Comissão da Verdade começa com polêmica sobre foco das investigações
Integrantes do grupo que toma possa hoje já afirmaram que o
objetivo será apurar crimes cometidos por agentes públicos. Interpretação é
criticada por militares.
O dilema entre concentrar esforços na investigação de agentes públicos que
violaram direitos humanos ou ampliar o foco para militantes de movimentos
armados contrários à ditadura militar (1964-1985) marca a instalação da Comissão
da Verdade, que ocorre hoje em Brasília. Nos últimos dias, três dos sete
integrantes do grupo escolhido pela presidente Dilma Rousseff se posicionaram
favoráveis à primeira opção. A interpretação deles gera críticas de militares da
reserva e esbarra no texto da Lei n.º 12.528/2011, que criou a comissão.
Em cerimônia na Escola de Políticas Públicas e Governo realizada na
segunda-feira no Rio de Janeiro, a advogada Rosa Cardoso declarou que o “Brasil
não está inventando” na maneira de conduzir os trabalhos. “Hoje tem 40 comissões
no mundo. Essas comissões pretendem rever condutas de agentes público e é isso
que fundamentalmente vamos rever: condutas de agentes públicos”, afirmou a
jurista, que teve Dilma como cliente nos anos 1970.
A opinião é compartilhada pelo advogado e ex-ministro da Justiça José Carlos
Dias. Já o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro disse em entrevista ao jornal O Globo
que a questão não pode ser transformada em um “Fla-Flu”. “Não tem essa história
de dois lados, o outro lado [os militantes de movimentos armados] já foi
suficientemente condenado, assassinado, desaparecido, etc. Isso não está em
questão, o que está são os fatos que tiveram lugar no período”, citou
Pinheiro.
Controvérsias
O alcance das investigações foi o tema mais controverso durante a tramitação
da lei que criou a comissão no Congresso Nacional. Sancionado pela presidente em
novembro do ano passado, o texto define em seu artigo 3.º os sete objetivos do
grupo. Um deles é “identificar” estruturas relacionadas a violações de direitos
humanos e suas “eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na
sociedade”.
“A lei não limita a investigação a um ou outro lado, por isso essas
interpretações dos membros da comissão me causam muita estranheza”, disse ontem
à Gazeta do Povo o vice-presidente do Clube Militar do Rio de Janeiro, o general
da reserva Clóvis Bandeira. O oficial foi um dos participantes de um debate
comemorativo ao golpe de 1964 que acabou em confronto entre policiais e
manifestantes de esquerda às portas do clube, em março.
Para Bandeira, a comissão tem um problema devido ao perfil dos indicados. “As
nomeações causaram surpresa, por exemplo, por não ter nenhum historiador. Tem
tanto advogado que mais parece um tribunal”, afirmou o general, que prevê o
resultado da comissão como uma tentativa de “reconstrução” da história recente
brasileira, baseada apenas na visão governamental. “Foi o que aconteceu na
Venezuela e Argentina e não serve de modelo para o Brasil.”
Obstáculos
Pressões externas e período abrangido pela lei serão dificuldades
Pressões externas e período abrangido pela lei serão dificuldades
O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e integrante da Comissão
Brasileira de Justiça e Paz, Marcelo Lavenère, defendeu as indicações feitas
pela presidente Dilma Rousseff para a Comissão da Verdade. Na avaliação dele, os
sete indicados são pessoas de preparo técnico “incontestável”. “Ainda assim, não
vai ser um trabalho fácil. Sabemos das forças poderosas que querem manter esses
fatos nas sombras”, opinou Lavenère.
Mais moderado,o cientista político e professor da Universidade de Brasília
(UnB) Antonio Flávio Testa diz que há plenas condições de a comissão apurar
desvios de ambos os lados. “Se houver registro, é necessário apurar.” Ele só vê
problema no período abrangido pela lei, de 1946 a 1988. “Se for tudo isso para a
pauta vai ter gente querendo discutir o suicídio do ex-presidente Getúlio
Vargas, o que pode ser uma tentativa de esvaziar uma comissão que tem só dois
anos para terminar.”
Testa também destaca que a comissão dificilmente vai acarretar punições, mas
que a transparência vai levar conforto a pessoas que perderam familiares durante
a repressão. “Só por isso já vale a pena.”
leia na íntegra aqui.
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