domingo, 31 de julho de 2011

Direitos Fundamentais e Democracia

"Este debate envolvendo opinião pública e uniões homoafetivas é um bom cenário para se repassarem dois conceitos que se fundiram para formarem o constitucionalismo democrático. O primeiro deles, democracia, significa governo do povo, isto é, prevalência da vontade da maioria. Constitucionalismo, por sua vez, significa poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. Por vezes, existe tensão entre essas duas ideias essenciais. Um tribunal constitucional, como é o Supremo Tribunal Federal, tem por papel garantir o respeito aos direitos fundamentais, mesmo contra a vontade da maioria. Por exemplo: se houver oito cristãos e dois muçulmanos em uma sala, os cristãos não podem deliberar jogar os muçulmanos pela janela. Por que não, se são maioria? Porque a maioria não pode tudo. Tem de respeitar os direitos fundamentais da minoria."

by Dr. Luís Roberto Barroso - Professor Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, mestre pela Yale Law School, doutor e livre-docente pela UERJ.

Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=428. Acesso em: 31 jul. 2011.



STF retoma sessões de julgamentos do Plenário nesta segunda-feira (1º)

As atividades do Supremo Tribunal Federal (STF) referentes ao segundo semestre de 2011 serão retomadas nesta segunda-feira (1º), às 14h, em sessão plenária transmitida ao vivo pela TV e pela Rádio Justiça. No recesso forense de julho, os prazos processuais no STF ficaram suspensos e coube à Presidência decidir sobre os casos urgentes.
Além da realização da sessão extraordinária de segunda-feira, também nesta primeira semana de agosto os ministros se reúnem nos dias usuais: ordinariamente no dia 3 (quarta-feira) e, extraordinariamente, no dia 4 (quinta-feira) de agosto, sempre às 14 horas.

Segundo semestre

Em entrevista concedida a jornalistas no término do primeiro semestre, o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, comentou alguns processos que deverão ser analisados pelo Plenário ainda neste ano. Matérias de grande relevância social se destacam na pauta de julgamentos, entre eles, anencefalia (ADPF 54), poder de investigação do Ministério Público (HC 84548), quilombolas (ADI) 3239, planos econômicos (ADPF 165) e cotas (ADPF 186 / RE 597285).
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, os ministros irão discutir a possibilidade de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos (sem cérebro). O ministro Marco Aurélio, relator, já concluiu o seu voto e liberou o processo para que entre na pauta de julgamentos da Corte.
O STF deverá retomar a discussão sobre o poder de investigação do Ministério Público, contida no Habeas Corpus (HC) 84548, com o voto-vista do ministro Cezar Peluso. A ação é de autoria da defesa de Sérgio Gomes da Silva, conhecido como “Sombra”, acusado de ser o mandante do assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel.
Neste segundo semestre, o Plenário do STF também deverá julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, sobre a ocupação de terras por cerca de três mil comunidades formadas por pessoas remanescentes de quilombos no Brasil. Nessa ação, o antigo Partido da Frente Liberal (PFL) e atual Democratas (DEM) contesta o Decreto 4.887/03, que regulamenta dispositivo constitucional sobre a ocupação de terras de quilombolas (artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT). Segundo o partido político, o decreto invade esfera reservada à lei e disciplina procedimentos que implicarão aumento de despesa. O relator da matéria é o ministro Cezar Peluso.
Outro processo com expectativa de ser julgado no segundo semestre é a a ADPF 165, que discute a controvérsia sobre o direito às diferenças de correção monetária nas cadernetas de poupança, em razão dos expurgos inflacionários decorrentes dos planos econômicos Cruzado, Bresser, Verão e Collor I e II. O relator da ação é o ministro Ricardo Lewandowski.
O Plenário do STF também deverá examinar um processo de grande interesse social. Trata-se da discussão sobre a constitucionalidade ou não da reserva de vagas em universidades públicas, a partir de critérios raciais, as chamadas cotas. O tema foi debatido em audiência pública realizada em fevereiro de 2010 com a participação de 38 especialistas de entidades governamentais e não governamentais. Sobre o assunto, tramitam dois processos: a ADPF 186 e o Recurso Extraordinário (RE) 597285.

Estudo de novas súmulas

Na pauta de julgamentos da Corte também está previsto um estudo de enunciados de súmulas não vinculantes que, em razão de temas atuais, podem se tornar vinculantes. De acordo com o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, ele irá submeter ao Plenário a edição de novos enunciados que, se aprovados, irão diminuir o número de processos que chegam ao STF.

Fonte: STF


Supremo esclarece regras dos julgamentos por meio virtual

Com relação à reportagem publicada no jornal Valor Econômico na edição de 25 de julho de 2011 e intitulada “STF julga mérito por meio virtual”, o Supremo Tribunal Federal presta os esclarecimentos que se seguem.
Em primeiro lugar, somente pode ser julgado em meio virtual o mérito de recursos, quando, em virtude de seu objeto já ter sido apreciado pela Corte em vários precedentes, for caso de mera reafirmação da jurisprudência assentada. (Grifos Nossos). Isso não significa, parece óbvio, que tal jurisprudência não possa ser revista pelos Ministros, os quais só confirmam os precedentes, também escusaria advertir, se estão convencidos do seu acerto. O meio virtual em nada interfere na formação do convencimento dos Ministros, que decidem sempre o mérito dos recursos, nesse sistema, também por maioria de votos. Na hipótese de os Ministros deliberarem, por unanimidade ou maioria, ao propósito do recurso, rever-lhe a jurisprudência, somente a questão relativa à existência de repercussão geral é julgada em meio virtual, sendo o mérito necessariamente julgado em Plenário físico.
No tocante à questão da publicidade, os processos submetidos à análise de repercussão geral são todos inteiramente digitalizados e disponíveis ao público. Da mesma forma, a manifestação do Ministro Relator é automaticamente disponibilizada, e a votação pode ser acompanhada em tempo real no sítio eletrônico do STF.
Quanto ao tema da sustentação oral, é preciso relembrar que, já hoje, os processos que envolvem análise de repercussão geral, acompanhada da reafirmação de jurisprudência, são julgados no Plenário físico em Questões de Ordem (QO), que, salvas algumas exceções, não comportam sustentação oral. Ademais, nesses casos, é até dispensado o julgamento do recurso por órgão colegiado do STF em duas situações: quando, como já ocorreu inúmeras vezes, o próprio Pleno do STF concede aos Ministros Relatores competência para julgamento de casos similares mediante decisão monocrática, isto é, individual; e, ainda, na hipótese prevista, há muito tempo, assim no CPC (art. 557, caput), como no Regimento Interno da Corte (art. 21, § 1º), de poder o Relator negar seguimento a recurso ou pedido improcedente ou contrário a súmula ou à jurisprudência dominante (art. 21, § 1º). Em nenhum desses casos, nem nos seus eventuais desdobramentos, há possibilidade de sustentação oral! E não se trata de novidade alguma.
Por fim, são inegáveis os avanços e as vantagens trazidos pela admissibilidade de julgamento em meio virtual. De um lado, porque a rapidez nesses julgamentos propicia que os tribunais possam aplicar imediatamente as decisões do Supremo, evitando a formação de estoques de processos acumulados por força do reconhecimento da repercussão geral, sem o conseqüente julgamento de mérito, muitas vezes demorado em virtude da pauta assoberbada do Plenário do STF. Depois, porque o julgamento colegiado afasta a incerteza de decisões monocráticas eventualmente contraditórias, sedimentando entendimento desde logo aplicável pelos tribunais.
Fonte: Secretaria de Comunicação Social - Supremo Tribunal Federal


