domingo, 28 de agosto de 2011

Dignidade na velhice: direito ou utopia?

É necessário chamar a atenção do Estado e da iniciativa privada para o planejamento e execução de políticas eficazes, que promovam os direitos humanos da pessoa idosa, propiciando-lhe e viabilizando–lhe a existência digna.

RESUMO

O texto ora posto à apreciação tem a modesta pretensão de discutir um tema que, muito embora marginalizado no curso da história, povoa, em perene conflito, o imaginário e o real, conquanto reflexo não da decadência e da finitude próxima da vida, mas do amadurecimento e da sabedoria traduzidos pelo olhar da experiência humana: o idoso enquanto categoria social.
De forma clara e objetiva, as autoras dão tratativa à problemática do envelhecimento no contexto da evolução histórica do homem enquanto ser social, sob os mais variados prismas, conferindo particular evidência à realidade vivenciada pelo velho ao longo dos séculos, eivada pelo preconceito de profundas e indeléveis raízes cravadas no seio da sociedade, pela discriminação, o abandono e pela exclusão a ele impostos, frutos do distorcido modelo socioeconômico e cultural até há pouco tempo mundialmente adotado.
Nesta messe, buscam particularmente trazer a lume a crueza da realidade brasileira, oportunizando a conscientização coletiva de que o idoso é uma possibilidade ímpar de aprendizado e crescimento em todos os sentidos, pela transmissão da experiência acumulada ao longo da vida.
A par disso, este escrito demonstra - despeito da opinião científica - que a velhice é uma construção da sociedade e, longe de significar a inatividade e a inutilidade cultuadas pela prática utilitarista do capitalismo, pelo contrário, pressupõe o reconhecimento e a aceitação do velho como fonte de sabedoria, de contribuição à juventude e ao próprio desenvolvimento de seu país, na condição de agente social.
Por isso mesmo, intenta chamar a atenção do Estado e da iniciativa privada para o planejamento e execução de políticas eficazes, que promovam os direitos humanos da pessoa idosa, propiciando-lhe e viabilizando–lhe a existência digna a que faz jus, através do exercício pleno da cidadania, pautado nos princípios da igualdade e da liberdade, norteadores da Carta Cidadã brasileira. Este o propósito magno do presente trabalho!

Leia na íntegra o artigo aqui.

by Cláudia Inez Borges Mussi e Évelyn Cintra Araújo


O Reconhecimento da União Estável Homossexual: a omissão do STF na análise processual

O presente artigo versa sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a união estável homossesual como entidade familiar de pleno direito, com eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Baseia-se na análise do voto do relator, Ministro Ayres Britto, no prágrafo 3º do artigo 226 da Constituição da República Federaiva do Brasil de 1988; no artigo 1.723 do CC/2002; nos artigos 126 e 131 do Código de Processo Civil. O estudo buscou analisar os aspectos históricos da homossesualidade; a sua contextualização nas civilizações; as novas conceituações de família; a constitucionalização do núcelo familiar; o reconhecimento da união estáel homossexual; na omissão do STF na análise processual e os aspectos processuais. Conclui-se que apesar desta vitória em sede judicial, faz-se uma melhor análise processual, vez que esta decisão torna-se temerária e necessita de edição de lei pelo Congresso Nacional. 

Leia na íntegra o artigo aqui.


by Jerfferson Brenno Bezerra Bay

Fonte: Direito Homoafetivo


Direito Homoafetivo: consolidando conquistas

A HOMOSSEXUALIDADE NA JUSTIÇA
Diante do silêncio do legislador, é a jurisprudência a mais importante ferramenta para assegurar a homossexuais e transexuais o exercício de cidadania.
Os avanços são muitos, mas é enorme a dificuldade de acesso aos julgados que sinalizam os progressos que o direito à livre orientação sexual vem alcançando na Justiça.
Daí a necessidade de formar uma grande rede de informações e disponibilizar as vitórias já obtidas pela população LGBT.
Com certeza este é um compromisso de todos que acreditam na necessidade de contruir o direito homoafetivo como um novo ramo do Direito.
Mas, é indispensável coragem de ousar, única forma de consolidar conquistas
.

Acessem o site aqui.

by Maria Berenice Dias

O necessário controle preventivo (jurisdicional) de constitucionalidade

Uma das mais belas traduções da Constituição da República Federativa do Brasil diz respeito à separação dos poderes, a qual se faz presente em seu artigo 2º.
Em função da independência estabelecida entre os poderes, o Legislativo, de forma exclusiva, cria e julga a constitucionalidade das leis e decretos legislativos.
Ocorre, porém, que de alguns anos para cá houve um crescimento assustador na criação de normas consideradas inconstitucionais, o que gera um significativo aumento no número de demandas tanto em primeiro grau de jurisdição quanto no Supremo Tribunal Federal.
Não bastasse o que fora mencionado, é bastante visível o aumento no número de deputados e senadores eleitos sem o menor preparo escolar, psicológico, ético e moral. Assim, surgiu a ideia de se copiar uma parte do sistema jurídico francês, qual seja: O controle preventivo (jurisdicional) de constitucionalidade.
Na França, fica a cargo do Conselho Constitucional a manifestação acerca da constitucionalidade de uma proposição antes da promulgação. Inclusive, este controle tem por objetivo evitar que se elaborem leis com eivas de inconstitucionalidade, buscando-se sanar os vícios antes mesmo da publicação.
Em nosso país, de um lado estão os críticos - em sua maioria governantes e congressistas - do sistema de controle preventivo, cujo parecer lógico nos remete à separação dos poderes e ao ideal de que o Congresso já faria o controle prévio de constitucionalidade das leis nas comissões de Constituição e Justiça, enquanto que o Executivo faria o controle através da Advocacia-Geral da União. Já do outro lado estão grande parte da população e do Poder Judiciário que defende uma análise prévia das leis que afetam a vida de todos os cidadãos.
Por óbvio, que um exame pormenorizado nas leis por quem, em tese, possui um alto conhecimento jurídico e social, reduzirá o número de normas inconstitucionais e, consequentemente, o ajuizamento de demandas judiciais.
Infelizmente o Ministro Antonio Cezar Peluso vem enfraquecendo o seu ideal acerca do controle preventivo, convertendo todas suas forças para uma absurda redução no número de instâncias.
De qualquer forma, necessária se faz a manifestação de cada profissional do Direito, a fim de que futuramente o Poder Judiciário possa analisar preventivamente as normas elaboradas por um Poder Legislativo cada vez mais fraco e irresponsável. Caso contrário, permaneceremos abarrotando as pautas de julgamentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, os quais certamente não possuem condições humanas de julgar tudo que é argüido pela população.

Gilberto Andreassa Junior é membro efetivo do Instituto dos Advogados do Paraná - IAP. Membro honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Membro da Comissão de Juizados Especiais da OAB/PR. Advogado.
Fonte: Paraná Online, Caderno Direito e Justiça



Mais proteção aos prematuros

Na semana passada (dia 17), a Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal emitiu parecer conclusivo e favorável sobre o projeto de Lei n° 241/2010, de autoria da ex-Senadora Marisa Serrano (atual Conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul).
Pelo projeto, que ainda depende de aprovação da Câmara dos Deputados, será acrescido o artigo 71-B a Lei 8.213/91 (Plano de Benefícios da Previdência Social), ampliando o prazo do salário-maternidade para as mães dos chamados "prematuros extremos".

