício ou isenção com base no ICMS com ou sem convênio e uma alíquota única do imposto, mas também duvido que isso aconteça.
Os tributos no Brasil respeitam a capacidade contributiva das pessoas?
Alguns sim, outros não. O IRPF [Imposto sobre a Renda de Pessoa Física] tenta respeitar, mas respeitaria mais se houvesse a multiplicação das alíquotas e se o sistema de deduções e abatimentos fosse aperfeiçoado. Hoje, poucas despesas são dedutíveis sob o argumento de difícil fiscalização, mas é um direito. As despesas médico-hospitalares são dedutíveis, mas não as despesas com medicamentos, o que é um contrassenso. As despesas com educação são dedutíveis, mas até um teto irrea­lista. O ITBI [Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis] tem alíquota única, mas não dá pra comparar a capacidade contributiva de quem compra um quarto e sala num bairro periférico com a de quem compra um apartamento de cobertura de mil metros quadrados na região mais nobre da cidade. E tantos outros tributos...
Como estabelecer bons critérios de tributação?
Com bom senso. Operações com calçados, por exemplo, devem ser isentas de IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados], já operações com armas de fogo e bebidas têm de ser tributadas de forma mais intensa. O critério da essencialidade vem sendo obedecido no caso do IPI, mas não no ICMS, por força de uma equivocada interpretação da Constituição. Alguns entendem que, se o ICMS pode ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias ou serviços, também pode não ser, o que é um erro.
O que a Constituição de 1988 trouxe de exemplos na questão dos tributos?
Ela trouxe mais garantias. A Constituição na matéria tributária é boa. A tributação vai mal por culpa do Legislativo, que não edita leis que dariam operatividade ao sistema, e por culpa do Executivo, que abusa da faculdade de regulamentar. Por culpa até do Judiciário, que, muitas vezes, não resiste à tentação de trocar a toga pela pasta da Fazenda.
O senhor é a favor do imposto sobre grandes fortunas?
Não sou, não porque eu tenha uma grande fortuna [risos]. A experiência histórica demonstra que é um tributo pouco rendoso, pois as grandes fortunas não são tantas, e também porque provoca a evasão de recursos do país.
Quais as desonerações tributárias possíveis?
Qualquer atividade de interesse público deveria trazer como recompensa uma diminuição da carga tributária. Já há algo nesse sentido, como a Lei Rouanet, mas que ainda não estimula as empresas. Também há um problema de fiscalização, temos que equipar melhor o nosso fisco para coibir as fraudes. A extrafiscalidade induz o contribuinte ao comportamento que deveria ser do Estado, obtendo melhores resultados.
O senhor é advogado e professor. Em qual ambiente se sente mais à vontade?
No ambiente acadêmico. Gosto mais de dar aula, escrever livros, mas a advocacia também é muito honrosa. A academia é útil no exercício da advocacia. Pratico a advocacia de consultoria e, para dar pareceres, tenho de me valer frequentemente da melhor doutrina. Um parecerista só deve dar um parecer se responde positivamente à pergunta: “Você escreveria isso em um livro?” Se não, ele não está sendo intelectualmente honesto, pois só deve dar o parecer quando está convencido de que se trata de uma tese adequada.
Além do Direito, o senhor tem outra paixão?
Já pratiquei judô, fiz um pouco de corrida, jogava futebol, mas atualmente tenho feito só um pouco de ginástica. Gostaria de ter mais tempo para o lazer, quem sabe agora com a chegada dos netos... Gosto de teatro, cinema, mas não tenho ido muito. Estou precisando de um hobby para minha vida. Teve uma época que eu jogava tênis. Mas aí, pasme, o professor de tênis teve um infarto. Então concluí que nem sempre esse esporte faz bem à saúde [risos].
 

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