A constitucionalização da felicidade

O que é a felicidade? E, como é possível alcançá-la? Essas perguntas não são inéditas.
Segundo o dicionário Aurélio, felicidade é a qualidade ou estado de feliz; ventura, contentamento, bom êxito, sucesso.
Na era da internet, para o Wikipédia, "a felicidade é um estado durável de plenitude, satisfação e equilíbrio físico e psíquico, em que o sofrimento e a inquietude estão ausentes", tendo, ainda, o "significado de bem-estar espiritual ou paz interior."
Para o filósofo Aristóteles "felicidade é ter algo o que fazer, ter algo que amar e algo que esperar." Essa referência nos confirma que a tentativa de se identificar o que é esse sentimento tão especial é um problema de longa data... Seguramente, até o momento ainda não resolvido.
Para os poetas, esse é um tema sempre presente. Nas palavras dos incomparáveis Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes, a "felicidade é como uma gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranqüila, depois de leve, oscila e cai como uma lágrima de amor", sendo que, para esses músicos, a "tristeza não tem fim, felicidade sim." (A Felicidade)
Poderíamos continuar com citações, pensamentos, músicas, reflexões em geral sobre a questão da felicidade, tão recorrente ao longo dos séculos, sem nunca conseguirmos chegar a uma resposta objetiva, direta e precisa sobre o que é, de fato, esse tão badalado substantivo. Duas características merecem destaque: trata-se de um conceito altamente subjetivo (pessoal, individual) e passageiro (transitório).
Não há dúvida de que as necessidades a serem supridas para fins da felicidade são diferentes, de pessoa a pessoa. Uma casa, uma viagem, um amor, um objetivo alcançado, a contratação para um trabalho, ser agraciado com o primeiro sorriso do filho, depois vê-lo entrar na faculdade, uma vida de comercial de margarina... enfim, impossível identificar todos esses possíveis fatores motivadores da felicidade. Além disso, talvez o mais apropriado seja se falar em "estar feliz" e não em "ser feliz", uma vez que não se é feliz por todos os momentos da vida, ininterruptamente.
Pois bem. O que nos motiva a essas reflexões é a existência de uma Proposta de Emenda à Constituição Federal nº 19, de 2010, em trâmite no Senado Federal, de autoria do respeitado senador Cristóvão Buarque que "altera o artigo 6º da Constituição Federal para incluir o direito à busca da Felicidade por cada individuo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício desse direito." É a chamada "PEC da Felicidade"!
A alteração proposta afeta o artigo 6º, da Constituição Federal, o qual passaria a ter a seguinte redação: "São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."
Ou seja, segundo o autor dessa proposta, o caminho para a felicidade passa pela conquista da educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Seria, então, esse conjunto, pois, a fórmula mágica para se atingir a felicidade, tão almejada ao longo dos séculos e nunca decifrada. E, todos esses ingredientes, frise-se bem, obtidos a partir de preceitos já fixados constitucionalmente e, na sua grande maioria, a cargo do Estado.
Da justificativa apresentada para o Projeto, é necessário destacar alguns trechos: "a expressa previsão do direito do indivíduo de perquirir a felicidade vem ao encontro da possibilidade de positivação desse direito, ínsito a cada qual. Para a concretização desse direito, é mister que o Estado tenha o dever de, cumprindo corretamente suas obrigações para com a sociedade, bem prestar os serviços sociais previstos na Constituição.
A busca individual pela felicidade pressupõe a observância da felicidade coletiva. Há felicidade coletiva quando são adequadamente observados os itens que tornam mais feliz a sociedade, ou seja, justamente os direitos sociais - uma sociedade mais feliz é uma sociedade mais bem desenvolvida, em que todos tenham acesso aos básicos serviços públicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer, dentre outros.
Evidentemente as alterações não buscam autorizar um indivíduo a requerer do Estado ou de um particular uma providência egoística a pretexto de atender à sua felicidade. Este tipo de patologia não é alcançado pelo que aqui se propõe, o que seja, repita-se, a inclusão da felicidade como objetivo do Estado e direito de todos."
Está, ainda, informado, que esse mesmo direito constitucional (à felicidade) está garantido nas cartas magnas do Reino do Butão (!), Japão e Coréia do Sul.
Com todo respeito ao conceituado Senador Cristóvão Buarque, aprovada essa PEC, tratar-se-á de mais uma norma inócua, sem efeitos concretos, a ser diariamente desrespeitada. É pura ilusão imaginar que a positivação de uma norma desse calibre vai ser suficiente, por si só, para que o Estado brasileiro passe a cumprir com suas obrigações sociais em sua plenitude, o que "nunca antes na história desse país" (parafraseando nosso ex-presidente Lula) foi feito.
A felicidade é um direito ínsito ao ser humano, desde o seu nascimento, com ou sem a participação do Estado. Não há que se confundir direitos sociais com felicidade, nem se pode pretender equipará-los. De mais a mais, não há como negar - apesar dessa não ser a intenção, ao que parece - que a eleição dos próprios "ingredientes" para a felicidade, aqui previstos, é altamente subjetiva. Por que, por exemplo, não indicar a proteção aos jovens e à velhice nesse rol?
Transportando essa proposição para o direito tributário, o cidadão contribuinte brasileiro certamente seria muito mais feliz se tivesse respeitado o seu direito de ter uma carga tributária justa, com observância real à sua capacidade contributiva (direito constitucionalmente já garantido). Seria muito mais feliz ainda se tivesse, por parte do Estado, a efetiva contrapartida pelos impostos pagos. (Grifos Nossos). Vale dizer, se tivesse em troca da sua colaboração financeira aos cofres públicos suas necessidades básicas atendidas, seja na moradia, educação, saúde, transporte, segurança. Não é uma mera previsão abstrata e fria da lei, por mais que seja do texto maior de um país, que vai alterar essa ausência, essa omissão reiterada do Estado, que desvirtua a finalidade essencial de suas despesas e emprega mal o dinheiro da sociedade.
Que os nossos legisladores usem seu tempo para buscar alternativas concretas, eficazes para os problemas brasileiros. Que legislem. Na parte tributária, que limitem o uso ainda desenfreado de medidas provisórias, que as votem, que as rejeitem; que se autorizem deduções legítimas na apuração do imposto de renda; que se encontrem soluções para acabar com a guerra fiscal para trazer mais segurança jurídica aos contribuintes do ICMS nos Estados; que se respeite o princípio da seletividade para fins de incidência do ICMS e do IPI. Enfim, há muito o que fazer, em termos concretos e objetivos. O contribuinte brasileiro será feliz quando seus direitos já previstos na Constituição Federal, forem, de fato, respeitados; quando puder ter segurança jurídica dos seus atos; quando puder andar lado a lado do Poder Público, e não em sentidos opostos, ambos com as mesmas finalidades: uma contribuição mútua, cada qual com a sua parte, para o atendimento das necessidades individuais e sociais hoje já previstas no texto constitucional.
A questão é de cultura, e, essencialmente, de consciência da "coisa pública". O Brasil ainda é um país jovem, comparativamente às economias ditas desenvolvidas, tem muito a aprender, haja ou não a "felicidade coletiva", como pressuposto para a "felicidade individual".
Afinal, para o pai da psicanálise, Sigmund Freud, "a felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz." E, no plano espiritual, Mahatma Gandhi, com sua sapiência e bom senso, asseverou que "não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho."
Deixemos, pois, o Estado fora disso.
Heloisa Guarita Souza é advogada, Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP.

Fonte: Paraná Online, Caderno Direito e Justiça

Disponível em: http://www.parana-online.com.br/colunistas/237/87157/. Acesso em: 31 jul. 2011.


