"Vista ao ilustre representante do Ministério Público"; "Vista à douta Procuradoria da Justiça"; "Defiro o bem fundamentado requerimento do parquet".
Essas e outras são expressões rotineiras com as quais o Judiciário de primeiro e segundo consuma o tratamento desigual entre as partes nos processos judiciais. Além da proximidade pessoal e de estarem sentados "ombro a ombro", Magistrado e membro do Ministério Público aparecem ostensivamente como atores principais da representação processual enquanto o defensor, com assento em plano físico inferior, é relegado à condição de mero coadjuvante. O que consola o advogado nesses momentos e nessa localização da arquitetura forense é estar, democraticamente, ao lado de testemunhas, de ofendidos e de acusados. E, também, compreender que a tradição forense em nosso país, desde o Império até os dias atuais, apesar do cenário de um Estado Democrático de Direito, continua, via de regra, desconsiderando o princípio constitucional da isonomia, que deve funcionar no processo.
Lamentavelmente, para muitos juízes que descumprem deveres institucionais de relacionamento, o advogado não é o procurador de inúmeros interesses privados. Eles não o respeitam como "indispensável à administração da justiça" e muito menos como representante de uma maior ou menor parcela de cidadãos que lhe confiam a defesa de seus direitos. Nesse ponto, ofendem a regra legal de que, em seu ministério privado, o advogado exerce função pública.
E o que pensar e dizer de muitos magistrados que afrontam a lei para, de maneira humilhante, mandar ao procurador o recado de que não pode recebê-lo, por esse ou aquele motivo. O pior, porém, é quando o servidor recita a fórmula imperial: "O juiz não recebe advogado".
É certo que muitos, inúmeros Juízes, Desembargadores e Ministros são elegantes no trato funcional com o advogado e todas as pessoas com as quais devem tratar. Nesse momento, vigora a Lei Orgânica da Magistratura Nacional com outras tantas regras de urbanidade e respeito. Muitos colegas, especialmente os mais jovens, confessam, humilhados, que foram destratados por essa ou por aquela autoridade judiciária. E me perguntam o que devem fazer. Nada, eu lhes respondo. A não ser assumir no corpo e na alma a opressão do preconceito por conta da qual a nossa classe já está com o "couro curtido".
"Incorporem o espírito dos que resistem em silêncio, mas não dobrem a espinha para receber a graça do cumprimento. O gesto poderá ser entendido por quem está próximo como parte de uma liturgia religiosa".
Além de assumir a resistência ghandica, o advogado deve impor a sua autoridade moral e a legitimidade de sua atuação no interesse social, nunca se esquecendo dos instrumentos legais de que dispõe para enfrentar todo tipo de grosseria, ilegalidade e abuso, por ação ou omissão, contra si ou seu cliente.
E, com o passar dos anos da militância, entre as figuras que permanecem na boa memória do causídico estão a dos magistrados afáveis, fiéis aos seus deveres e cumpridores de sua missão. Quanto ao outros, o tempo se encarrega de fazê-los desaparecer.
A lápide de seus túmulos ou a legenda das urnas com suas cinzas deveria ter esta última sentença:
"O homem, esse cadáver adiado que todos nós somos". (Fernando Pessoa, 1888-1935).
René Ariel Dotti, Advogado e Professor Titular de Direito Penal● Detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007) ● Conselheiro Federal da OAB e presidente da Comissão Especial de Estudo do Projeto do Novo Código de Processo Penal, para acompanhar o anteprojeto e apresentar emendas atribuindo-me a sua presidência e coordenação.
Fonte: Paraná Online, Caderno Direito e Justiça
Disponível em: http://www.parana-online.com.br/colunistas/149/87309/. Acesso em: 7 agos. 2011.
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