Apesar de o projeto não definir o que seja um "prematuro extremo", deixando esta definição ao futuro regulamento, há em sua justificativa a sinalização como sendo aquelas crianças nascidas com exigências redobradas de cuidados e sem condições mínimas para deixar o ambiente hospitalar.
A mãe segurada fará jus ao pagamento do auxílio-maternidade e, após o término deste, continuará a receber o benefício de forma diferenciada, até o momento em que o bebê receba alta hospitalar e tenha condições de receber os cuidados diretamente dos familiares. Tudo isto será devidamente definido e regulamentado após a efetiva aprovação da Lei, mas já é um norte para o legislador.
Outro aspecto importante diz respeito ao valor do benefício. O auxílio-maternidade equivale ao mesmo valor da remuneração da mãe no mês do afastamento, não sofrendo as limitações do teto dos benefícios da Previdência Social. O auxílio previsto neste projeto de Lei, por outro lado, estará limitado ao teto do salário de contribuição, que hoje é de R$ 3.691,74.
Assim, por exemplo, se a mãe possui remuneração de R$ 5.000,00 no mês do afastamento, receberá os mesmos R$ 5.000,00 durante o período do auxílio-maternidade e, sendo necessário prorrogar o afastamento pelo bebê prematuro ainda necessitar de internação hospitalar, passará a receber o teto do salário de contribuição, ou seja, R$ 3.691,74. Caso a mãe possua remuneração inferior ao teto (R$ 2.000,00, por exemplo), não sofrerá, a princípio, redução no valor do beneficio caso supere o período do auxílio-maternidade.
É importante lembrar que hoje o auxílio-maternidade é de 120 dias, ampliado para 180 dias nos casos de opção da mãe e o empregador ser cadastrado no programa "empresa cidadã", bem como nos casos de servidores públicos cuja carreira já possua legislação neste sentido.
Este projeto de Lei é, sem dúvida, extremamente benéfico às famílias que sofrem com todo o zelo e dedicação que são necessários aos cuidados dos bebês prematuros. Atualmente, as mães de prematuros têm que retornar ao trabalho ao término do período de licença-maternidade, sem poder permanecer ao lado de seus filhos neste momento tão delicado. Não são raras as situações nas quais a mãe acaba pedindo a rescisão de seu contrato de trabalho para poder dedicar-se ao filho, deixando de contar com sua remuneração em um período em que as despesas tendem a ser altas.
Com a aprovação no Senado, as futuras mães venceram uma primeira etapa, mas o projeto de Lei ainda segue todo o trâmite legislativo, com suas várias votações, culminando na sanção final da presidente e publicação no Diário Oficial da União. Se aprovado, o projeto dependerá de uma regulamentação que observe todos os detalhes e requisitos que o caso merece, sob pena de criar entraves burocráticos que impedirão o acesso das mães ao benefício, fugindo a finalidade inicial da Lei.

Christian Schramm Jorge é advogado associado do Marins Bertoldi Advogados Associados de Curitiba.

Fonte: Paraná Online, Caderno Direito e Justiça



Justiça protege patrimônio de pessoas acima de 60 anos

O que a Justiça faz para proteger o patrimônio de quem se casa com mais de 60 anos?

Em 2009, o número de homens que se casaram após os 65 anos é cinco vezes maior que o número de mulheres com a mesma idade. Os dados do IBGE revelam que os homens com essa idade estão cada vez mais à procura de novos relacionamentos. Há alguns anos atrás, o casamento de pessoas mais velhas com parceiros mais novos era alvo de preconceito. Muitas vezes, o relacionamento era baseado apenas no interesse financeiro, conhecido popularmente como “golpe do baú”.
Após intensas disputas judiciais, o Código Civil passou a prever que pessoas casadas ou em regime de união estável que tiveram o início da relação depois dos 60 anos de idade ficam sob regime de separação total de bens, sendo somente partilhado o patrimônio adquirido após o casamento. Mas, o que leva a pessoa que já viveu uma boa parte da vida a ingressar em um novo relacionamento? Para a psicóloga, Gabriela Ciadullo, é cada vez mais comum pessoas com mais idade buscarem novas relações.
“Essas pessoas mais maduras , sexagenárias nas quais a gente comenta, elas estão procurando cada vez o amor, além de tudo é de um companheiro, uma companheira e na maioria das vezes já possui um histórico amoroso, de decepções, de separações, de viuvez, são pessoas que já constituíram família, que já tem filhos criados, que já são avós. Em meio a uma situação em que ela se vê sozinha, em que os filhos estão criados e morando fora de casa, elas procuram uma pessoa em busca de uma cumplicidade de um companheirismo para que elas se sintam mais vivas.”
O servidor público aposentado, Jocelino Amâncio, de 73 anos, que casou há apenas seis meses diz que está feliz e discorda da Lei.
“Eu me casei agora já com mais de 70 anos, casei de novo, e acho que minha companheira tem todos os direitos, de tudo. O que passou, passou. Quem ta agora convivendo comigo é quem deve ter direito a tudo que o casal. Eu gostaria de deixar tudo pra minha esposa atual. Porque é ela quem está comigo, na saúde ou na doença. O que eu tinha eu já passei para o nome dela.”
Mas, para a justiça não funciona bem assim. Em julgamento realizado pelo Superior Tribunal de Justiça, a Quarta Turma decidiu que a companheira de um homem do Rio Grande do Sul não tem direito à metade dos bens deixados por ele, apenas os adquiridos durante a união estável.
O casal viveu em união estável até a morte do homem em 2001. O relacionamento, que durou oito anos, começou quando ele tinha 64. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que em casos como este, onde um dos companheiros tem mais de 60 anos, deve prevalecer o regime de separação de bens, assim como no casamento.
De acordo com o advogado Rodolfo Freitas, da OAB do Distrito Federal, a Lei foi criada para proteger o cônjuge com mais de 60 anos por ele ser um alvo fácil de golpistas.
“Na verdade é uma proteção ao idoso. Esta proteção tem em vista este patrimônio que ele constituiu durante todo esse percurso da vida dele.Então é uma proteção focada no cônjuge maior de 60 anos, mais que repercute no patrimônio. É para evitar que o outro cônjuge case-se com interesses exclusivamente financeiros e possam sujeitá-los a um golpe.”
O advogado Rodolfo Freitas destaca, porém, que há uma nova tendência em relação à Lei.
“Há uma forte corrente doutrinária, inclusive com reflexo na jurisprudência de que esse artigo do código civil viola a constituição. Especialmente o princípio da dignidade da pessoa humana. Ele introduz um preconceito contra pessoas idosas, considerando-as automaticamente incapazes pelo fato delas atingirem certa idade.”
No ano passado, a justiça decidiu tornar obrigatória a separação total de bens para casamentos após os 70 anos. O tema é controverso e no Congresso Nacional tramitam propostas que elevam a idade para os 75.
Fonte: STJ


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O crime, o Advogado e o Direito