Sujeito de direito, locus epistemológico e antropocentrismo

Recomendo a leitura deste bem escrito artigo!
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Ao iniciarmos esta breve reflexão sobre o locus epistemológico ocupado pelo sujeito no âmbito do Direito, a primeira questão que se nos apresenta remonta ao conceito de centro. Desde antigas descobertas da Astronomia e, mais especificamente, depois do telescópio Hubble, sabemos que não estamos no centro do sistema solar, nem da via láctea e muito menos do universo. O Hubble confirmou, mas a nossa posição fora do centro já havia sido estabelecida, teoricamente, na Astronomia, na Biologia e na Psicanálise. Nós não estamos no centro, nem na origem das espécies, nem sequer temos controle sobre o nosso inconsciente.
O curioso é que as imagens do Hubble, embora de áreas longínquas, são feitas a partir de um ponto muito próximo a nós (órbita terrestre), ou seja, ainda assim nossa visão é antropocêntrica.
No entanto, o homem permanece no centro do Direito, por meio do conceito de sujeito de direito, que está cada vez mais inflado, com os direitos da personalidade e os direitos humanos.
Na idade média, não havia sujeito de direito. No racionalismo francês ele surge, mas é fragmentado, sob influência cartesiana. Agora está expandido, mas permanece em uma posição central no Direito, como se equivalesse racionalmente a "indivíduo" - ou melhor: como se todo indivíduo fosse um "sujeito de direito", o que é bastante conveniente para o coroamento jurídico da igualdade formal pós-Ancien Régime. Isso nos faz indagar se o direito ainda é antropocêntrico, mesmo nos dias atuais.
Por outro lado, sabe-se que há uma tendência de convergência para o centro, que é própria do cérebro humano, conforme relatos da Neurociência. Há também estudos em Estética sobre o gosto e a tendência para o centro.
Este escrito propõe-se a imaginar deslocamentos do sujeito de direito para outros loci, num ambiente de complexidade, tendo-se em vista que a sociedade é complexa. Considere-se que na complexidade não existe centro. Assim como na pós-modernidade não há espaço para os "grandes relatos", como diria Lyotard, numa sociedade complexa não existe espaço para um só centro.
Em face da complexidade social e da virtualidade gerada pelas novas tecnologias, ressurge a questão do antropocentrismo diante do conceito de sujeito de direito: o cibersujeito é justamente o sujeito descentrado. Qual é o domicílio do cibersujeito? Como poderia ser "o lugar onde estabelece a sua residência (?) com ânimo definitivo" (art. 70 do Código Civil)? O cibersujeito não tem residência, nem nada de definitivo (resta-lhe o animus, justamente a vontade, essencial para os institutos do direito privado, a partir do Iluminismo). Ele não está aqui nem ali, mas difuso na web, não está no centro de nada porque a web (como toda e qualquer "rede", trata-se de questão conceitual) não tem um centro. A internet é justamente a difusão descentralizada, onde atua o cibersujeito descentrado. Para o que denominamos de "ambiente da complexidade", Lyotard caracteriza como pós-modernidade, na qual tudo está conectado.
Na complexidade do ambiente virtual, pode-se imaginar também que o sujeito de direito multiplica-se infinitas vezes, como nas simetrias de Escher. Assim, como pode estar ele no centro epistêmico do Direito?
Tais questões nos levam a indagar se a posição do sujeito no centro do Direito pode ser entendida como um viés antropocentrista e anacrônico. O antropocentrismo realiza muitas estratificações e a racionalidade, com todo seu poder, justifica muitas intervenções... cruéis. Isto porque tão logo se coloque o "centro" de uma racionalidade, ou, pior ainda, de um padrão de homem ou humanidade (e daí as críticas todas sobre a "natureza humana") - e sabemos que toda teoria social é cheia de criptoantropologias -, tudo gravita em torno deste centro, de modo que se criam convicções verdadeiramente normativas do que se deve manter ou não, sempre a partir do que o centro informa. Assim, os homens se distinguem de tal modo entre si que alguns traços permitem subjugar, objurgar irracionalmente e, o pior, expurgar os outros. (por isso a baliza da alteridade é inafastável como fundamento ético).
Pensamos que o Direto, mais do que calcado (centrado) no sujeito de direito (ou, apenas, nele), se baseia (ou "deveria se basear") em um modo próprio, coletivo, de se fazer uma antropologia filosófica: uma noção histórica. Assim, se não temos muita salvação de nossa historicidade (que sempre nos impõe uma posição em um sistema de tempo e espaço), que, ao menos, ela seja, talvez não "evoluída", mas, quem sabe "acumulativa", entendendo-se a acumulação em alguma medida de empirismo ou correção em sua feitura.
A nossa realidade jurídica é impressionante. O sujeito de direito é uma categoria inflada: direitos de personalidade, fundamentais, humanos, entre outros, são pontos sem os quais não se tem como pensar uma realidade vista pelo prisma jurídico. Contudo, mesmo assim, com um sujeito de direito bem delineado e, ademais, inflado de normatização, encontramo-nos em uma situação de certa aberratio de antropocentrismo. É como se este sujeito de direito estivesse muito estático.
Sobre o conceito de centro, pode-se tomar outros centros como referência, não apenas o gravitacional, mas de massa, perspectiva (e de rotação). Em qualquer dos casos, realmente a ideia de centro traz ínsito um certo teor de núcleo que, por sua própria força gravitacional, centrípeta, atrai tudo para si e, com isso, distorce, desvia, desfigura, ou seja, altera a natureza do que é periférico. É interessante pensar que aquilo que ordena também desnatura.
Ressaltamos que mantemos apreço relativo pela ideia de sujeito de direito, muito embora reconheçamos que ela é um tanto instável e limitada, eis que histórica. O que parece mais complicado é justamente a pretensão desta ideia em firmar "centros" em uma realidade essencialmente difusa. A intenção pode ser boa, mas os efeitos, sobretudo a longo prazo, podem ser talantes, porque "alguém sempre fica de fora nisso tudo", quanto mais se o intérprete for mais obtuso; aliás, o corte é diretamente proporcional à obtusidade da visão do intérprete.
Mesmo assim, é oportuno lembrar a ideia do José de Oliveira Ascensão: "não se parte da regra para a pessoa, mas da pessoa para a regra, porque aquela é prévia à valoração positiva" - aqui vai um respiro hermenêutico no problema. Se, ainda como diz este mesmo autor, a ideia de pessoa é fim do Direito, bem como fundamento da personalidade jurídica e marco para o sujeito de situações jurídicas (entendendo que "toda pessoa é sujeito, e é por ser sujeito que se designa pessoa", e que pessoa é, nas linhas de Kelsen, "unidade de um complexo de normas", o problema antropológico (e aqui defendemos: necessariamente antropológico nas linhas da antropologia filosófica) parece ser uma saída - ou melhor: uma entrada para novas questões - tal como a ideia de "hermenêutica" tem sido uma saída (entrada...) dos problemas de positivismo.
Aliás, neste ponto, é oportuno contrapormos a geometria espacial com a perspectiva construída no cerne das artes visuais, que em muito se valeu dos conhecimentos matemáticos, sem os quais seria inimaginável enquanto produto histórico, mas que os assimilou em uma tentativa de acesso ao real e representação largamente entrelaçado a outras variáveis perceptivas e cognoscitivas.
Sugerimos que se amplie o debate das questões sobre o centro, de maneira interdisciplinar, mais propriamente com o auxílio das artes visuais, por exemplo, sobre a perspectiva, técnica que já aparecera em nossos escritos sobre simetria no Direito. O mais interessante da perspectiva é que ela é farta de referenciais hermenêuticos, justamente pela noção de ponto de vista, outro conceito que a compõe e que ajuda a verificar mesmo a "visão de mundo". São interessantes as metáforas advindas das noções de perspectiva e projeção, porque elas se rendem a uma complexidade que a geometria, a priori, não contempla, por força de seus objetos próprios e de sua finalidade matemático-descritiva (mesmo quando espacial, a geometria se calca na medida da representação plana, enquanto a perspectiva quer captar a espacialidade das coisas (inclusive, afetadas pelo sujeito, pelo olho, que as percebe!).

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Eliseu Raphael Venturi é Licenciado em Artes Visuais pela Faculdade de Artes do Paraná, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba, Especializando em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Paraná e Advogado.

Maria Francisca Carneiro é Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Pós-doutora em Filosofia (Estética Analítica) pela Universidade de Lisboa.

 
Laércio A. Becker,é Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná.

 
Fonte: Paraná Online, Caderno Direito e Justiça.

