Primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra
Cármen Lúcia Antunes Rocha tem o desafio de coordenar o processo eleitoral no
Brasil no primeiro ano em que a Lei da Ficha Limpa estará plenamente em vigor. À
frente do TSE desde abril deste ano, ela afirma que o fato de ser mulher não
diferencia a sua maneira de atuar, que deve estar embasada na Constituição.
Desde 2006, quando foi indicada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
Cármen Lúcia é ministra do Supremo Tribunal Federal (STF). Antes, ela chegou a
atuar como procuradora-geral do estado de Minas Gerais no governo Itamar Franco.
Cármen Lúcia é graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais e doutora em Direito do Estado pela
Universidade de São Paulo. A ministra respondeu às perguntas da Gazeta
do Povo por e-mail.
Pela primeira vez, o Brasil terá no comando das eleições uma mulher,
como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esta constatação faz
alguma diferença para a senhora?
Nenhuma. As funções a serem exercidas decorrem da condição de juíza do
tribunal e dizem respeito à administração das eleições, além da direção do
próprio Tribunal Superior Eleitoral. Qualquer juiz põe-se na condição
constitucionalmente estabelecida, independente do gênero.
A senhora atraiu atenção durante o julgamento sobre a
constitucionalidade da Lei Maria da Penha, quando afirmou que o preconceito
contra a mulher também atinge ministras da mais alta Corte brasileira. Como e em
que momentos a senhora sofreu preconceito?
Não é exatamente um momento ou uma situação que demonstra o preconceito. A
demonstração de sua ocorrência dá-se de forma sutil, às vezes. O que disse foi
que qualquer mulher, em qualquer cargo, sofre o preconceito decorrente do
gênero, independente do cargo ocupado.
Como a senhora lidou e lida com isso?
Trabalhando e demonstrando que as atividades devem ser desenvolvidas
considerando a finalidade a que se destinam, não as condições de quem as
desempenha.
A senhora acha que enfrentou mais dificuldades para chegar à
presidência do TSE do que um ministro homem enfrentaria?
Não. O Supremo Tribunal Federal escolhe o juiz que integra o Tribunal
Superior Eleitoral, como seu representante, por ordem de antiguidade. E, no TSE,
a escolha também obedece a critério objetivo, tranquilo e inquestionável.
Em entrevista, a senhora disse que quando aceitou o cargo de ministra
do STF tinha a ilusão de que poderia contribuir para que as instituições
constitucionais pudessem prevalecer. Qual a percepção da senhora sobre esse
assunto hoje? A senhora acha que tem conseguido contribuir?
Sim, empenho-me cem por cento no trabalho, como os demais ministros também
fazem, e continuo a buscar a melhor forma de prestá-lo, a melhor prestação da
justiça.
No seu discurso de posse do cargo de presidente no TSE, a senhora
reconheceu a necessidade de que a Justiça seja mais rápida para ser eficiente.
Como fazer isso?
Buscando alternativas legais que conduzam à possibilidade de não se
eternizarem os processos, de não se permitir que os recursos sejam não direito
de defesa, mas tática para impedir a finalização dos processos. Mas é preciso
que haja uma grande discussão de toda a comunidade jurídica, juízes, Ministério
Púbico e Ordem dos Advogados do Brasil. Somente assim teremos um sistema cujos
mecanismos de defesa e de recursos não seja lesivo e deles se usem, não se
abusem.
A senhora defendeu também uma maior transparência do Judiciário. Está
tramitando no Congresso a Reforma do Judiciário. Qual a opinião da Senhora sobre
a reforma? Ela pode trazer mais transparência a esse poder?
A reforma do Judiciário em tramitação no Congresso Nacional é uma
continuidade do que se convencionou sob esse rótulo. Desde 1992, ou seja, após a
promulgação da Constituição do Brasil de 1988, teve início proposta de mudança
do Poder Judiciário. O ponto mais significativo da reforma sobreveio em 2004,
com a Emenda Constitucional 45, mas se continua a questionar e buscar mudanças
que aperfeiçoem o sistema. Tudo o que puder ser discutido e concluído no sentido
de maior garantia ao cidadão para que a prestação jurisdicional por ele pedida
seja assegurada com mais celeridade e clareza, melhor, será mudança
bem-vinda.
