sexta-feira, 29 de julho de 2011

Ortotanásia: morte digna?

Recomendo a leitura. Importante debate em aberto.
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Ortotanásia significa (literalmente) “a morte no tempo certo”. Na prática, essa morte acontece quando o médico limita ou suspende procedimentos e tratamentos (esforços terapêuticos ou ações disgnósticas inúteis ou obstinadas) que prolongam a vida do doente em fase terminal, que padece grande sofrimento em razão de uma enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. (Grifos Nossos). O desligamento de aparelhos, por exemplo, configura ortotanásia. O prolongamento artifical da vida se chama distanásia.
A ortotanásia não se confunde com a eutanásia porque nesta um terceiro, por sentimento de piedade, abrevia a morte do paciente terminal portador de doença grave e incurável, a pedido dele. Uma coisa é aplicar uma injeção letal no paciente (eutanásia), abreviando sua morte, outra distinta é suspender os tratamentos médicos inúteis que prolongam (artificalmente) a vida desse paciente, deixando a morte acontecer no tempo dela (ortotanásia).
Para o pensamento jurídico predominante a eutanásia configura o delito de homicídio doloso, eventualmente privilegiado. Quanto à ortotanásia a polêmica não é menor. Ela vem prevista na Resolução 1.805/2006, do Conselho Federal de Medicina. Contra essa resolução o Ministério Público Federal ingressou com ação civil pública (em 2007, em Brasília). A ação foi julgada improcedente (em 2010), entendendo o juiz e a procuradora da república que a posição do CFM é válida.
Os termos da Resulução foram ratificados pelo Código de Ética Médica, de 2009 (Capítulo I, inc. XXI e art. 41, parágrafo único). Do ponto de vista administrativo-disciplinar, a conduta do médico que pratica ortotanásia não é reprovável (não é aética).
E do ponto de vista penal, seria a ortotanásia crime? Há muito tempo estamos sustentando que não, desde que preenchidos todos os requisitos necessários (paciente terminal, doença grave e incurável, pedido do paciente etc.). Por que não? Porque não se trata de uma morte arbitrária; ao contrário, estamos diante de uma “morte digna”. (Grifos Nossos). E criminosa é, tão-somente, a morte arbitrária, nos termos do que diz o art. 4º, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que tem valor jurídico superior ao da lei (consoante posição do STF, RE 466.343-SP).
A morte gerada no contexto de uma ortotanásia, portanto, não é um homicídio. Não se trata de uma morte valorada de forma negativa, ao contrário, é uma morte digna. A legislação penal no Brasil, expressamente, nada diz sobre o tema. (Grifos Nossos).
Mas basta admitir a doutrina da tipicidade material, que defendemos dentro da nossa teoria constitucionalista do delito, para concluir que essa morte é formalmente típica, mas não materialmente típica. Por quê? Porque não é uma morte intolerável, arbitrária. Ou seja: não se trata de um ato desvalioso, ao contrário, deve ser valorado positivamente.
Desde que atendidos todos os requisitos necessários, não há como ver crime na ortotanásia, apesar da inexistência de texto legal explícito.

by  Luiz Flávio Gomes - LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).



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