O Princípio do Equilíbrio de Armas no Processo Penal (II)

O Juiz Federal Ali Mazloum, dando sequência às decisões fieis à Constituição e à legislação, ingressou com Reclamação no Supremo Tribunal Federal impugnando a decisão liminar de uma Desembargadora do Tribunal Federal da 3ª Região que cassou a Portaria nº 41/2010, por ele editada para garantir a efetividade da Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei nº 80/1994) que estabelece: "Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público"(art. 4º, § 7º).
Como não havia na sala de audiência espaço para acomodar ao lado do magistrado também o defensor público e o defensor particular, a portaria determinava que eles assentassem à mesa reservada às partes. E assim o fez na condição de juiz natural para "assegurar a paridade de tratamento entre acusação e defesa".
A decisão de revogação fundou-se no art. 18,I, a da Lei Complementar nº 75/1993 que declara, como prerrogativa institucional dos membros do Ministério Público da União, "sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem".
A regra mostra um preciosismo aristocrático no exercício do poder incompatível a princípios elementares que na Constituição Federal de 1988 distinguem o Ministério Público como instituição defensora do regime democrático e de interesses sociais, além de outros relevantes bens e valores da comunidade. A imposição de sentar "ombro a ombro" com o juiz durante a audiência, assim como ocorre na praxe forense revela-se autoritária e discriminatória em relação à figura, também institucionalizada, do Advogado que é "indispensável à administração da justiça" (CF, art. 133) e que, no seu ministério privado, "presta serviço público e exerce função social"(Lei nº 8.906/1994. Estatuto da Advocacia e da OAB).
Essa arquitetura de constrangimento funcional vai mais longe. Ela dissimula a real posição que devem ostentar as partes em um processo conduzido pelos princípios e regras do Estado Democrático de Direito. Perante a testemunha, o perito, o acusado e qualquer outro participante da relação processual o mobiliário compõe a imagem de duas autoridades de igual hierarquia.
A iniciativa do Juiz Mazloum ao STF assume extraordinária repercussão acadêmica e profissional ao tempo em que o Juiz de Direito Substituto da 1ª Vara Criminal e Juizados Especiais Criminais do Foro Regional de Restinga, Porto Alegre (RS), Mauro Caum Gonçalves, nos autos do Procedimento administrativo nº 02/2011, atendeu, em 19 de julho, o pedido da Defensoria Pública para remanejar os móveis da sala de audiências. A pretensão deferida se fundou no § 7º do art. 4º da Lei Complementar nº 80/1994, que reza: "Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público".
É oportuna a transcrição de alguns trechos desse notável precedente:
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"Assim, ao atribuir ao Parquet, privativamente, a ação penal pública (art. 129, inciso I), a Lei Fundamental, parece, quis estabelecer a imprescindibilidade de sua atuação para o processo e, consequentemente, evitar o embricamento das funções dos sujeitos processuais.
"Com efeito, no processo penal, deve haver as figuras do 'acusador' e do 'julgador'; e elas devem ser bem delimitadas, separadas, de modo que um com o outro não se confunda.
"Pois bem.
"A atual situação cênica dos móveis da sala de audiência, por estar o assento destinado ao órgão do MP imediatamente do lado do julgador, vai de encontro a essa necessária diferenciação.
"Com efeito, 'visualmente', isso transmite a um observador - que ignora os regramentos positivos e consuetudinários - a 'impressão' de, senão identidade, de proximidade das atribuições.
"Tal 'ilação' é, certamente, facilitada pela circunstância de o servidor auxiliar-escrevente do Magistrado sentar em posição equivalente (imediatamente do lado esquerdo), e os Advogados e Defensores Públicos (assistentes da acusação ao lado direito; defensores, ao lado esquerdo) não, ficando, além de mais afastados, perpendicularmente ao Juiz.
"Isso sem contar o fato de que, inexplicavelmente (melhor seria dizer indevidamente) que a poltrona destinada ao órgão do Parquet é, de praxe (inclusive, nesta Vara), muito mais "luxuosa" que a destinada aos Advogados e Defensores Públicos.
"Nada justifica que assim seja.
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"Pelo exposto, ACOLHO o requerimento administrativo formulado pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e DETERMINO a alteração do mobiliário da sala de audiências, de modo que seja removido o assento ora destinado ao órgão do Ministério Público, que deverá, quando comparecer às solenidades aprazadas pelo Juízo, tomar lugar nos remanescentes que se situam "à direita" (e não ao lado) do Julgador.
Intimem-se o órgão do Ministério Público e da Defensoria Pública que atualmente têm atribuição para oficiar perante esta Vara Criminal - autorizado extração livres de cópias. Remetam-se cópias do pedido inicial e desta decisão: 1) ao Presidente do Tribunal de Justiça; 2) ao Corregedor-Geral de Justiça; 3) ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos do TJ; 4) ao Presidente da OAB/RS; 5) ao Diretor de Valorização Profissional da OAB/RS; 6) ao Presidente da AJURIS - Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul; e 7) ao Presidente da AMB - Associação dos Magistrados do Brasil, em Brasília. E encaminhe-se cópia integral do expediente para o Conselho Nacional de Justiça - CNJ.
"Procedam-se às diligências necessárias à reorganização dos móveis, inclusive com ciência ao Estenotipista". (Segue)
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by René Ariel Dotti, Advogado e Professor Titular de Direito Penal● Detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007) ● Conselheiro Federal da OAB e presidente da Comissão Especial de Estudo do Projeto do Novo Código de Processo Penal, para acompanhar o anteprojeto e apresentar emendas atribuindo-me a sua presidência e coordenação.

Fonte: Paraná Online, Caderno Direito e Justiça
Disponível em: http://www.parana-online.com.br/colunistas/149/87179/. Acesso em: 31 jul. 2011.

Assento gratuito a idoso não viola contrato, diz juíza

A Viação Novo Horizonte Ltda tem 60 dias para disponibilizar gratuitamente duas vagas por veículo aos idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos, e garantir o desconto de 50% no valor das passagens para os demais assentos, como previsto no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003). A sentença é da juíza federal substituta Claudia Rinaldi Fernandes, da 14ª Vara Federal Cível de São Paulo.

Na sentença, a juíza ressalta a impossibilidade “de se cogitar que o descumprimento deriva de eventual prejuízo financeiro ao qual a prestadora de serviço estaria sujeita. Isso porque existem mecanismos de garantia do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos firmados com as concessionárias ou permissionárias”.
Para Rinaldi, as empresas prestadoras de serviços de transporte rodoviário interestadual têm o dever de reservar as vagas e conceder o desconto aos idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos, e “a violação imotivada dos direitos tutelados pelo Estatuto do Idoso não pode ser tolerada”.
A sentença determina também que a Viação Novo Horizonte mantenha em todos os pontos de venda de passagem informativos visíveis sobre o benefício concedido pelo Estatudo do Idoso e fixa multa de R$ 1 mil para cada idoso não atendido.
O Ministério Público Federal apurou que a empresa tem reiteradamente descumprido o Estatuto do Idoso. De acordo com informações da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela fiscalização, a Viação Novo Horizonte recebeu 313 multas por não disponibilizar os assentos gratuitos e outras 314 por não conceder o desconto de 50% previsto no Estatuto, além de outras autuações entre 2007 e 2009.
Em sua defesa, a empresa alegou falta de regulamentação para compensação ao prestador de serviço de transporte coletivo de linhas estaduais e disse que a aplicação da Lei 10.741/2003 fere o equilíbrio da equação financeira do contrato, trazendo prejuízo. Com informações da Assessoria de Impresna da Justiça Federal em São Paulo.

