domingo, 31 de julho de 2011

O Princípio do Equilíbrio de Armas no Processo Penal (II)

O Juiz Federal Ali Mazloum, dando sequência às decisões fieis à Constituição e à legislação, ingressou com Reclamação no Supremo Tribunal Federal impugnando a decisão liminar de uma Desembargadora do Tribunal Federal da 3ª Região que cassou a Portaria nº 41/2010, por ele editada para garantir a efetividade da Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei nº 80/1994) que estabelece: "Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público"(art. 4º, § 7º).
Como não havia na sala de audiência espaço para acomodar ao lado do magistrado também o defensor público e o defensor particular, a portaria determinava que eles assentassem à mesa reservada às partes. E assim o fez na condição de juiz natural para "assegurar a paridade de tratamento entre acusação e defesa".
A decisão de revogação fundou-se no art. 18,I, a da Lei Complementar nº 75/1993 que declara, como prerrogativa institucional dos membros do Ministério Público da União, "sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem".
A regra mostra um preciosismo aristocrático no exercício do poder incompatível a princípios elementares que na Constituição Federal de 1988 distinguem o Ministério Público como instituição defensora do regime democrático e de interesses sociais, além de outros relevantes bens e valores da comunidade. A imposição de sentar "ombro a ombro" com o juiz durante a audiência, assim como ocorre na praxe forense revela-se autoritária e discriminatória em relação à figura, também institucionalizada, do Advogado que é "indispensável à administração da justiça" (CF, art. 133) e que, no seu ministério privado, "presta serviço público e exerce função social"(Lei nº 8.906/1994. Estatuto da Advocacia e da OAB).
Essa arquitetura de constrangimento funcional vai mais longe. Ela dissimula a real posição que devem ostentar as partes em um processo conduzido pelos princípios e regras do Estado Democrático de Direito. Perante a testemunha, o perito, o acusado e qualquer outro participante da relação processual o mobiliário compõe a imagem de duas autoridades de igual hierarquia.
A iniciativa do Juiz Mazloum ao STF assume extraordinária repercussão acadêmica e profissional ao tempo em que o Juiz de Direito Substituto da 1ª Vara Criminal e Juizados Especiais Criminais do Foro Regional de Restinga, Porto Alegre (RS), Mauro Caum Gonçalves, nos autos do Procedimento administrativo nº 02/2011, atendeu, em 19 de julho, o pedido da Defensoria Pública para remanejar os móveis da sala de audiências. A pretensão deferida se fundou no § 7º do art. 4º da Lei Complementar nº 80/1994, que reza: "Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público".
É oportuna a transcrição de alguns trechos desse notável precedente:
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"Assim, ao atribuir ao Parquet, privativamente, a ação penal pública (art. 129, inciso I), a Lei Fundamental, parece, quis estabelecer a imprescindibilidade de sua atuação para o processo e, consequentemente, evitar o embricamento das funções dos sujeitos processuais.
"Com efeito, no processo penal, deve haver as figuras do 'acusador' e do 'julgador'; e elas devem ser bem delimitadas, separadas, de modo que um com o outro não se confunda.
"Pois bem.
"A atual situação cênica dos móveis da sala de audiência, por estar o assento destinado ao órgão do MP imediatamente do lado do julgador, vai de encontro a essa necessária diferenciação.
"Com efeito, 'visualmente', isso transmite a um observador - que ignora os regramentos positivos e consuetudinários - a 'impressão' de, senão identidade, de proximidade das atribuições.
"Tal 'ilação' é, certamente, facilitada pela circunstância de o servidor auxiliar-escrevente do Magistrado sentar em posição equivalente (imediatamente do lado esquerdo), e os Advogados e Defensores Públicos (assistentes da acusação ao lado direito; defensores, ao lado esquerdo) não, ficando, além de mais afastados, perpendicularmente ao Juiz.
"Isso sem contar o fato de que, inexplicavelmente (melhor seria dizer indevidamente) que a poltrona destinada ao órgão do Parquet é, de praxe (inclusive, nesta Vara), muito mais "luxuosa" que a destinada aos Advogados e Defensores Públicos.
"Nada justifica que assim seja.
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"Pelo exposto, ACOLHO o requerimento administrativo formulado pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e DETERMINO a alteração do mobiliário da sala de audiências, de modo que seja removido o assento ora destinado ao órgão do Ministério Público, que deverá, quando comparecer às solenidades aprazadas pelo Juízo, tomar lugar nos remanescentes que se situam "à direita" (e não ao lado) do Julgador.
Intimem-se o órgão do Ministério Público e da Defensoria Pública que atualmente têm atribuição para oficiar perante esta Vara Criminal - autorizado extração livres de cópias. Remetam-se cópias do pedido inicial e desta decisão: 1) ao Presidente do Tribunal de Justiça; 2) ao Corregedor-Geral de Justiça; 3) ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos do TJ; 4) ao Presidente da OAB/RS; 5) ao Diretor de Valorização Profissional da OAB/RS; 6) ao Presidente da AJURIS - Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul; e 7) ao Presidente da AMB - Associação dos Magistrados do Brasil, em Brasília. E encaminhe-se cópia integral do expediente para o Conselho Nacional de Justiça - CNJ.
"Procedam-se às diligências necessárias à reorganização dos móveis, inclusive com ciência ao Estenotipista". (Segue)
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by René Ariel Dotti, Advogado e Professor Titular de Direito Penal● Detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007) ● Conselheiro Federal da OAB e presidente da Comissão Especial de Estudo do Projeto do Novo Código de Processo Penal, para acompanhar o anteprojeto e apresentar emendas atribuindo-me a sua presidência e coordenação.

Fonte: Paraná Online, Caderno Direito e Justiça
Disponível em: http://www.parana-online.com.br/colunistas/149/87179/. Acesso em: 31 jul. 2011.

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