No extenso universo das hipotéticas infrações que um cidadão pode cometer perante o Direito de uma nação, o crime ocupa um lugar especial e reservado.
Qualificam-se como “crimes” apenas aquelas condutas reputadas como gravíssimas, que merecem uma sanção exemplar, segundo critérios fotografados em determinado momento histórico pela comunidade.
Justamente por isto, costuma-se ler nos livros escolares da disciplina de Direito Penal que todo o crime tem por característica uma ofensa que ultrapassa os interesses da vítima. Os crimes, em maior ou menor medida, atingem toda a sociedade.
Neste campo tão singular do ordenamento jurídico, a importância do advogado se mostra peculiar. Se no Direito Penal se encontram as mais graves condutas e as punições mais severas, a presença de um profissional com conhecimento e sensibilidade é a garantia de que todas as circunstâncias do caso serão minudenciadas e sopesadas àqueles que se atribui a difícil função de julgar.
Ao se iniciar a segunda década do século 21, tais premissas podem parecer muito óbvias, piegas, relegadas a um lugar comum ante a solidez da garantia que os tratados internacionais, os princípios constitucionais e o arcabouço legislativo de proteção à ampla defesa sustentam.
A ocorrência de um crime de repercussão exemplar, capaz de ofender particularmente o sentimento de justiça de cada cidadão, no entanto, pode provocar a tentação de se abandonar tais postulados em nome de uma resposta rápida e inclemente.
A acusação de homicídio que pesa sobre ex-deputado Carli Filho é um bom exemplo disto. Dois jovens tiveram a vida ceifada numa colisão envolvendo, a um só tempo, a acusação de uma colossal velocidade (170 km/h), em estado de embriaguês, de um motorista com um histórico de infrações de trânsito. Este acusado, ainda, como homem público, figurava como membro do Poder Legislativo Estadual, ostentando condições de vida para além de satisfatórias, muito melhores do que a suportada pela enorme maior parte da população.
Tudo isso é muito grave. A repulsa é inevitável. O sentimento de que a Lei deve “valer” para todos e que, mais do que nunca, faz-se necessário um basta na guerra tribal revelada no trânsito das grandes cidades impulsiona uma comoção de toda a população.
Soma-se à dor da família daqueles jovens a indignação da população que, num movimento social sem precedentes, produz e divulga adesivos nos automóveis, manifestando o pensamento de que a velocidade de 170 km/h, em si, é um crime.
Se o crime ofende toda a comunidade, é absolutamente lícito que esta mesma comunidade manifeste, pelos mais diferentes meios, o anseio de Justiça. A liberdade de expressão do pensamento, neste caso, é evidente. A família das vítimas não poupa esforços para que a acusação seja conduzida até as últimas consequências.
A sociedade brasileira espera, do Poder Judiciário, uma avaliação e um julgamento célere e cuidadoso deste episódio brutal e esta Gazeta do Povo cumprirá o seu papel de informar, criticar e se posicionar de maneira transparente a respeito do caso. Aquela noite não será esquecida.
Nada disto justifica, no entanto, o menoscabo, que por vezes atinge às raias do ataque pessoal, disparado contra os advogados que aceitaram o patrocínio da defesa do acusado.
As mais recentes manifestações de repúdio ao patrocínio do acusado pelo advogado Renè Ariel Dotti, promovidas por alguns meios de comunicação, indiciam um risco real de, neste caso, se perder de vista aquelas premissas lançadas ao início do texto, sobejamente garantidas pelos tratados internacionais e pela Constituição brasileira.
Faz-se necessário repetir: todo e qualquer réu, seja lá quem ele for, seja lá qual for a medida de gravidade do delito que lhe é imputado, deve ser adequadamente assistido no processo penal.
Isto, obviamente, não permite concluir que é franqueado aos advogados de defesa sustentar o insustentável. Há um código de ética, permeado por regras e princípios, cuja observação é indeclinável.
A constante pertinência entre as alegações e as provas, a coerência entre as teses de defesa e o conhecimento jurídico, o apelo aos precedentes jurisprudenciais de casos similares são elementos cruciais para o ministério da defesa dos acusados e, inclusive, para o regular exercício da liberdade de expressão pelo advogado. Estas balizas parecem estar presentes no difícil patrocínio da defesa de Carli Filho, captaneada por Renè Ariel Dotti.
A história em defesa da democracia, das garantias constitucionais, as décadas de magistério na UFPR, as obras doutrinárias, enfim, tudo aquilo que marca e identifica a carreira do criminalista Renè Ariel Dotti não se mostra contraditório e nem tampouco se diminui ante a decisão de defender um acusado que, por sua própria torpeza, imantizou o desprezo popular.
A decisão de defender Carli Filho é uma aposta na importância da garantia constitucional de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (Constituição da República, art. 5.º, inciso LIV).
Isto não significa dizer, vale destacar, que os argumentos de defesa, tornados públicos pelo Ilustre causídico, devam prevalecer. Da dialética entre as teses de acusação e defesa é que resplandecerá a segurança a respeito de todas as circunstâncias de fato, agravantes ou minorantes, suscitadas ao longo do processo.
Aos advogados cabe sustentar, argumentar, comprovar, tentar convencer. Ao Poder Judiciário compete decidir. O respeito àqueles que atuam na posição de defesa e acusação é indispensável para a construção da Justiça.

Fonte: Gazeta do Povo




terça-feira, 23 de agosto de 2011

O Supremo congestionado

Não é de hoje que o Supremo Tribunal Federal (STF) enfrenta dificuldades para dar conta da enxurrada de processos que diariamente bate à sua porta. A consequência de tanto acúmulo de trabalho distribuído entre o colegiado de 11 ministros que compõem a instância máxima da Justiça brasileira é uma inevitável lentidão nas decisões de sua competência, que podem acabar se estendendo por anos a fio em determinados casos. Uma carga sem dúvida descomunal que acaba ficando ainda mais pesada diante de alguns fatores eventuais que fazem parte das injunções afetas a qualquer trabalho. Referimo-nos a duas em particular que terminam por sobrecarregar a pauta de julgamento: o afastamento de ministros por força de problemas de saúde e em razão de aposentadoria, quando a nomeação do substituto nunca ocorre de forma rápida.

Essa é a situação vivida pelo STF no presente, que está retomando os trabalhos neste segundo semestre sem dois de seus membros. O ministro Joaquim Barbosa, que entrou com licença médica para se recuperar de uma cirurgia, e a ministra Ellen Gracie, que teve o seu pedido de aposentadoria já confirmado em Diário Oficial. Com a redução para nove ministros, a tendência é que o presidente da corte, Cezar Peluso, retire da apreciação em plenário temas polêmicos que estavam previstos para este mês. É o caso da possibilidade da interrupção das gestações de fetos portadores de anencefalia (ausência de cérebro) e a ocupação de terras por cerca de 3 mil comunidades de remanescentes de quilombolas.

A essas duas questões delicadas, outros temas de interesse para a sociedade estão previstos para exame no segundo semestre, mas que em razão da sobrecarga de processos poderão ser postergados. Referimo-nos particularmente à discussão sobre o poder de investigação do Ministério Público e à constitucionalidade ou não da reserva de vagas em universidades públicas por critérios raciais, as chamadas cotas. O direito sobre as diferenças de correção monetária nas cadernetas de poupança, em razão dos expurgos inflacionários decorrentes dos planos econômicos Cruzado, Bresser, Verão e Collor I e II, também está na fila de espera.

Outro tema que promete monopolizar as atenções no Supremo é o julgamento dos 38 acusados de envolvimento no chamado esquema do mensalão, apontado como o maior caso de corrupção política da história brasileira. O relator do processo, que já conta com mais de 40 mil páginas, é o ministro Joaquim Barbosa, hoje de licença, que está no aguardo das alegações finais dos advogados de defesa dos réus para elaborar o seu voto. Entre os envolvidos estão o ex-ministro José Dirceu, apontado como o mentor da compra de apoio político durante o governo Lula, e o ex-presidente do PT, José Genoíno.

Diante de uma pauta recheada de assuntos complexos, inevitáveis as discussões em torno de possíveis caminhos para tornar mais ágil a prestação jurisdicional do Supremo. Em maio passado, preocupado com a lentidão da Justiça em dar respostas mais céleres, o presidente Cezar Peluso lançou a proposta da chamada PEC dos Recursos. O objetivo é acabar com o efeito suspensivo dos recursos especial e extraordinário e dar eficácia imediata às decisões de segundo grau, isto é, aquelas proferidas pelos Tribunais de Justiça dos estados ou pelos Tribunais Regionais Federais. Tal proposta não alteraria os requisitos necessários para a admissibilidade desses recursos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo STF, mas a decisão de segunda instância por si só poderia gerar coisa julgada. A PEC que já tramita no Senado promete muita discussão em razão das reações contrárias que vem produzindo no próprio meio jurídico.