Ação Civil Pública 0017914-76.2009.403.6100

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de julho de 2011



Sábios anciões: Estatuto do Idoso, uma lei à espera de respeito

Crítica pontual do descaso e desrespeito ao direito constitucional de proteção a pessoa idosa, conforme preve o art. 230, da CF/88.
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Darcy Ribeiro dizia que nossos indígenas valorizavam e respeitavam muito as crianças e os idosos. Os primeiros, por representarem a preservação do povo indígena, sua continuação e fortalecimento; os últimos, por serem os mais experientes, portadores da sabedoria, da cultura e da autoridade maior. Nossa civilização destruiu esses preciosos conceitos de respeito às crianças e aos idosos.
No último domingo, ao sair da missa na Igreja Santa Mônica, no Leblon, fui abordado por uma senhora de mais de oitenta anos, que me pediu orientação para o seguinte fato da vida, lamentavelmente muito comum. Uma antiga amiga havia ficado viúva, e seu filho único nomeado seu curador. Residindo em imóveis separados e distantes, o filho contratou uma empregada, que segundo a narrativa maltratava muito a amiga. Indagou se poderia fazer uma denúncia anônima desse fato.
Inicialmente, aconselhei-a a notificar o fato ao próprio filho, que podia não estar sabendo o que se passava. A compadecida senhora disse que já havia feito, e o resultado fora que o filho internara temporariamente a mãe numa clínica psiquiátrica, em Jacarepaguá. Perguntei como sabia dessas coisas, e ela disse que uma vez por mês levava a amiga para passar um dia em sua casa pagando as despesas de transporte.
Ora, esse fato grave parece ser mais um dentre tantos em que o filho e demais parentes abandonam seus idosos à sua própria sorte, com pessoas despreparadas, ou em asilos frios e sem estrutura. O mais grave, que também é comum, que, sendo curador, o filho recebe os rendimentos da mãe e não lhos repassa para que minimamente tenha um final de vida com dignidade.
Ora, dirão, mas não há uma lei que protege os idosos? Claro que há. Inclusive o governador do Rio de Janeiro foi eleito com a bandeira de defesa dos idosos. E por que não funciona? Por vários motivos. Não há no Rio de Janeiro serviços públicos eficientes de proteção aos idosos. Não foi instalada, passados mais de dez anos de vigência da lei, uma vara judicial de proteção aos direitos dos idosos. Embora haja uma Procuradoria de Defesa dos Direitos dos Idosos e até uma delegacia, tais instituições não se encontram aparelhadas com o efetivo de pessoal especializado para proteger as pessoas idosas.
A minha resposta a essa ansiosa amiga foi que fizesse sua denúncia anônima, como desejava, através do Disque Denúncia 2257-1177 para que providências fossem tomadas. Mas nem eu mesmo acredito nessas providências, não por falha do serviço indicado, que já tem prestado preciosos serviços à população, mas por falta de estrutura necessária para dar vida à lei de proteção. Quanto à Justiça. Ora, a Justiça está mais preocupada em dar conta das demandas de interesse dos maiores demandistas que, segundo o CNJ, são dentre os públicos o INSS, a Caixa Econômica Federal, a Fazenda Nacional, a União, o Estado do Rio Grande do Sul, etc... Já dentre os privados não há surpresas. São eles mesmos os bancos que lucram bilhões em cada novo balanço: Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Brasil Telecom Celular, Banco Finasa, Santander, ABM Amro Real, BV Financeira, HSBC, Telemar, Banco Nossa Casa e Unibanco.
Se pelos menos, munidos da responsabilidade social, esses bancos que abarrotam a Justiça de processos investissem na melhoria dos serviços de atendimento aos idosos e crianças abandonadas, assim como na melhoria da qualidade da educação pública no Brasil, melhor estariam dando destinação para tantos lucros. Às vezes, progresso significa olhar no passado os bons exemplos que os índios nos deram de respeito às pessoas e à natureza, e assim contribuir para reconstruir um mundo melhor e mais humano.

by Siro Darlan de Oliveira é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 31 de julho de 2011.


sexta-feira, 29 de julho de 2011

Ortotanásia: morte digna?

Recomendo a leitura. Importante debate em aberto.
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Ortotanásia significa (literalmente) “a morte no tempo certo”. Na prática, essa morte acontece quando o médico limita ou suspende procedimentos e tratamentos (esforços terapêuticos ou ações disgnósticas inúteis ou obstinadas) que prolongam a vida do doente em fase terminal, que padece grande sofrimento em razão de uma enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. (Grifos Nossos). O desligamento de aparelhos, por exemplo, configura ortotanásia. O prolongamento artifical da vida se chama distanásia.
A ortotanásia não se confunde com a eutanásia porque nesta um terceiro, por sentimento de piedade, abrevia a morte do paciente terminal portador de doença grave e incurável, a pedido dele. Uma coisa é aplicar uma injeção letal no paciente (eutanásia), abreviando sua morte, outra distinta é suspender os tratamentos médicos inúteis que prolongam (artificalmente) a vida desse paciente, deixando a morte acontecer no tempo dela (ortotanásia).
Para o pensamento jurídico predominante a eutanásia configura o delito de homicídio doloso, eventualmente privilegiado. Quanto à ortotanásia a polêmica não é menor. Ela vem prevista na Resolução 1.805/2006, do Conselho Federal de Medicina. Contra essa resolução o Ministério Público Federal ingressou com ação civil pública (em 2007, em Brasília). A ação foi julgada improcedente (em 2010), entendendo o juiz e a procuradora da república que a posição do CFM é válida.
Os termos da Resulução foram ratificados pelo Código de Ética Médica, de 2009 (Capítulo I, inc. XXI e art. 41, parágrafo único). Do ponto de vista administrativo-disciplinar, a conduta do médico que pratica ortotanásia não é reprovável (não é aética).
E do ponto de vista penal, seria a ortotanásia crime? Há muito tempo estamos sustentando que não, desde que preenchidos todos os requisitos necessários (paciente terminal, doença grave e incurável, pedido do paciente etc.). Por que não? Porque não se trata de uma morte arbitrária; ao contrário, estamos diante de uma “morte digna”. (Grifos Nossos). E criminosa é, tão-somente, a morte arbitrária, nos termos do que diz o art. 4º, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que tem valor jurídico superior ao da lei (consoante posição do STF, RE 466.343-SP).
A morte gerada no contexto de uma ortotanásia, portanto, não é um homicídio. Não se trata de uma morte valorada de forma negativa, ao contrário, é uma morte digna. A legislação penal no Brasil, expressamente, nada diz sobre o tema. (Grifos Nossos).
Mas basta admitir a doutrina da tipicidade material, que defendemos dentro da nossa teoria constitucionalista do delito, para concluir que essa morte é formalmente típica, mas não materialmente típica. Por quê? Porque não é uma morte intolerável, arbitrária. Ou seja: não se trata de um ato desvalioso, ao contrário, deve ser valorado positivamente.
Desde que atendidos todos os requisitos necessários, não há como ver crime na ortotanásia, apesar da inexistência de texto legal explícito.

by  Luiz Flávio Gomes - LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).



Em defesa dos direitos fundamentais

O artigo "Em defesa dos direitos fundamentais" é de autoria do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, e foi publicado na edição de hoje (29 jun. 2011) do jornal O Tempo (MG):
"O proverbial ensinamento de que o preço da liberdade é a eterna vigilância se aplica a diversas situações de nossas vidas, inclusive, e até mesmo, em plena vigência de um Estado democrático de direito, que nos torna cidadãos iguais perante a Justiça. Por essa razão, não podemos admitir a ideia de prosperar, no âmbito do Poder Legislativo, a proposta de emenda constitucional conhecida como PEC dos Recursos, falaciosamente apregoada por setores da magistratura como a solução final para o problema da morosidade do Judiciário.
A consequência dessa proposta é desastrosa, porque atropela direitos fundamentais. Em linhas gerais, significa dizer que uma sentença judicial confirmada pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal será, de pronto, cumprida, independentemente dos eventuais recursos - especial ou extraordinário - junto aos tribunais superiores.
Era o que faltava para comprometer a essência do direito de defesa. Na área criminal, a proposta chega às raias do deboche aos direitos humanos. Tome-se, como exemplo, a situação de um cidadão condenado à prisão, e que, no futuro, tenha a condenação invalidada em tribunal superior. Até isso ocorrer, o acusado já terá provavelmente apodrecido na prisão, prevalecendo, assim, não mais a presunção da inocência até o trânsito em julgado, mas sim da culpa com encarceramento antecipado antes do último julgado.
Outra face perversa da proposta é tentar transformar os advogados em bodes expiatórios das mazelas do Judiciário, ressuscitando o velho jargão segundo o qual os advogados abusam de recursos desnecessários e protelatórios. Nada mais falso.
Primeiro, é preciso destacar que os recursos são instrumentos previstos na legislação, portanto exercitá-los na defesa de seu constituinte é um dever de qualquer advogado, sem o que estaria sendo negligente. Segundo, no trâmite processual, é o advogado, e não o magistrado, que é submetido aos rigores dos prazos.
Em vez de ver sacrificada a segurança jurídica em nome de uma falaciosa agilidade processual, deve a sociedade conhecer as verdadeiras causas estruturais do Judiciário brasileiro, que são urgentes, abrangendo desde a falta de juízes, de material, de tecnologia, até a de compreensão do próprio Estado sobre o seu papel.
O que está em questão é a defesa da liberdade e da cidadania. Não importa a quem ela se refere: se ao pobre ou ao rico, se influente ou não. Todos têm direito à presunção de inocência, ao contraditório, ao devido processo legal. Ninguém pode ser condenado senão mediante sentença transitada em julgado. E o advogado é o elo efetivo entre esses direitos elementares de cidadania e justiça."

