A questão versa sobre a possibilidade de chamamento ao processo da União nos termos do art. 77, III, do CPC. No entanto, é pacífico no STJ o entendimento de que o chamamento ao processo não é adequado às ações que tratam de fornecimento de medicamentos. Isso porque tal hipótese, prevista no dispositivo legal mencionado, é típica de obrigações solidárias de pagar quantia. Tratando-se de hipótese excepcional de formação de litisconsórcio passivo facultativo, promovida pelo demandado, não se admite interpretação extensiva para alcançar prestação de entrega de coisa certa. O Min. Relator também destacou recente julgado do STF cuja conclusão foi de que o chamamento ao processo da União por determinado estado-membro revela-se medida protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde do enfermo. Com essas e outras ponderações, a Turma deu provimento ao recurso. Precedentes citados do STF: AgRg no RE 607.381-SC, DJe 17/6/2011; do STJ: AgRg no AREsp 28.136-SC, DJe 17/10/2011; AgRg no AREsp 28.718-SC, DJe 30/9/2011; AgRg no REsp 1.249.125-SC, DJe 21/6/2011, e AgRg no Ag 1.331.775-SC, DJe 22/2/2011. REsp 1.009.947-SC, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 7/2/2012.
Análise:
Decisão razoável inibe protelamento
Ponto essencial na decisão é a razoabilidade do raciocínio judicial que
resguarda o usuário, sempre hipossuficiente nas situações em que é beneficiário,
ao indeferir chamamento ao processo da União, provocada por Estado-membro, por
inaplicável a inteligência do art. 77, III, do CPC, eis que se cuidaria, no
caso, de litisconsórcio passivo facultativo (de origem constitucional). Assim,
evitam-se as delongas próprias do deslocamento do processo para a Justiça
Federal, circunstância descrita como protelatória e de inutilidade processual.
Acautelou-se, com razão, repise-se, a urgência do direito fundamental do ser
humano no remediar sua saúde e proteger sua própria vida.
O segundo ponto de destaque é sobre os efeitos que esta predominante
interpretação processual pode causar em relação a ente federativo que, na
distribuição interna de incumbências no Sistema Único de Saúde (SUS), não
detenha aquela à qual foi condenado prover. Recorde-se que a Lei Federal (LF) n°
8.080/90 estabeleceu competências comuns e específicas para União, estados e
municípios, impondo-lhes planejamento, cujas ações e serviços serão custeados
conforme lei orçamentária anual. Quando se reclama de um deles prestação de
saúde devida administrativamente por outro, é possível considerar que a ordem
judicial, especialmente quando importar em concessão de valores elevados ou
entrega de serviços substanciais, cause dificuldades. Embora a circunstância
possua juridicamente efeito zero em relação à exigibilidade do direito do
usuário demandante, não deve ser desvalorizada. É que a administração, por
vezes, restringe o financiamento a algum tipo de atenção à saúde já em curso
para fazer frente à nova despesa. Há, certamente, um problema ético e jurídico
imanente em tal opção (pode ocorrer contraste de direitos indisponíveis), e há
ínsito, também, um elemento potencialmente desorganizador dos parâmetros de
gestão, tal como foi originalmente concebida, dado que dificilmente nela se
inclui provisões para atendimento a ordens judiciais. Há de haver consistente
esforço para evitar efeitos da sentença que extrapolem seus próprios limites, a
implicar em desabastecer de ações e serviços de saúde à população. Nesse
sentido, inclusive para custeio de ordens judiciais, é razoável cogitar-se de
câmara de compensações no SUS, inspirada no art. 35, VI, da LF n° 8.080,
ressarcindo-se administrativamente entre si, no que couber, os entes
federados.
Marco Antonio Teixeira, procurador de Justiça, coordenador do Centro de
Apoio Operacional das Promotorias da Saúde Pública do Ministério Público do
Paraná.
Fonte: Gazeta do Povo, Caderno Justiça & Direito
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