domingo, 24 de julho de 2011

O Princípio do Equilíbrio de Armas no Processo Penal (I)

Um assunto aparentemente despido de relevo prático chega à maior Corte Judiciária do país. A notícia divulgada pela internet no dia 18 do corrente mês informa que o Juiz titular da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, Ali Mazloum, ingressou com pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) que seja dado tratamento isonômico entre acusação e defesa nas audiências criminais realizadas no âmbito da Justiça Federal brasileira.
Na Reclamação nº 12011, o sensível, lúcido e intimorato magistrado investe contra decisão liminar de uma Desembargadora Federal mantendo dispositivo legal e a praxe forense para que o agente do Ministério Público permaneça sentado "ombro a ombro" com o Juiz durante a realização das audiências.
A questão tem o seu ponto fulcral na regra do art. 18, I, a da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, declarando que uma das prerrogativas institucionais dos membros do Ministério Público da União é o de "sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem".
Na Reclamação, o Juiz Ali Mazloum argumenta que, para garantir tratamento igualitário entre os representantes do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública (DPU) ou da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi editada a Portaria 41/2010. A norma, de caráter jurisdicional, pretendia dar efetividade à Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94 e 132/09).
Assim, segundo explica o magistrado, como não havia espaço físico na sala de audiência para acomodar ao lado do Juiz também o representante da defesa em uma audiência, a exemplo do que ocorria com o representante do Ministério Público, ficou determinado o assento de todos "no mesmo plano, e colocou-se o assento do MPF ao lado do assento reservado à defesa (DPU e OAB), à mesa destinada às partes."
O Ministério Público Federal contestou na Justiça a validade da portaria, alegando que ela violou o Estatuto do Ministério Público, que garante lugar destacado a seus representantes. Ao analisar a ação proposta pelo MPF contra a Portaria 41/2010, a juíza relatora do caso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), concedeu liminar suspendendo a norma. Contra esta decisão, o Juiz Ali Mazloum acionou o STF.
No referido procedimento, o seu ilustre autor salienta que ainda não havia sido notificado da decisão e que está impedido de exercer a sua jurisdição em sua plenitude em face da liminar. E que compete ao juiz natural "assegurar a paridade de tratamento entre acusação e defesa".
Na avaliação do Juiz Mazloum houve interpretação equivocada sobre o dispositivo do Estatuto do Ministério Público da União , além da divergência com precedente da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal constante do Recurso de Mandado de Segurança (RMS), nº 21884.
Prestando um testemunho altamente qualificado pela sua experiência, o Doutor Mazloum afirma ser "perceptível a reação diferenciada de testemunhas quando indagadas pelo acusador, sentado no alto e ao lado do juiz, e depois pelo advogado, sentado no canto mais baixo da sala ao lado do réu. É preciso colocar em pé de igualdade, formal e material, acusação e defesa".
A notícia, colhida na mesma fonte,[1] revela que o problema está em discussão no âmbito do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que há a possibilidade de decisões divergentes entre os dois órgãos. Daí porque o pedido de concessão liminar na Reclamação para, desde logo, solucionar a eventual controvérsia em relação a todos os membros da magistratura federal. E, no mérito, pede que seja declarado inconstitucional o artigo 18, I, a, da LC 75/93 e adotado o teor da Portaria 41/2010 da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo como modelo válido para toda a magistratura "com vistas a assegurar paridade de tratamento entre acusação e defesa durante as audiências criminais".
A iniciativa da Reclamação tem ampla justificação como se pretende deduzir em artigo posterior. E o seu ponto de partida é o princípio da igualdade entre a acusação e a defesa durante a prática de atos judiciais realizados na presença de ambos os representantes das partes.
No início do presente artigo está dito que o assunto é "aparentemente despido de relevo prático". Mas, à luz do princípio constitucional de igualdade de todos perante a lei (art. 5º, caput e inc. I) e de sua consequência lógica da isonomia processual e a sua transparência pública, o tema assume notável amplitude científica. Em uma de suas lições, Lauria Tucci e Cruz e Tucci, observam com absoluta razão que um dos consectários do due process of law firma-se no denominado "princípio da isonomia processual, determinante do tratamento prioritário dos sujeitos parciais do processo".[2]
Em meu entendimento, a questão deve ser resolvida com base nos princípios constitucionais que asseguram o equilíbrio de armas entre os representantes das partes em litígio. A paridade não se esgota, vale enfatizar, nas iguais possibilidades oferecidas à acusação e à defesa para o cumprimento de suas função (prazos, limitação quanto à prova, etc.), mas, também, deve considerar outros aspectos e, entre eles, à postura física do procurador junto ao presidente da audiência de modo a sugerir a impressão de quebra de outro princípio fundamental no processo penal democrático: a imparcialidade do Juiz (Segue) 


[1] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=184522
[2] lauria tucci, Rogério. cruz e tucci, José Rogério. Constituição de 1988 e porocesso: regramentos e garantias constitucionais do processo, São Paulo: Editora Saraiva, 1989, p. 37. (Os destaques em itálico são do original).

by René Ariel Dotti, Advogado e Professor Titular de Direito Penal● Detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007) ● Conselheiro Federal da OAB e presidente da Comissão Especial de Estudo do Projeto do Novo Código de Processo Penal, para acompanhar o anteprojeto e apresentar emendas atribuindo-me a sua presidência e coordenação.

Disponível em: < http://www.parana-online.com.br/colunistas/149/87032/>. Acesso em: 24 jul. 2011.

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