Fonte: OAB


terça-feira, 26 de julho de 2011

Defensor não precisa de inscrição na OAB, diz parecer

Em pauta discussão sobre nomeação e posse
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A possibilidade do defensor público de postular em juízo decorre da sua nomeação na Defensoria e não de sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. A afirmação, que põe lenha na fogueira da disputa entre defensores e a OAB paulista, é de Celso Antônio Bandeira de Mello. Em parecer entregue no dia 14 de julho à Associação Paulista de Defensores Públicos a pedido da entidade, o professor da Universidade de São Paulo afirma que a inscrição é exigida no ato da admissão do advogado na Defensoria apenas como aferição de capacidade técnica.
Segundo o vice-presidente da associação, Rafael Português, o parecer será usado nos julgamentos em curso no Tribunal de Justiça de São Paulo e, caso necessário, nos tribunais superiores.
"Para que o defensor público disponha de capacidade postulatória não é necessário que, havendo estado inscrito na OAB, por ocasião do concurso para o cargo ou da posse nele, permaneça inscrito no álbum profissional, pois sua capacidade postulatória decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no correspondente cargo público", diz o parecer gratuito feito por Bandeira de Mello.
Nesse caso, em sua opinião, cumprida a formalidade, o defensor pode atuar em juízo ou extrajudicialmente na defesa dos interesses da parte assistida, interpretação que se baseia no artigo 4º, parágrafo 6º, da Lei Complementar 80, a Norma Geral da Defensoria.
Vice-presidente da Associação, o defensor Rafael Português elogiou o parecer. Para ele, a legislação já outorga capacidade postulatória a outros agentes, independentemente de inscrição na OAB, como delegados de Polícia, membros do Ministério Público, trabalhadores na Justiça do Trabalho, cidadãos nos Juizados Especiais e agentes públicos nos Mandados de Segurança.
"Este parecer do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, maior autoridade administrativista do país, dá segurança aos defensores públicos e alia-se a decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo que já vinham dando ganho de causa à Defensoria Pública", afirma Português.
Em março, 80 dos 500 defensores públicos de São Paulo pediram desligamento da OAB-SP, por considerar que a vinculação com a entidade não é necessária ao exercício do cargo. À época, a OAB-SP afirmou que a inscrição é requisito para tomar posse no cargo e que a baixa pode ensejar exercício ilegal da profissão. Por isso, encaminhou denúncia ao Ministério Público pedindo a exoneração do grupo.
Em maio, ao julgar um recurso de apelação, o Tribunal de Justiça paulista reconheceu que a inscrição na OAB para defensores não é necessária. "A capacidade postulatória do defensor público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse em cargo público", disse o desembargador Fabio Tabosa ao relatar o recurso. Dias depois, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou liminar em que a Associação dos Defensores Públicos de Mato Grosso do Sul pedia que seus associados fossem dispensados da inscrição na OAB. Para a desembargadora Alda Basto, o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/1194) é a legislação que estabelece as qualificações profissionais do defensor público.
É o segundo parecer seguido dado gratuitamente pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello em favor de entidades representativas da advocacia pública. No mês passado, a União dos Advogados Públicos Federais do Brasil foi prestigiada com uma manifestação contrária à dupla vinculação dos procuradores da Fazenda Nacional à Advocacia-Geral da União e ao Ministério da Fazenda, questão discutida em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Com informações da assessoria de imprensa da Associação Paulista de Defensores Públicos.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 25 de julho de 2011


segunda-feira, 25 de julho de 2011

PIS e COFINS: fora do faturamento

Banca livra de PIS e Cofins suas receitas com aluguel

Utilizando a tese de que as receitas tributadas pelo PIS e pela Cofins são apenas as decorrentes da atividade principal da empresa, um escritório de advocacia gaúcho ganhou o direito de excluir da base de cálculo dos tributos o que fatura com o aluguel de imóveis próprios. Decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reafirmou entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito e reconheceu que, como bancas só podem prestar serviços jurídicos, essa é a única fonte de renda sobre a qual incide o PIS e a Cofins, que tributam o faturamento.
Em despacho monocrático, o desembargador federal Álvaro Eduardo Junqueira aceitou os argumentos do escritório Roberto Tessele da Silva Advogados Associados, com sede em Santo Ângelo (RS). "No caso vertente, em que a autora se dedica ao exercício da advocacia, não há como considerar os ingressos financeiros obtidos com as operações de locação de bens imóveis com o intuito de caracterizar o faturamento, de modo a impor a incidência das contribuições em comento", disse em decisão proferida no dia 28 de março.
Segundo o sócio Roberto Tessele, a banca aluga, há mais de cinco anos, dois imóveis no centro da cidade, que foram recebidos em pagamento por créditos de honorários advocatícios. De acordo com o presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil, Cláudio Lamachia, não há qualquer restrição para escritórios de advocacia terem outras fontes de receita, como alugueis. "Se a principal atividade continuar sendo a advocacia, não existe problema", afirma.
O desembargador Álvaro Junqueira ainda permitiu que o escritório receba de volta o que recolheu nos últimos cinco anos a título das contribuições incidentes sobre os aluguéis. "Para as demais pessoas jurídicas e receitas sujeitas ao regime cumulativo, para as quais não se aplicam as disposições das Leis 10.637/02 e 10.833/03, remanesce o direito à restituição ou compensação dos valores que foram ou continuam sendo pagos a maior." Como o escritório é optante pelo regime do Lucro Presumido, as regras aplicáveis são as da Lei Complementar 70/1991.
Empresas sujeitas ao regime não-cumulativo, optantes pelo regime do Lucro Real — que não é o caso do escritório —, só poderiam pedir de volta valores pagos até cinco anos antes da entrada em vigor das medidas provisórias que deram origem às Leis 10.637/2002, no caso do PIS, e 10.833/2003, no da Cofins. As normas ampliaram a base de cálculo das contribuições, incluindo todas as receitas auferidas, mas permitindo o desconto dos gastos com insumos. Antes dessas leis, a Receita confiava no previsto pela Lei 9.718/1998, que alargou a base de cálculo do PIS e da Cofins, porém, sem fundamento constitucional, no entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Em 2005, o STF pacificou a matéria ao julgar em conjunto os Recursos Extraordinários 346.084, 357.950, 358.273 e 390.840. Os ministros declararam inconstitucional o parágrafo 1º do artigo 3º da Lei 9.718/1998, que ampliou a base de cálculo do PIS e da Cofins para abarcar toda e qualquer receita das empresas. Em 2008, reafirmou a posição ao julgar questão de ordem no RE 585.235, admitido sob o rito da repercussão geral — o que deu à decisão caráter geral.
Contra a decisão monocrática do TRF-4 favorável ao Roberto Tessele da Silva Advogados Associados, a Procuradoria da Fazenda Nacional ajuizou Agravo de Instrumento, mas não teve sucesso. Em maio, a 1ª Turma da corte confirmou a posição.
O fisco agora tenta uma reversão da decisão no STF. No último dia 6 de julho, a PFN ajuizou Recurso Extraordinário, que aguarda para ser apreciado pela Presidência do TRF-4. Para Roberto Tessele, no entanto, a iniciativa é inútil. "A chance dessa matéria ser julgada de novo é ínfima", diz, lembrando que a Corte Suprema já analisou a questão sob o rito da repercussão geral.
Antes, a PFN já havia obtido decisão favorável na primeira instância. Entre as alegações estava a de que, como o Estatuto da Advocacia proíbe que os escritórios exerçam atividade diversa da advocacia, a locação de imóveis não é fonte de rendimento legítima e, portanto, o escritório não poderia questionar a cobrança na Justiça. O juiz federal Fábio Vitório Mattielo, da Vara Federal Cível de Santo Ângelo, não tomou conhecimento do argumento. "Considerando que a parte-ré considerou a sociedade-autora parte legítima para o pagamento das contribuições (…), autuando-a, entendo que não há falar em ilegitimidade da autora para pleitear o afastamento da cobrança", disse na sentença.
Mas a boa notícia para a banca terminou aí. "A jurisprudência pátria tem entendido que as receitas oriundas da locação de imóveis equiparam-se àquelas oriundas de vendas de mercadorias e de prestação de serviços para fins de incidência do PIS e da Cofins", afirmou o juiz, mesmo levando em consideração a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo da Lei 9.718 feita pelo Supremo. "Embora a atividade principal da empresa-autora seja a prestação de serviços advocatícios, os valores recebidos a título de aluguel de imóvel de sua propriedade fazem parte de seu faturamento."