Fonte: Gazeta do Povo



segunda-feira, 22 de agosto de 2011

STF, Suprema Corte e Tribunal Constitucional Alemão

O colunista de O Globo, Merval Pereira, solicitou-me algumas reflexões sobre o STF brasileiro, em contraste com a Suprema Corte americana e o Tribunal Constitucional Federal alemão. Em sua coluna de 11 de agosto de 2011, ele transcreveu algumas das minhas considerações. Abaixo, o link para a coluna e a íntegra dos comentários que enviei.





by Luís Roberto Barroso

Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=432. Acesso em: 22 agos. 2011.



Magistrados não podem renunciar ao direito de segurança

O artigo "Magistrados não podem renunciar ao direito de segurança" é de autoria do secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho e foi publicado hoje (19/08/2011) no site Consultor Jurídico:

"Os 21 tiros contra a magistrada carioca foram, em verdade, 21 golpes contra o Estado de Direito. Tal atentado evidenciou a situação lastimável de fraqueza do Estado brasileiro diante da força e da violência que assassinaram uma magistrada em função do seu ofício.
A OAB sempre propugnou pela manutenção das prerrogativas dos magistrados, tal qual da advocacia, como inerentes ao respeito ao ser humano e aos postulados constitucionais. A própria soberania do Estado houve ameaçada. Se a falta de segurança é grave, a existência de força particular mais forte que o próprio Estado é o princípio do fim.
A ideia mais rudimentar de Estado deve, no mínimo, conceber a substituição do direito de autodefesa por autoridade soberana externa que tutele os direitos. Toda a concepção de Estado se resume na ideia de ordenar os cidadãos sob instituições capazes de afastá-los do caos.
O Estado de Direito, além disso, deve garantir o fim da "lei do mais forte" em nome da Justiça. O único meio de atingir a justiça é segundo o devido processo legal que presume, ao menos, julgamento segundo regras legítimas por juiz competente e independente.
Algumas cartas constitucionais - como a Alemã e a Suíça - chegam a especificar que não há devido processo legal sem juiz independente, tal a necessidade deste aspecto para a realização daquele. No Brasil, tal exigência está albergada na afirmação constitucional, segundo a qual "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal/88).
Ora, como há juiz independente se nem mesmo a sua integridade física é garantida pelo Estado? Nem sequer falamos em garantia à não perseguição ou em respeito à autoridade necessária ao cargo, mas à sua integridade física que é a mínima proteção necessária ao exercício do mister.
De fato, juiz é um terceiro que deve apontar o direito daqueles que se submetem à sua jurisdição. Se não é independente, não é terceiro. O cidadão não tem julgamento, mas tão somente alguém que diz o que lhe mandam dizer. Não há direito nem justiça, mas arbitrariedade e caos.
Especula-se a existência ou não de pedido da magistrada recentemente assassinada por escolta policial, veículo blindado ou qualquer proteção. Seria necessário? Se é garantia do cidadão ter juiz independente, é preciso que o magistrado requisite garantias que são do jurisdicionado e não suas? Se um juiz trabalha em região sabidamente violenta a julgar criminosos locais temidos e perversos e, não apenas deixa de solicitar proteção policial mas a recusa, o Estado pode aceitar tal recusa? A resposta é não, porque a garantia do cidadão de ser julgado e ver seus pares julgados por magistrado independente é inafastável.
Ainda que aquele magistrado fosse capaz de destemer qualquer ameaça à sua vida, o mínimo risco de intimidação e a simples hipótese de um episódio como o ocorrido não podem ser admitidos pelo Estado.
Os predicamentos da advocacia existem para proteger o cidadão contra o abuso estatal, inclusive do Judiciário. Os predicamentos da magistratura possuem a função relevante de proteger o juiz que cumpre seu mister com exatidão. As garantias não lhe pertencem, mas à sociedade, ao Estado de Direito, e são irrenunciáveis.
A proteção à independência de um magistrado, não lhe pertence nem é privilégio. É garantia do cidadão que sequer pode ser renunciada pelo magistrado, porquanto não lhe pertence. O Estado é omisso quando não garante a segurança do cidadão e do magistrado, calando a democracia".

Fonte: OAB

Novo CPC veste melhor as garantias da Constituição

O artigo "Novo CPC veste melhor as garantias da Constituição" é de autoria do presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous e foi publicado hoje (18/08/2011) no site Consultor Jurídico:

"O Projeto 8.046/2010, que institui o novo Código de Processo Civil, tem despertado muita polêmica na comunidade jurídica. Há setores que se posicionam contra a sua aprovação ou pretendem modificá-lo quase por completo. A maioria das críticas centra-se na alegada falta de debate na elaboração do projeto.
O projeto do novo CPC é originário do Senado Federal. Atendendo a um reclame da maioria da doutrina, o Senado nomeou uma Comissão de Juristas para confeccionar o anteprojeto. A Comissão foi composta por renomados processualistas de várias regiões do país, foi presidida pelo ministro Luiz Fux e teve a relatoria da professora Teresa Arruda Alvim Wambier, sem dúvida alguma, dois respeitados processualistas.
Antes de concluir o anteprojeto, a Comissão de Juristas fez audiências públicas em praticamente todos os estados, ouvindo todos aqueles que quiseram se manifestar. A Comissão ainda instou os órgãos representativos da comunidade jurídica, como a OAB, IAB, AMB, Ministério Público e Defensoria Pública, para apresentar suas propostas.
Após ser entregue ao Senado, o texto converteu-se em projeto e teve a revisão de uma Comissão Especial, composta igualmente por notáveis processualistas, que realizou novas audiências públicas, antes de dar seu parecer final. Com os ajustes dessa Comissão, o Projeto do novo CPC foi aprovado pelo Senado e, atualmente, se encontra em discussão na Câmara dos Deputados.
Depois de o texto ser submetido a duas Comissões e ter passado por duas rodadas de audiências públicas, é insensato afirmar que não houve debate na elaboração do projeto. E ainda falta a apreciação da Câmara, onde o projeto será submetido a novo contraditório. Parece-me, assim, que as críticas decorrem mais de vozes que não tiveram suas sugestões acatadas, e querem, a todo custo, impor as suas escolhas, do que propriamente da reclamada ausência de discussão.
Quanto ao conteúdo, o projeto contém inegáveis avanços. Ele consolida as reformas processuais que vêm modificando o atual Código desde 1994, tem previsões que se harmonizam melhor com a Constituição e prevê mecanismos para imprimir maior rapidez aos julgamentos dos processos. Dentre esses mecanismos, destaquem-se a simplificação procedimental, que tornará os procedimentos mais racionais, e o incidente de resolução de demandas repetitivas, que permitirá ao Judiciário, por meio de uma única ação, julgar a tese jurídica que se repete em múltiplas demandas. Diga-se, aliás, que esse último expediente contribuirá muito para desafogar o Judiciário, principalmente os Juizados Especiais Cíveis, que, como se sabe, são reféns das ações repetitivas.
O projeto também foi generoso com os advogados. E não poderia ser diferente, já que a Comissão que confeccionou o anteprojeto foi composta majoritariamente por advogados, dentre eles o atual secretário-geral da OAB Federal, Marcus Vinicius Furtado Coelho.
Efetivamente, há várias conquistas para a advocacia.
O projeto previu os honorários de sucumbência recursal, que constituem a fixação de novos honorários a serem pagos pela parte que perde um recurso e, por conseguinte, representam novos valores a serem recebidos pelo advogado.
Além do advogado que atua na causa, a sociedade de advogados a que ele pertence também será intimada de todas as decisões judiciais. Essa inovação acabará com os problemas havidos no momento em que um advogado se retira do escritório e, por qualquer motivo, não faz o substabelecimento em todos os feitos no qual atua.
O projeto também dispõe sobre a possibilidade de o próprio advogado fazer a intimação das testemunhas que arrolou, evitando-se as diligências cada dia mais lentas dos oficiais de Justiça e, em consequência, o adiamento das audiências.
A unificação dos prazos recursais em 15 dias e a contagem de todos os prazos processuais apenas em dias úteis, reclames antigos da nossa classe, facilitarão a nossa vida profissional e, mais do que isso, garantirão finais de semana de descanso para os advogados, o que, hoje em dia, é inviável.
A obrigatoriedade de o juiz ouvir as partes, antes de decidir qualquer questão, inclusive de ordem pública, confere importância à participação processual do advogado, além de evitar as famosas "decisões surpresa".
O projeto prevê, ainda, a sustentação oral no Agravo de Instrumento contra decisão de interlocutória que verse sobre tutela de urgência, aumentando a participação do advogado no julgamento dos Tribunais.
Por todas essas escolhas, mas, sobretudo, porque seu texto veste melhor as garantias processuais previstas na Constituição, o projeto do novo CPC merece e precisa ser aprovado".

