sábado, 9 de fevereiro de 2013

É preciso repensar o modelo cautelar no processo penal

As estatísticas sobre prisões provisórias no Brasil não são nada animadoras. De acordo com o último relatório do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, a população carcerária atingiu, em junho de 2012, 549 mil presos, com a proporção de 288 presos por 100 mil habitantes.[1] Em 1992, esse número era de 74 presos por 100 mil habitantes, o que corresponde a um aumento de 380,5%, enquanto que, no mesmo período, a população brasileira cresceu apenas 28%. Segundo levantamento do anuário World Prison Brief (WPB), o crescimento da população carcerária no Brasil, nas últimas duas décadas, só foi superado pelo do Cambodja.
Além do preocupante crescimento da população carcerária, o que mais chama atenção no relatório é o número de pessoas presas em caráter provisório. Do total de presos, 191 mil são de pessoas aguardando julgamento, muitas delas amontoadas em unidades prisionais superlotadas e sem as mínimas condições de higiene, como se constatou nos mutirões carcerários realizados pelo Conselho Nacional de Justiça[2], sem contar que mais de 40 mil presos encontram-se, irregularmente detidos em delegacias de polícia, muitos inclusive já sentenciados.
Houve, no Brasil, nas últimas décadas, um notório incremento no uso da prisão cautelar. Em 1990, a proporção entre presos definitivos e provisórios era bem diferente do que se observa atualmente. Havia, naquele ano, 90 mil presos, dos quais apenas 18% (16,2 mil) eram presos provisórios. Entre 1990 e 2012, contudo, enquanto o número de presos definitivos aumentou 490%, o número de presos provisórios, no mesmo período, cresceu, espantosamente, 1.093%, alcançando, em junho de 2012, cerca de 40% da população carcerária.
Os mutirões carcerários coordenados pelo CNJ demonstraram que a falência do sistema prisional não pode ser dissociada das sérias deficiências do sistema de justiça criminal. A par dos inúmeros casos de prisões provisórias com prazo alongado, sem conclusão da instrução e sem sentença de primeiro grau, dois exemplos parecem ilustrar o quadro de abuso eloquente: no Espírito Santo encontrou-se acusado preso provisoriamente há 11 anos; no Ceará, verificou-se um quadro ainda mais grave, uma pessoa presa há mais de 14 anos em caráter provisório.
Nesse contexto, a edição da Lei 12.403/11, que ampliou consideravelmente o rol de medidas cautelares à disposição do juiz (CPP, art. 319), apresenta-se como relevante instrumento no esforço de alteração desse quadro. Trata-se de medidas que podem ser adotadas de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público (CPP, art. 282, §2º). E o mais importante: contam com prioridade em relação à prisão preventiva (CPP, art. 282, §6º)[3].
De acordo com a nova redação do artigo 310 do CPP, o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, deve adotar uma das seguintes providências: a) relaxar o flagrante, se ilegal; b) converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, se presentes os requisitos do artigo 312 do CPP e não for possível a sua substituição por medida cautelar diversa da prisão; c) conceder liberdade provisória mediante imposição de uma, ou mais de uma, das medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP, entre as quais a fiança.
O artigo 319 do CPP elenca as seguintes medidas cautelares alternativas à prisão, que podem ser determinadas isolada ou cumulativamente (CPP, art. 282, §1º): comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso ou de frequência a determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da comarca ou do país, recolhimento domiciliar nos períodos noturnos e nos dias de folga, suspensão do exercício da função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, internação provisória, monitoração eletrônica e fiança.
Conforme observado na obra Prisão e Medidas Cautelares, Comentários à Lei 12.403, “o sistema processual brasileiro sempre se caracterizou pela bipolaridade (ou binariedade): prisão ou liberdade”. [4] Não sendo cabível a liberdade provisória com ou sem fiança, não dispunha o juiz, portanto, de outras medidas substitutivas da prisão cautelar, passando esta, em muitos casos, a ser a regra, desnaturando por completo o seu caráter de excepcionalidade.
 
Leia na íntegra aqui.
 
by Gilmar Mendes,  ministro do Supremo Tribunal Federal, mestre em Direito pela universidade de Brasília, e mestre e doutor em Direito do Estado pela Universidade de Münster (Alemanha).
 
 
Fonte: ConJur
 
 
 

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