Apelação Cível 2007.71.05.005400-3

Clique aqui para ler a decisão monocrática.

Clique aqui para ler a decisão no Agravo.

Clique aqui para ler a sentença.

Fonte: CONJUR


A sustentabilidade é turquesa

Reflexão sobre Direito Ambiental e Economia Verde
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É cedo para apostar, mas a cúpula global de junho sobre desenvolvimento sustentável talvez não se apequene em mera Rio+20. A julgar pelas plataformas lançadas por organizações internacionais, começa a parecer possível que ela venha a catalisar um histórico impulso ao vacilante processo de ruptura ideológica com o crescimento econômico marrom. Mesmo que sob a égide da tão ilusória quanto cômoda bandeira da “economia verde”.
Quem exclui tal hipótese precisa ler o GGTT: The Great Green Technological Transformation, título do World Economic and Social Survey 2011, publicação anual do departamento de assuntos econômicos e sociais da Organização das Nações Unidas (ONU). Dá um banho de água fria na generalizada retórica água com açúcar sobre a sustentabilidade.
Na contramão da linha adotada por todos os outros documentos do gênero, o GGTT lança ataque frontal aos mais frequentes equívocos sobre a transição energética. E, ainda mais importante, não pretende fingir que desconhece a pertinência do debate científico de meio século sobre os limites socioambientais do próprio crescimento econômico.
Espinafra a repetidíssima cantilena de que já existem as soluções tecnológicas para um efetivo combate ao aquecimento global, demonstrando seu exato avesso. Malgrado a criação do IPCC (1988) e de toda a parafernália institucional saída da Convenção do Clima (1992) e do Protocolo de Kyoto (de 1997, em vigor desde 2005, com suas dezesseis conferências das partes), a transição tecnológica no âmbito energético desencadeada pelas crises do petróleo dos anos 1970 sofreu fortíssima desaceleração nas últimas décadas.
Nessa mesma linha, faz um balanço das intervenções governamentais e correspondentes reações empresariais na promoção da pesquisa científica e tecnológica sobre energias limpas, concluindo que será impossível atingir nos próximos 40 anos o grau de descarbonização sonhado pelos compromissos de Cancún.
Melhor: o GGTT também revela que o desenvolvimento humano de qualquer país deixa de avançar a partir de um patamar de consumo energético equivalente a duas toneladas de petróleo per capita (110 gigajoules). Em decorrência, chega a discutir a proposta de adoção de tetos (caps) para o uso de energia nos países mais ricos, o que seria extremamente benéfico para o mundo inteiro.
Reduzir ou contingenciar o setor energético das nações mais avançadas não levaria necessariamente a uma menor expansão ou estabilidade de seus sistemas econômicos. Entretanto, é justamente nesse tipo de “decrescimento seletivo” que se baseia a tese de que a vanguarda do primeiro mundo já pode dar início às mudanças que deverão levá-la à “prosperidade sem crescimento”. O fundamental é que simultaneamente decresçam, por exemplo, as intoxicações consumistas, a alimentação industrializada, a produção de coisas descartáveis ou sem possibilidade de conserto, a opressão dos produtores e consumidores pelas grandes cadeias de supermercados, o uso de automóveis particulares, e o transporte rodoviário de mercadorias em favor do ferroviário. Simultaneamente, poderão continuar a crescer os serviços, os transportes públicos, a economia plural (que inclui a economia social e a solidária), as obras de humanização das megalópoles, e a agropecuária familiar e ecológica.
Em vez de ser tão explícito sobre esse processo de mudança para a “prosperidade sem crescimento”, o GGTT não surpreende ao optar por prudência bem mais realista. Lembra apenas que não se nota qualquer propensão a encarar as necessárias “grandes transformações estruturais das economias e das sociedades”. Isto é, as transformações globais e nacionais de caráter redistributivo que nenhum setor da ONU, da OCDE, do FMI, ou do Bird, ousaria sugerir ou aconselhar. Afinal, este é o maior tabu nas relações internacionais, apesar das evidências de que as desigualdades atrofiam o bem-estar. Não apenas dos mais pobres, mas de todos, os ricos inclusive, como tão bem ressaltou André Lara Resende no Valor de 28/1/2011.
Vai ficando cada vez mais evidente, portanto, o real significado da adesão do establishment à cor verde para caracterizar sua estratégia de crescimento. A ruptura com o marrom – do aquecimento global ao estresse hídrico, passando pela erosão da biodiversidade – engendra uma infinidade de novas oportunidades de negócios e de novos mercados, que devem ser aproveitados desde que isto não promova ou incentive o debate público sobre a velha questão das desigualdades.
Daí porque é errado identificar com a cor verde o entendimento científico de que a sustentabilidade do desenvolvimento é incompatível com a perenidade do crescimento econômico. Aliás, as contribuições teóricas de Kenneth Boulding (1910-1993), Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994) e Herman Daly (1938-) jamais combinaram com o verde, pois essa é a cor de uma pequena parte da biosfera, que contém muito mais do azul marinho dos oceanos e do azul claro da abóboda celeste. Por isso, só poderá ser turquesa a cor simbólica do crescimento que abrirá o caminho para a sustentabilidade.
by José Eli da Veiga é professor da pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI-USP) e do mestrado profissional em Sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). Artigo publicado originalmente pelo jornal Valor.

domingo, 24 de julho de 2011

O Princípio do Equilíbrio de Armas no Processo Penal (I)