Fonte: OAB

OAB discute casamento e adoção para casais gays

Casamento e divórcio, proteção contra a violência doméstica, acesso à adoção e à herança, além de punição a atos discriminatórios.
Esses são alguns dos direitos que a Ordem dos Advogados do Brasil pretende estender a homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.
Um anteprojeto de lei e uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) foram elaborados pela comissão de diversidade sexual do Conselho Federal da ordem e serão apresentados na terça-feira (23).
O anteprojeto cria o Estatuto da Diversidade Sexual, que prevê, por exemplo, o oferecimento de iguais oportunidades de trabalho e a criminalização da homofobia.
Os direitos do estatuto não poderão ser ignorados pelos legisladores, diz Maria Berenice Dias, presidente da comissão. "Um dia vão ter que aprovar", disse em evento.
O estatuto aborda um tema controverso: quando operar intersexuais --pessoas cujo sexo não é identificado como padrão masculino ou feminino, tratadas no passado por "hermafroditas". O anteprojeto proíbe cirurgias irreversíveis em crianças intersexuais se não há risco de morte.
Para Anibal Guimarães, colaborador do texto, a decisão sobre a operação deve ser tomada quando a pessoa tiver maturidade para entender o diagnóstico.
No Hospital das Clínicas de São Paulo, a cirurgia é feita quando o distúrbio do desenvolvimento sexual é identificado."É mais saudável que deixar a criança ser criada ambiguamente", diz Elaine Costa, do serviço de atendimento a esses pacientes.
As propostas atingem também heterossexuais, já que a "licença-natalidade" pode ser usufruída independentemente de sexo e orientação sexual. Nos primeiros 15 dias após o nascimento ou a adoção, a licença vale para ambos. Nos outros seis meses, os pais podem se alternar.
O estatuto precisa ser aprovado pelo pleno do Conselho Federal da OAB, antes de ser levado ao Congresso.
Para que as medidas não esbarrem na inconstitucionalidade, a comissão elaborou uma PEC que institui o casamento civil independente de orientação sexual, a licença-natalidade e bane a discriminação em função de orientação sexual ou identidade de gênero.

domingo, 21 de agosto de 2011

Leia o voto que garante direito de candidatos em concurso

"Entendo que o dever da boa fé da Administração Pública, exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto a previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito." Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, obrigou o estado de Mato Grosso do Sul a nomear aprovados em concurso.
O voto de Gilmar Mendes foi acompanhado, na quarta-feira (10/8), por unanimidade, pelos ministros do Supremo. A corte entendeu que esses concurseiros têm, sim, direito à nomeação. O entendimento se deu em um impasse levado ao colegiado pelo estado de Mato Grosso do Sul, que questionava a obrigação da administração pública em nomear candidatos aprovados dentro no número de vagas oferecidas no edital do concurso público.
Antes do julgamento, o assunto teve sua Repercussão Geral reconhecida, tendo em vista a relação da matéria com o aumento da despesa pública. O ponto central de discussão do Recurso Extraordinário é se o candidato aprovado em concurso público possui direito subjetivo à nomeação ou apenas expectativa de direito.
Para o estado, só uma equivocada interpretação sistemática constitucional resultaria no reconhecimento de qualquer direito líquido e certo à nomeação dos aprovados. Por isso, alegou violação aos artigos 5º, inciso LXIX, e 37, caput e inciso IV, da Constituição Federal.
Quando a administração pública torna público um edital de concurso convocando todos os cidadãos a participarem da seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, “ela, impreterivelmente, gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital”, uma vez que os cidadãos “depositam sua confiança no Estado-administrador”.
O ministro também abordou a relação do direito do aprovado versus direito do Poder Público. Ele lembrou que, dentro do prazo de validade do concurso, pode-se escolher o momento no qual será realizada a nomeação. No entanto, ficam vedadas disposições sobre a própria nomeação. Para Gilmar Mendes, a nomeação “passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público”.
O direito à nomeação, salientou Mendes, surge quando se realizam as condições fáticas e jurídicas. Estão aí englobadas a previsão em edital de número específico de vagas a serem preenchidas pelos candidatos aprovados no concurso; realização do certame conforme as regras do edital; homologação do concurso; e proclamação dos aprovados dentro do número de vagas previstos no edital em ordem de classificação por ato inequívoco e público da autoridade administrativa competente.
Ao contrário do que alegava o estado de Mato Grosso do Sul, para o ministro a existência de um direito à nomeação limita a discricionariedade do poder público quanto à realização e gestão dos concursos públicos. “Respeitada a ordem de classificação, a discricionariedade da administração se resume ao momento da nomeação nos limites do prazo de validade do concurso, disse.
Apesar de todas as considerações, o ministro disse entender que as “situações excepcionalíssimas” não podem ser ignoradas, já que elas “podem exigir a recusa da administração de nomear novos servidores”. Isso ocorre quando uma situação apresenta superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade.
O ministro Marco Aurélio disse que “o Estado não pode brincar com cidadão. O concurso público não é o responsável pelas mazelas do Brasil, ao contrário, busca-se com o concurso público a lisura, o afastamento do apadrinhamento, do benefício, considerado o engajamento deste ou daquele cidadão e o enfoque igualitário, dando-se as mesmas condições àqueles que se disponham a disputar um cargo”.
A ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha disse que não acredita em “uma democracia que não viva do princípio da confiança do cidadão na administração”. Já o ministro Celso de Mello considerou o julgamento como “a expressão deste itinerário jurisprudencial, que reforça, densifica e confere relevo necessário ao postulado constitucional do concurso público”.

Clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2011.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Precisamos tirar o direito ambiental da teoria, diz Milaré

