quarta-feira, 27 de junho de 2012

O poder de investigação do MP

Não parece razoável que tenha sido um desejo do legislador constituinte impedir que o Ministério Público fosse proibido de conduzir inquéritos criminais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, na manhã de hoje, importante discussão a respeito dos limites do poder de investigação do Ministério Público (MP). Dois processos sobre o tema estão na pauta da sessão plenária – o Recurso Extraordinário 593727 e o Habeas Corpus 84548. Esse último foi impetrado pela defesa do empresário Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, acusado de ser o mandante da morte do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel, em 2002.
Na semana passada, antes de o STF decidir analisar os dois recursos conjuntamente, os ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski votaram contra o poder investigatório do MP no julgamento do recurso extraordinário. Embora Peluso e Lewandowski tenham entendido que, ao conduzir investigações criminais, o Ministério Público estaria avançando sobre a competência das polícias, e violando a Constituição Federal, há fundamentos fortes e razoáveis que permitem concluir em direção oposta.
Não há proibição constitucional para que o MP possa conduzir investigações penais. A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 129, que são funções do Ministério Público promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei, bem como requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Além de não haver proibição expressa, o mesmo artigo do texto constitucional abre a possibilidade de o MP “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”.
Além disso, a Constituição Federal não estabelece como privativa da polícia a competência investigatória, pois o artigo 58, em seu parágrafo 3.º, estabelece que as comissões parlamentares de inquérito terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, para que promovam a responsabilidade civil ou criminal dos investigados. Portanto, a Constituição não proíbe o MP de conduzir investigações e ainda estabelece que é possível exercer tal função, pois ela é “compatível com sua finalidade”; além disso, não apresenta a competência investigatória como privativa da polícia.
O texto constitucional também não estabelece, no âmbito da produção dos elementos de acusação, a necessidade de separação entre o órgão investigador e o órgão propositor da ação penal. O que não permite é que um mesmo órgão seja responsável pela investigação e julgamento. Não parece razoável que tenha sido um desejo do legislador constituinte impedir que o MP fosse proibido de conduzir inquéritos criminais.
As atribuições estabelecidas para a polícia e para o MP na Constituição tratam da habitual distribuição de tarefas. Seria contraproducente que o constituinte concedesse somente à polícia a função investigatória, pois limitaria sem razão o poder estatal de punir o cometimento de crimes. A existência de diversos órgãos fiscalizadores – como MP e a Receita Federal, entre outros – permite evitar que crimes complexos, especialmente os ligados à corrupção e enriquecimento ilícito, sejam praticados impunemente.
É de se ressaltar que, quando se trata de crimes de colarinho-branco, o MP tem mostrado maior capacidade técnica e operacional para conduzir investigações, sem que isso represente qualquer demérito para a atividade realizada pela polícia. Esse modelo é, inclusive, adotado por países como Alemanha, França e Espanha. Não foi por outra razão que o Brasil já assinou diversas convenções que estabelecem a necessidade de ampla participação investigatória do MP, incluindo as convenções de Palermo (combate ao crime organizado), de Mérida (corrupção) e das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.
Todos os fatores já analisados permitem concluir que o poder de investigação do MP não é inconstitucional e precisa ser mantido. Caso o STF decida, na sessão plenária de hoje, pela impossibilidade de o MP conduzir investigações penais sem participação de autoridade policial, a sociedade perderá um importante aliado no combate à criminalidade e à corrupção.



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