sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Garota de Ipanema & Interpretação do Direito

"Garota de Ipanema é a composição brasileira mais executada no mundo. Seus autores são Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes, ambos já falecidos. Conta a lenda que a canção foi composta em um bar de Ipanema chamado Veloso, em homenagem a uma jovem colegial que passava regularmente em frente ao local, sob o olhar de admiração dos dois compositores, que se sentavam em mesas na calçada. Vinícius fez a letra e Jobim, a melodia. A canção, interpretada por ambos, consta e diferentes álbuns fonográficos. Há uma versão para o inglês, difundida em 1963, que tornou a música um sucesso mundial, e uma versão instrumental, feita para um filme homônimo, de 1967.

A letra e a melodia da canção permaneceram as mesmas, desde seu lançamento em 1962. Ao longo das décadas, inúmeros artistas apresentaram sua interpretação da obra. Todos trabalhavam, com intuito, sobre a criação original dos dois compositores. Algumas interpretações, no entanto, eram apenas instrumentais e procuravam captar os acordes sofisticados da bossa nova. Outras punham ênfase na poesia da letra, buscando recapturar um tempo mais romântico e ingênuo da vida do Rio de Janeiro. Muitos intérpretes, mundo afora, que apresentavam regravações belíssimas, nunca ouviram falar de bossa nova e não sabem exatamente onde fica Ipanema.

Garota de Ipanema, na voz ou nos instrumentos de seus múltiplos intérpretes, conserva sua essência, seus elementos de identidade, mas nunca é a mesma. A razão é que, entre a obra e o público, há uma intermediação necessária feita por quem vai executá-la. A interpretação, por certo, é desenvolvida com base na obra preexistente e nas convenções musicais. Mas estará sempre sujeita à percepção e à sensibilidade do intérprete. Por isso mesmo, uma versão nunca é exatamente igual à outra. Ainda assim, havendo fidelidade à melodia e à letra originais, não será possível dizer que uma seja certa e a outra, errada. São diferentes formas de ver a mesma criação. No entanto, há um limite a partir do qual já não será possível dizer que o intérprete esteja executando obra alheia, senão que criando a sua própria. Vale dizer: a interpretação jamais poderá romper os vínculos substantivos com o objeto interpretado.
A execução de uma peça musical - popular ou clássica - é uma boa imagem para compreender o fenômeno da interpretação nas hipóteses em que, entre a obra e o público, interpõe-se um intérprete, alguém com o poder de expressar a sua compreensão do trabalho do autor. Como é o caso do Direito, âmbito no qual sempre haverá, em meio a outros elementos, uma norma (obra alheia), um intérprete e um ou mais destinatários da interpretação. O intérprete não está legitimado a criar ou a inventar livremente o que melhor lhe aprouver; ao contrário, deve fidelidade à partitura preexistente, à obra original. Mas, por outro lado, não existe uma única maneira de expressá-la, e, portanto, o ambiente externo, a platéia e as contingências do intérprete sempre farão diferença."

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 268-269.

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