O Brasil possui uma das legislações mais avançadas, no mundo, sobre direito ambiental, em termos de zelo e trato do Meio Ambiente. Porém, isso não é suficiente, o desafio do país é a implementação dessas leis. “Não adianta termos efetivamente uma legislação magnífica, se não temos pessoas ou instituições adequadamente pré-ordenadas para tirarem da teoria essa legislação magnífica”, avalia o jurista Édis Milaré, com exclusividade, para o Observatório Eco.
Édis Milaré, atualmente, é advogado na área ambiental, segmento pelo qual se interessou quando ainda era procurador de Justiça em São Paulo. Inclusive, durante 9 anos foi um dos formadores da estrutura do Ministério Público para atuar nas questões ambientais, e no campo dos interesses difusos e coletivos. Lembra que, na época, junto com outros colegas eram chamados de defensores românticos da Natureza, pelos demais membros do MP.
Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, com pós-graduação, em direito processual civil, pela USP (Universidade de São Paulo), Milaré aponta que antes da década de 80, o país era até “irresponsável”, em termos ambientais.
Em 1981 surgiu no país a primeira lei séria em matéria ambiental, a lei, 6.938/81, da Política Nacional do Meio Ambiente. “Começa a se implantar uma legislação adequada, sistemática, que hoje dá todos os instrumentos para que se possa fazer uma gestão, uma administração adequada do Meio Ambiente”, afirma. E completa, “mas, falta implementação, que efetivamente tudo isso saía da teoria e vá para o campo da concretude, da aplicação efetiva”, critica.
Negligência do Estado
Milaré é um dos primeiros autores a escrever no campo doutrinário sobre o tema ambiental. Ele reconhece que muito se avançou no segmento. “Nosso país não só ganhou em termos de uma legislação boa, mas também passou a ter uma consciência muito mais forte da necessidade de se proteger o Meio Ambiente”, e nessa defesa destaca a atuação do Ministério Público, e da própria Ordem dos Advogados do Brasil, que tem as suas Comissões de Meio Ambiente.
Para o professor, “os Estados estão se articulando para uma defesa mais eficaz do Meio Ambiente. Mas infelizmente, se deixa muito a desejar na implementação”.
Em sua opinião “o poder público deveria ser o primeiro ente a dar exemplo, porém é o que mais freqüenta o banco dos réus, por negligenciar o trato adequado com o Meio Ambiente”.
Ele comenta, relacionando ao assunto, o acidente ambiental, no início deste mês de agosto, ocorrido no Rio de Janeiro com a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), quando houve vazamento de óleo no rio que abastece a cidade do Rio de Janeiro.
“Como pode uma empresa desse porte não avisar um órgão ambiental, quando ela está emitindo poluentes em um rio que abastece quase que totalmente a comunidade do Rio de Janeiro? Isso é uma irresponsabilidade sem conta”, avalia Milaré.
Justiça e Ministério Público
Perguntamos ao jurista se falta no país segurança jurídica na área ambiental. Em sua opinião, “não falta. Mas, infelizmente não posso deixar de reconhecer que o nosso Judiciário é muito lerdo”. “Ainda não responde com a necessária eficácia os reclamos da comunidade, e isso não é só no âmbito ambiental”, completa.
Ele aponta que graças a nossa legislação processual, “em matéria ambiental há muitos meios de fazer com que as decisões sejam agilizadas”.
Lembra a importância das ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, “que mesmo tendo as suas dificuldades, e todas as instituições tem. É uma instituição ímpar”, em sua opinião.
“A independência que a Constituição Federal dá ao MP, lhe permite até questionar o que o Executivo está fazendo nesse campo”, identifica. Outro ponto importante, para ele, é o fato de toda comarca ter um promotor, além do fato de não existir custas processuais ou pagamento de sucumbência nas ações civis públicas. São elementos que dão ao MP muito mais “articulação para cuidar da matéria ambiental”.
Avesso a mudanças
Édis Milaré é um dos redatores da lei de ação civil pública, lei 7.347/85 e revela preocupação com a tramitação do projeto de lei 5.139/2009, no Congresso Nacional, que altera esse instrumento.
“Não acho o momento apropriado para alterações na lei da ação civil pública. Quero deixar claro que não é porque fui um dos autores dessa legislação. Mas é um instrumento que vem funcionando bem, já está em vigor desde 85”.
Ele explica que tem “receio”, que a ação civil pública, após ser rediscutida no Congresso, resulte em um instrumento enfraquecido. “Tenho medo de um resultado pouco favorável, mas vamos acompanhar a matéria, e torcer pelo melhor”, pondera.
Quando perguntamos ao jurista sobre as mudanças no Código Florestal, Milaré, também se mostra receoso. “Existe um embate muito forte entre ambientalistas e a bancada ruralista, que está avançando em busca de áreas de expansão da agricultura”.
E cita o exemplo do “código ambiental de Santa Catarina, que classifica com um “desastre”. “Onde já se viu deixar de preservar as áreas de nascente, a mata ciliar”, reclama o jurista, que discorda da eliminação das áreas de preservação permanente, da reserva legal e outras conquistas que o Código Florestal já garante.
“Isso é muito sério, temos que ter cautela”, avalia Milaré que enfatiza a importância de acompanharmos atentamente esse tema, que irá refletir drasticamente em nosso futuro.



Sistemas: leis e jurisprudência na medida exata

Convergência entre Common Law e Civil Law cria novo formato de sistema jurídico, o que demonstra a capacidade do direito de se adaptar a cada sociedade.

No livro Choking on Statutes (em tradução livre: Afogando-se em estatutos), o renomado jurista ítalo-americano Guido Calabresi tece duras críticas à excessiva criação de estatutos e leis, o que estaria prejudicando a tradição norte-americana de julgar ações com base em precedentes processuais. O fenômeno também tem acontecido na Inglaterra, berço do sistema da Common Law.No Brasil, o que vem ocorrendo é justamente o inverso. O sistema jurídico brasileiro é fundamentado na tradição romano-germânica da Civil Law, com origem na Europa continental, e que tem como preceito básico a codificação. Tanto é que por aqui ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Contudo, muitos institutos jurídicos típicos da Common Law têm sido adotados pelos brasileiros. Tome-se como exemplo a Repercussão Geral, prevista pela Constituição Federal. Essa técnica processual garante que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue apenas um recurso extraordinário de centenas ou milhares que tenham as mesmas características. Com base na decisão da corte, os demais tribunais terão de julgar os demais pedidos semelhantes da mesma forma.
Ao que parece, mesmo a contragosto, Calebresi, que neste livro lista uma série de razões para essa excessiva atividade legislativa e os problemas que os juízes norte-americanos têm enfrentado ao ter de decidir se julgam pelo costume ou pela nova lei, terá de aceitar essa convergência entre sistemas jurídicos.

Glossário
Veja como são os principais sistemas utilizados:
- Common Law – utiliza os precedentes jurídicos para julgar cada caso. É baseado nos costumes (direito consuetudinário). O juiz faz sua sentença de acordo com decisões tomadas anteriormente e reiteradas vezes. É aplicado nos países de colonização inglesa, como a própria Inglaterra e os Estados Unidos.
- Civil Law – sistema que se baseia na lei escrita, ou seja, no direito positivado. O que vale é o que está na lei, tanto é que nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude de lei. Surgiu na França no período das revoluções burguesas, como uma forma de proteção do cidadão diante do Estado.
- Repercussão Geral – instrumento processual previsto na Constituição. O objetivo é possibilitar que o STF selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar. O uso desse filtro resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos.
“Há essa convivência, porque não é uma invasão pura e simples. São na verdade enxertos legislativos. Se enxertamos um pé de pêssego em uma ameixeira, teremos uma nectarina. Um sistema aprende e dialoga com o outro. Faz enxertos da Common Law na Civil Law e desenvolvem-se novas fórmulas, que não são as ortodoxas de tempos atrás. O que demonstra que o direito é um organismo vivo”, analisa o professor do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná Egon Bockmann Moreira.
“Ele [o direito] se adapta a cada sociedade, o direito é cada vez mais entendido com pluralidade de fontes”, explica o professor. Além do direito posto pelo Estado, temos os direitos dos grupos sociais que regulam determinados comportamentos. “Veja o Conar, que regula as agências de publicidade, por exemplo. São as próprias agências que instalam esse direito”, complementa Moreira.

Similaridades
“Hoje é mais fácil encontrar similaridades do que diferenças [entre os sistemas]”, afirma o professor de Teoria Geral do Direito, do UniCuritiba e doutorando pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, Roberto di Benedetto. Segundo ele, o direito brasileiro tem influência de institutos de Common Law, assim como os ingleses também têm do sistema de Civil Law. “Hoje ambos sofrem influência. Somos influenciadas por instituições rotuladas de Common Law assim como eles são influenciados por instituições rotuladas como de direito civil.”