Um assunto aparentemente despido de relevo prático chega à maior Corte Judiciária do país. A notícia divulgada pela internet no dia 18 do corrente mês informa que o Juiz titular da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, Ali Mazloum, ingressou com pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) que seja dado tratamento isonômico entre acusação e defesa nas audiências criminais realizadas no âmbito da Justiça Federal brasileira.
Na Reclamação nº 12011, o sensível, lúcido e intimorato magistrado investe contra decisão liminar de uma Desembargadora Federal mantendo dispositivo legal e a praxe forense para que o agente do Ministério Público permaneça sentado "ombro a ombro" com o Juiz durante a realização das audiências.
A questão tem o seu ponto fulcral na regra do art. 18, I, a da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, declarando que uma das prerrogativas institucionais dos membros do Ministério Público da União é o de "sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem".
Na Reclamação, o Juiz Ali Mazloum argumenta que, para garantir tratamento igualitário entre os representantes do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública (DPU) ou da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi editada a Portaria 41/2010. A norma, de caráter jurisdicional, pretendia dar efetividade à Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94 e 132/09).
Assim, segundo explica o magistrado, como não havia espaço físico na sala de audiência para acomodar ao lado do Juiz também o representante da defesa em uma audiência, a exemplo do que ocorria com o representante do Ministério Público, ficou determinado o assento de todos "no mesmo plano, e colocou-se o assento do MPF ao lado do assento reservado à defesa (DPU e OAB), à mesa destinada às partes."
O Ministério Público Federal contestou na Justiça a validade da portaria, alegando que ela violou o Estatuto do Ministério Público, que garante lugar destacado a seus representantes. Ao analisar a ação proposta pelo MPF contra a Portaria 41/2010, a juíza relatora do caso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), concedeu liminar suspendendo a norma. Contra esta decisão, o Juiz Ali Mazloum acionou o STF.
No referido procedimento, o seu ilustre autor salienta que ainda não havia sido notificado da decisão e que está impedido de exercer a sua jurisdição em sua plenitude em face da liminar. E que compete ao juiz natural "assegurar a paridade de tratamento entre acusação e defesa".
Na avaliação do Juiz Mazloum houve interpretação equivocada sobre o dispositivo do Estatuto do Ministério Público da União , além da divergência com precedente da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal constante do Recurso de Mandado de Segurança (RMS), nº 21884.
Prestando um testemunho altamente qualificado pela sua experiência, o Doutor Mazloum afirma ser "perceptível a reação diferenciada de testemunhas quando indagadas pelo acusador, sentado no alto e ao lado do juiz, e depois pelo advogado, sentado no canto mais baixo da sala ao lado do réu. É preciso colocar em pé de igualdade, formal e material, acusação e defesa".
A notícia, colhida na mesma fonte,[1] revela que o problema está em discussão no âmbito do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que há a possibilidade de decisões divergentes entre os dois órgãos. Daí porque o pedido de concessão liminar na Reclamação para, desde logo, solucionar a eventual controvérsia em relação a todos os membros da magistratura federal. E, no mérito, pede que seja declarado inconstitucional o artigo 18, I, a, da LC 75/93 e adotado o teor da Portaria 41/2010 da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo como modelo válido para toda a magistratura "com vistas a assegurar paridade de tratamento entre acusação e defesa durante as audiências criminais".
A iniciativa da Reclamação tem ampla justificação como se pretende deduzir em artigo posterior. E o seu ponto de partida é o princípio da igualdade entre a acusação e a defesa durante a prática de atos judiciais realizados na presença de ambos os representantes das partes.
No início do presente artigo está dito que o assunto é "aparentemente despido de relevo prático". Mas, à luz do princípio constitucional de igualdade de todos perante a lei (art. 5º, caput e inc. I) e de sua consequência lógica da isonomia processual e a sua transparência pública, o tema assume notável amplitude científica. Em uma de suas lições, Lauria Tucci e Cruz e Tucci, observam com absoluta razão que um dos consectários do due process of law firma-se no denominado "princípio da isonomia processual, determinante do tratamento prioritário dos sujeitos parciais do processo".[2]
Em meu entendimento, a questão deve ser resolvida com base nos princípios constitucionais que asseguram o equilíbrio de armas entre os representantes das partes em litígio. A paridade não se esgota, vale enfatizar, nas iguais possibilidades oferecidas à acusação e à defesa para o cumprimento de suas função (prazos, limitação quanto à prova, etc.), mas, também, deve considerar outros aspectos e, entre eles, à postura física do procurador junto ao presidente da audiência de modo a sugerir a impressão de quebra de outro princípio fundamental no processo penal democrático: a imparcialidade do Juiz (Segue) 


[1] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=184522
[2] lauria tucci, Rogério. cruz e tucci, José Rogério. Constituição de 1988 e porocesso: regramentos e garantias constitucionais do processo, São Paulo: Editora Saraiva, 1989, p. 37. (Os destaques em itálico são do original).

by René Ariel Dotti, Advogado e Professor Titular de Direito Penal● Detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007) ● Conselheiro Federal da OAB e presidente da Comissão Especial de Estudo do Projeto do Novo Código de Processo Penal, para acompanhar o anteprojeto e apresentar emendas atribuindo-me a sua presidência e coordenação.

Disponível em: < http://www.parana-online.com.br/colunistas/149/87032/>. Acesso em: 24 jul. 2011.

Autores de crimes contra idosos não têm direito a benefícios como conciliação ou transação penal

ADI 3.096 (Aplicação de procedimentos da Lei 9.099/95 ao Estatuto do Idoso)
 
 
Foi concluído (16 jun. 2011), com o retorno do voto-vista do ministro Ayres Britto, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3096) ajuizada pelo procurador-geral da República contra o artigo 94 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), que determina a aplicação dos procedimentos e benefícios relativos aos Juizados Especiais aos crimes cometidos contra idosos, cuja pena máxima não ultrapasse quatro anos. O entendimento do STF é de que o dispositivo legal deve ser interpretado em favor do seu específico destinatário – o próprio idoso – e não de quem lhe viole os direitos. Com isso, os infratores não poderão ter acesso a benefícios despenalizadores de direito material, como conciliação, transação penal, composição civil de danos ou conversão da pena. Somente se aplicam as normas estritamente processuais para que o processo termine mais rapidamente, em benefício do idoso.
Ao acompanhar a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o ministro Ayres Britto procurou resumir numa frase o entendimento da ministra relatora em relação ao equívoco cometido pelos legisladores na confecção do Estatuto do Idoso. “Autores de crimes do mesmo potencial ofensivo serão submetidos a tratamentos diversos, sendo que o tratamento mais benéfico está sendo paradoxalmente conferido ao agente que desrespeitou o bem jurídico mais valioso: a incolumidade e a inviolabilidade do próprio idoso”, afirmou. Por maioria de votos, vencidos os ministros Eros Grau e Marco Aurélio, o Plenário decidiu que os benefícios despenalizadores previstos na Lei nº 9.099/95 e também no Código Penal não podem beneficiar os autores de crimes cujas vítimas sejam pessoas idosas.
A lei que criou os Juizados Especiais permite a aplicação de procedimentos e benefícios como a transação penal e a composição dos danos civis nas infrações penais de menor potencial ofensivo. O Estatuto do Idoso previu a aplicação dos atos processuais da Lei dos Juizados Especiais para os crimes cometidos contra idosos, cuja pena máxima não ultrapasse quatro anos. Para a relatora do processo, a interpretação conforme à Constituição do artigo 94 do Estatuto implica apenas na celeridade do processo e não nos benefícios. Na sessão de hoje, o único a divergir foi o ministro Marco Aurélio. O ministro Eros Grau havia divergido na sessão inicial por entender que não compete à Corte analisar a razoabilidade da lei, por isso votou pela improcedência da ADI.
O ministro Marco Aurélio manifestou sua tese contrária à relatora. “Creio que quanto ao procedimento da lei, partiu-se para uma opção político-normativa. Não podemos atuar como legisladores positivos e fazer surgir no cenário uma normatização que seja diversa daquela aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional”. Por isso, o ministro Marco Aurélio considerou o dispositivo integralmente inconstitucional, tendo em vista que o Estatuto ampliou para pena não superior a quatro anos a aplicação de benefício que a Lei dos Juizados Especiais limita a pena não superior a dois anos. “Eu me pergunto: se não houvesse o Estatuto do Idoso, o que se teria? A aplicação pura e simples da Lei nº 9.099 e aí só seriam realmente beneficiados pela lei agentes que a lei beneficia, ou seja, aqueles cujas penas máximas não ultrapassem dois anos. A meu ver, na contramão dos interesses sociais, se elasteceu a aplicação da Lei nº 9.099”, concluiu o ministro.
Gratuidade
No início do julgamento, em 19 de agosto de 2009, os ministros concordaram que o primeiro dispositivo questionado na ADI, o artigo 39 do Estatuto, relativo à gratuidade do transporte público em serviços seletivos e especiais (parte final do artigo 39 da Lei 10741/03), já havia sido analisado pela Corte, no julgamento da ADI 3768, e considerado compatível com a Constituição de 1988. Assim, os ministros decidiram não analisar a ação neste ponto.
Fonte: STF