Em julgamento do TSE, o Ministro Carlos Ayres Britto (atual
presidente do STF) consignou que “é precisamente em período eleitoral que a
sociedade civil e a verdade dos fatos mais necessitam da liberdade de imprensa e
dos respectivos profissionais”. No mesmo julgamento, o Ministro Ari Pargendler
(atual presidente do STJ), divergiu: “o Estado deve podar os excessos cometidos
em nome da liberdade de imprensa sempre que possam comprometer o processo
eleitoral”. As duas posições supostamente antagônicas resumem a polêmica em
torno da atuação da imprensa no período eleitoral. Qual a sua opinião sobre o
papel da imprensa neste período eleitoral?
De imperiosa necessidade. A sociedade precisa e quer ser informada, é dever
do juiz garantir que a imprensa cumpra o seu papel de informar, criticar, propor
ideias, permitir que os cidadãos tenham ciência das coisas para discutir e
decidir pelo que lhe parece melhor.
As eleições municipais deste ano serão as primeiras com a "aplicação
efetiva" da Lei da Ficha Limpa. Qual a sua expectativa? Que resultado o povo
brasileiro deve aguardar?
A Lei da Ficha Limpa veio da sociedade, responde a um anseio dela, significa
a sua sinalização sobre o que ela quer, precisa e lutará para obter. Portanto, a
benfazeja lei terá plena aplicação nas eleições deste ano e compete ao juiz
fazer com que seja plenamente eficaz jurídica e socialmente. Quem vota é o
cidadão, portanto a ele a tarefa de dar plena eficácia à lei que veio de sua
própria escolha e decisão.
A Lei da Ficha Limpa criou novas hipóteses de inelegibilidade e
reformulou outras. A mudança deverá aumentar o número de candidaturas
impugnadas. A Justiça Eleitoral está preparada para julgar este eventual aumento
no número de processos, neste prazo de três meses entre o registro e a
eleição?
Sim, a Justiça Eleitoral brasileira é considerada uma das mais eficientes do
mundo, é modelo e exatamente porque consegue dar solução ao que lhe é demandado,
independente deste aumento. Já houve momentos como esse – de mudança de
legislação antes (como ocorreu em 1990) – e o Judiciário respondeu rigorosamente
segundo o que a lei determinava. Desta vez não será diferente.
Recente decisão do TSE retirou a quitação eleitoral (condição de
elegibilidade) dos candidatos que tiveram contas de campanha rejeitadas. Esta
decisão pode ser revista até o momento do registro das
candidaturas?
O Plenário do TSE é que determinará isso, se vier a ser recolocada em pauta a
questão.
Em relação à evolução da justiça eleitoral no Brasil, qual seria o
próximo passo a ser tomado no sentido de conseguir uma democracia mais efetiva,
em que as pessoas realmente se sentissem representadas?
Conclamando os eleitores a votarem de maneira clara quanto aos seus
interesses sociais, quanto ao que cada município, cada Estado e o Brasil, enfim,
precisam, de modo a que a construção da nação brasileira não seja um desempenho
do representante, mas do titular da cidadania.
Além de preparar e conduzir as eleições de outubro, quais são os seus
principais desafios à frente do TSE, na sua opinião?
Além de realizar as eleições de 2012, de maneira correta, ética e célere,
dando sequência ao aperfeiçoamento que se vem mantendo, nos últimos vinte anos,
já esse ano com mais de oito milhões de votos pelo sistema de biometria (de que
será modelo exatamente Curitiba), é prioridade nossa implantar o processo
judicial eleitoral eletrônico, que permitirá celeridade e transparência na
tramitação das ações e dos recursos, tornar plenamente eficaz a nova Lei de
Acesso à Informação, garantir plenas condições de trabalho e respeito ao direito
dos servidores do Judiciário eleitoral, incluídos os referentes à sua
remuneração, aperfeiçoar os mecanismos de crescimento profissional pela atuação
das escolas eleitorais, entre outros.
Qual é a importância de um Congresso de Direito Eleitoral como este
de Curitiba?
Exatamente discutir os pontos tidos como não claros na legislação e na
jurisdição eleitoral e, principalmente, ouvir o que estão a discursar sobre
propostas novas de mudanças ou de reafirmação da jurisprudência de Direito
Eleitoral.
Gostaríamos de saber que outras paixões e hobbies a senhora tem, além
do Direito?
Agradeço muito a preocupação e até mesmo o interesse, mas a Constituição
impõe a nós, servidores públicos, a impessoalidade como princípio. E o juiz
deixa de lado qualquer paixão, para ser – livre delas – racional no desempenho
de suas tarefas.
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/entrevistas/conteudo.phtml?tl=1&id=1255523&tit=-frente-do-TSE. Acesso em: 18 mai. 2012.
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