Fonte: Gazeta do Povo


domingo, 14 de agosto de 2011

Autobiografia de Kelsen revela o homem e o teórico

"Há pouca preocupação em se investigar as circunstâncias históricas nas quais se forjaram os grandes nomes do Direito, bem como suas opções políticas e ideológicas." A afirmação do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, e de seu assessor Otavio Luiz Rodrigues Junior, braço direito do ministro em seu gabinete, consta em um livro lançado exatamente com o objetivo de suprir parte dessa lacuna na literatura jurídica nacional.

Os dois lançam na próxima segunda-feira (15/8), em São Paulo, a Autobiografia de Hans Kelsen, o teórico que formatou a estrutura do controle de constitucionalidade concentrado hoje praticado não só no Brasil, mas em várias cortes constitucionais mundo afora. Como escrevem Toffoli e Rodrigues Junior, "a influência de seu modelo de jurisdição constitucional é expressiva até os dias atuais, quando se nota que a França, um país historicamente refratário à intervenção judicial na atividade legislativa, por emenda constitucional de 2008, passou a admitir o controle de constitucionalidade a posteriori".
As anotações dos responsáveis pelo lançamento da autobiografia de Kelsen no Brasil estão em um estudo introdutório de 45 páginas que antecede parte da história da vida de Kelsen contada por ele mesmo. Parte da história porque a autobiografia foi escrita em 1947, quando o teórico tinha 66 anos. Hans Kelsen morreu em 1973, aos 91 anos de idade. Exatamente por isso a introdução se torna importante, já que descreve eventos que não são narrados pelo biografado.
A importância de Kelsen pode ser medida em números. Nos últimos dez anos, foram publicados 26 livros e 51 artigos dedicados integral ou parcialmente ao exame de suas teorias. No Supremo Tribunal Federal, entre 1997 e 2010, foram 52 acórdãos fundamentos em seus ensinamentos. Do total, 37 deles nos últimos dez anos. (Grifou-se).
Os números dizem respeito às referências diretas ao trabalho do teórico. "Mas sempre que se fala em hierarquia das normas ou em jurisdição constitucional, implicitamente se faz referência às teorias de Kelsen", afirmou o ministro Dias Toffoli em conversa com a ConJur sobre o livro. A obra já está na segunda edição e faz parte da Coleção Paulo Bonavides, que trará em breve outros dois livros: A Firma, o Mercado e o Direito, de Ronald Coase, e Direito Constitucional e Direito Privado, de Konrad Hesse.
A estrutura do texto da autobiografia de Kelsen é agradável até mesmo para os leitores menos íntimos com as letras jurídicas por conta do estilo do teórico, que escreve de maneira mais "latina", como os austríacos costumam escrever a língua alemã. A leitura também é facilitada pela qualidade da tradução para o português, feita por Gabriel Nogueira Dias e José Ignácio Coelho Mendes Neto. Gabriel Dias é representante no Brasil do Instituto Hans Kelsen, autarquia federal do governo austríaco presidida pelo Chanceler da República.
Entre as curiosidades com as quais os leitores são brindados, está o fato de Kelsen ter ajudado a pagar para que seu primeiro livro de destaque fosse publicado. O editor considerou a obra Principais Problemas da Teoria do Direito Público, desenvolvidos a partir da Teoria da Norma Jurídica muito teórica. Logo, tinha baixo poder de comercialização.
O ministro Toffoli lembra outra passagem, em que Kelsen confessa que preferia estudar filosofia, história e literatura a assistir às aulas do Direito. "Ele conta, como todo estudante sabe, que há aulas que valem à pena e aulas que não valem. E faz menção a um professor. 'Logo eu percebi que era melhor ler o manual dele porque a aula era a repetição do manual."
Pitoresco também é o fato de o maior teórico do Direito do Século XX ter terminado a vida lecionando em uma faculdade de Ciência Política, na Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA). Na Primeira Guerra Mundial, graças a uma sucessão de acasos e acidentes de percurso, Kelsen assume o posto de consultor jurídico do Ministério da Guerra, talvez o mais importante naquele grave momento de crise.
"É a partir daí que se percebe que Hans Kelsen teve uma vivência política importante e uma capacidade incomum de antever os acontecimentos", afirma Dias Toffoli. "Ao contrário do que dita o senso comum, ele era uma pessoa muito atenta ao mundo político. Vivia esse mundo, atuava nesse mundo e demonstrava uma perspicácia incrível nas relações humanas", conta o ministro do STF.
Com honestidade ímpar, Hans Kelsen escreve que sua passagem pelo Ministério da Guerra foi decisiva para receber o convite de ingressar na cátedra austríaca: "Não duvidei que a atitude de Bernatzik (seu antigo professor na Universidade de Viena) tivesse sido determinada de modo decisivo pela minha posição no Ministério da Guerra. Esta causou sobre ele uma impressão maior do que todas as minhas publicações anteriores."
Talvez o ponto mais alto na história de vida do teórico tenha sido o convite, feito em 1919 por Karl Renner, chanceler do governo provisório da República da Áustria, para redigir a Constituição austríaca de 1920. É aí que Kelsen forja o controle concentrado de constitucionalidade e transformar a Corte Imperial em Corte Constitucional. De acordo com suas palavras, "a primeira desse tipo na história do Direito Constitucional, pois até então nenhuma corte havia recebido competência para revogar leis por motivo de inconstitucionalidade com efeito geral e não restrito ao caso particular".
Criada a Corte Constitucional da Áustria, Kelsen passa a integrá-la. Foi juiz da Corte Suprema austríaca por dez anos e fez nascer a ideia de que as cortes constitucionais é quem devem ser as guardiãs da Constituição, e não o Poder Executivo, no caso, o chanceler, como defendia o filósofo nazista Carl Schmitt. A autobiografia, aliás, descreve alguns dos embates entre Kelsen e Schmitt.
Com a ascensão nazista, Hans Kelsen foge para Viena e, de lá, para Genebra. Foi um dos primeiros professores universitários a serem demitidos pelo governo nazista. Como registra o ministro Toffoli, "Kelsen soube de sua demissão pelo jornal" e logo percebeu que tinha de partir. "É necessário fazer um regresso a Kelsen, principalmente em um momento em que o Judiciário é acusado de certo ativismo. Ele nos ensina, por exemplo, que a jurisdição constitucional tem de se auto-limitar porque nenhum outro poder pode limitá-la", afirma o ministro Dias Toffoli. "Kelsen lembra aos juízes, principalmente aos juízes constitucionais, que eles têm de se submeter à Constituição", conclui. (Grifou-se).
O ministro Dias Toffoli também destaca que o livro desmitificará a ideia de que Kelsen seria um conservador, quando na verdade ele próprio se define liberal. Outro ponto que o ministro destaca é a preocupação de Kelsen com a divulgação e a manutenção de sua escola na Europa, no Japão e na América Latina. O livro narra uma pouco conhecida viagem de Kelsen a Argentina, Uruguai e Brasil, onde proferiu palestras no Rio de Janeiro.
A Autobiografia de Hans Kelsen, que já está em sua segunda edição, será lançada na segunda-feira (15/8), na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, na Universidade de São Paulo, a partir da 19h. Dia 24 de agosto, o lançamento será feito em Brasília, na biblioteca do Supremo. O livro foi publicado pela Forense Universitária e pode ser adquirido por meio do site da editora.

ServiçoAutobiografia de Hans KelsenEditora Forense Universitária
2ª edição
144 páginas (mais 45 do Estudo Introdutório)
R$ 35,00

Rodrigo Haidar é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2011.

Tributação do IR sofre ilegalidades

Os contribuintes do imposto de renda pessoa física têm sido penalizados com aumentos abusivos na carga tributária em virtude do desrespeito, por parte do Poder Tributante, do princípio Constitucional na legalidade tributária.
A Constituição Cidadã de 1988 prescreve que “é vedado aos entes políticos instituir ou majorar tributos senão por meio de lei”, (1) o que significa que não se cria ou aumenta tributo sem que o Poder Legislativo tenha legislado a respeito.O Governo Federal vem conseguindo penalizar os contribuintes do IRPF de forma ilegal ao congelar os valores contidos no Regulamento do Imposto de Renda (2), tendo a omissão do necessário reajuste ocorrido por seis anos consecutivos no governo FHC e três anos no Governo Lula, como se a inflação no período fosse igual à zero.
Alguns tópicos onde se vê claramente a necessidade de correção dos valores ou alteração na legislação tributária serão abordados a seguir.
Dedução por dependentes
Tanto na tabela da Retenção na Fonte da Pessoa Física como na Tributação através da Declaração de Ajuste Anual do IRPF os congelamentos interferem diretamente no saldo final do Imposto a pagar ou a restituir, pela inadequação dos valores vigentes em contraste com a inflação ocorrida durante o lapso de tempo do Plano Real (1994/2011).
Igualmente, ao considerar como dependentes (3) “a filha, o filho, a enteada ou o enteado, até vinte e um anos, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho”, penaliza o contribuinte que mantém os citados dependentes cursando universidade, principalmente quando os cursos são mais longos e caros (medicina e as exatas), que exigem a presença dos estudantes durante todo o dia no respectivo estabelecimento de ensino, impedindo-os de trabalharem e auferirem renda própria, ou seja, continuam dependendo financeiramente dos pais.
Despesas com educação
A Legislação Tributária permite a dedução relativa “a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de R$ 2.830,84 (dois mil, oitocentos e trinta reais e oitenta e quatro centavos) a partir do ano-calendário de 2010” (4), cristalinamente insuficiente para custear a educação em estabelecimento de ensino privado neste país.No caso de curso superior de Medicina, por exemplo, o valor limite para dedução é insuficiente para custear uma mensalidade; são cobradas 12 ao todo.
Vale lembrar o que o valor limite citado é para se abater da base de cálculo do IRPF e não diretamente do Imposto de Renda apurado.
É fácil explicar a carência de profissionais de nível superior na área de exatas: Quem não consegue vaga nas Universidades Públicas não tem estímulo para tentar cursar em estabelecimentos privados. Daí a necessidade de se enviar 75 mil brasileiros ao exterior para se qualificarem visando suprir a carência desses profissionais no mercado de trabalho em nosso país.
Despesas médicas
Embora não há limite para dedução “na declaração de rendimentos poderão ser deduzidos os pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias (5).Igualmente “aplica-se, também, aos pagamentos efetuados a empresas domiciliadas no País, destinados à cobertura de despesas com hospitalização, médicas e odontológicas, bem como a entidades que assegurem direito de atendimento ou ressarcimento de despesas da mesma natureza” (6).Visando coibir abusos por parte dos contribuintes e evitar sonegação fiscal (recibos frios de despesas médicas) foi instituído a obrigação de envio eletrônico da Dmed - Declaração de serviços médicos e de saúde. A medida foi salutar, porém, trouxe transtornos em seu primeiro ano de aplicação. Senão vejamos;Se o contribuinte pagar alguma das mensalidades, com atraso, dos chamados “planos de saúde”, no boleto bancário constará os acréscimos legais contratados – juros, etc... Nas empresas esses acréscimos são contabilizados como receitas financeiras e, logicamente, não constarão na DIMED. Já os usuários tendem a somar os 12 boletos anuais, pelos valores quitados pela rede bancária. No cruzamento das informações da DIMED x Valores dedutíveis declarados pelos contribuintes como despesas médicas haverá diferença, levando sua declaração para a chamada “malha fina”.
Com a deficiência apresentada pelo sistema de saúde pública, o nosso “SUS”, os cidadãos contribuintes – que têm na CF/1988 (7) o direito garantido de assistência à saúde – é forçado a participar dos “Planos de Saúde” da rede privada. Não abate os valores pagos do Imposto a Pagar, mas da base de cálculo da apuração do IRPF. Se, apenas ad argumentandum, a alíquota final real da tributação foi de 22% do total de seus rendimentos, significa que ele – contribuinte – bancou 78% das despesas médicas, cujos serviços deveriam lhe ser prestados pelo Governo Federal, com os impostos que todos democraticamente pagam.
Tabela progressiva
A tabela progressiva ficou congelada durante seis anos no governo FHC e três anos no governo Lula.
Para o ano-base de 2010, exercício financeiro de 2011, o limite de isenção foi de R$17.989,80, enquanto para o exercício financeiro de 1997, ano-base 1996 o limite de isenção era de R$10.800,00 (8). São praticamente 66,57% de correção, enquanto que a SELIC – que corrigi as dívidas dos contribuintes para com a Receita Federal do Brasil - de 1996 a 2011 teve aumento de 259,11%.
Vê-se claramente a defasagem entre os direitos dos contribuintes e os interesses em aumentar a arrecadação, de forma ilegal, do Governo Federal.
As consequências das ilegalidades na tributação do IRPF não são sentidas pela população que está na base da pirâmide social, uma vez que recebem ajuda do governo federal, financiada justamente por aqueles que estão no meio da pirâmide (classe média) que são os funcionários públicos civis (do executivo, legislativo e do judiciário) e militares, os profissionais liberais, os profissionais empregados que se profissionalizaram no nível de ensino superior, por exemplo.
Já quem está no topo da pirâmide, os grandes contribuintes do IRPF, sofrem menos com as aberrações e ilegalidades praticadas pelo Governo Federal, pois as benesses que recebem por bancarem o sistema bem maior que as perdas.
Os contribuintes não têm quem os representem nas esferas de Poder, tanto no Legislativo como no Judiciário, uma vez que 67% dos cargos de confiança na esfera do Poder Executivo Federal são exercidos pelos Sindicalistas e os Membros do Legislativo fazem parte da maioria do Governo no Congresso Nacional.
Conclusão
A atualização dos valores defasados diminuirá, certamente, a tributação do IRPF, porém com pouco reflexo na arrecadação federal, pois esse tributo representa percentual ínfimo no bolo da arrecadação federal, mas trarão grandes benefícios aos Contribuintes Pessoas Físicas, cidadãos brasileiros que contribuem para construírem esta Nação.
A situação não mudará (atualização dos valores do RIR/1999 e das tabelas do IR-Fonte e IRPF) enquanto não houver uma grande mobilização da população nesse sentido. Temos a marcha das vadias, a marcha da maconha, mas falta a marcha dos cidadãos lutando pelos seus direitos constitucionais de segurança, educação, saúde e uma tributação justa e legal, que respeite os parâmetros e princípios da Constituição Cidadã de 1988. Não se pode aumentar tributo sem lei que o estabeleça!


NOTAS(1) CF/1988 - Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
(2) Decreto nº. 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto de Renda; (3) Art. 77, inciso III, do Decreto nº. 3000/1999;(4) Lei nº. 11.482/2007 - Art. 3o Os arts. 4o, 8o e 10 da Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995, passam a vigorar com a seguinte redação: 4. R$ 2.830,84 (dois mil, oitocentos e trinta reais e oitenta e quatro centavos) a partir do ano-calendário de 2010;(5) Lei nº. 9.250, de 1995, art. 8º, inciso II, alínea "a”. (6) § 1º O disposto neste artigo (Lei nº. 9.250, de 1995, art. 8º, § 2º): ((Art. 80 do RIR/1999);(7) CF/1988 - Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.(8) Lei 9.250/1995 - Art. 11. O imposto de renda devido na declaração será calculado mediante utilização da seguinte tabela: Até R$10.800,00 – alíquota ZERO.
Roberto Rodrigues de Morais é especialista em Direito Tributário.

Revista Consultor Jurídico, 14 de agosto de 2011.